
Existe vida após a morte? Para onde vamos quando nossa existência material chega ao fim? Somos punidos ou recompensados pelos nossos feitos em vida? A humanidade busca respostas para esses questionamentos desde os primórdios e tenta aplacar a angústia do não saber apoiando-se em mitologias e nas religiões. Se a morte é a única certeza da vida, por outro lado, esta ganha diferentes significados e representações de acordo com cada crença. Em Belo Horizonte, uma mostra dessa diversidade está no Cemitério Israelita, um espaço privado destinado ao sepultamento de judeus.
Embora pouco mencionados, os judeus estiveram presentes na história da capital antes mesmo de sua inauguração. Um dos primeiros a aqui estabelecer morada foi Arthur Haas, nascido na Alsácia Lorena. Segundo registros, em 1894 ele abriu a primeira loja de construção e ferragens, de nome A Constructora, e teria fornecido material para a construção da cidade. Mais tarde, Haas se tornaria o primeiro presidente da União Israelita de Belo Horizonte, fundada em 1922.
Assim como ele, vários outros descendentes israelitas migraram para a América ao final do século XIX e início do XX. Fugindo de perseguições religiosas e de guerras na Europa, os que aqui chegavam vinham atraídos pelas oportunidades de trabalho e melhores condições de vida. Em Belo Horizonte, ainda em fase inicial de ocupação, eram grandes as lacunas de mão de obra e de oferta de serviços. Aos poucos, a comunidade judaica foi se adensando, e tornava-se cada vez mais evidente a necessidade de locais apropriados de encontro e de culto para que seus costumes e tradições não se perdessem.
Segundo a pesquisadora do Instituto Histórico Israelita Mineiro e professora de história da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Júlia Calvo, no caso dos sepultamentos, durante os primeiros 40 anos após a inauguração da cidade, os judeus eram enterrados com o restante da população no cemitério municipal, o Cemitério do Bonfim. Apesar de laico, o que garantia a livre manifestação dos diferentes credos, o Bonfim não dispunha da estrutura necessária para o cumprimento de todo o ritual judaico de preparação dos mortos. “No Israelita, há espaços diferenciados conforme a simbologia judaica a respeito da morte”, explica a pesquisadora (ver infográfico). É imprescindível, por exemplo, uma sala para toalete ritual, onde é realizada a lavagem do corpo antes do enterro. Além disso, cada espaço tumular é reservado para um único corpo, não havendo covas coletivas. Na saída, é importante que haja uma pia para lavagem das mãos, prática que simboliza a continuidade da vida. “Daí a importância de um cemitério próprio que respeitasse as singularidades no serviço funerário e mantivesse as tradições judaicas”, conclui Júlia.

Yehuda Waisberg, de 61 anos, também teve seus pais e irmãos enterrados no Cemitério Israelita de Belo Horizonte e acredita que o principal motivo para isso esteja no peso da tradição. Ele argumenta que o valor da coletividade, de se pertencer a um mesmo grupo, é, muitas vezes, até mais forte do que os valores religiosos. “Diferente do que ocorre em Israel, onde a prática é mais corriqueira e os princípios são seguidos de forma mais rígida, boa parte da comunidade judaica no Brasil, em geral, não é tão religiosa, mas muito tradicional”, afirma.
Por isso, a pesquisadora Júlia Calvo considera que o cemitério reforça o sentido de comunidade, acima de tudo. Para ela, a preocupação em construir um espaço destinado aos mortos demonstra a noção de permanência dos judeus em Belo Horizonte, é a materialização do não retorno dos imigrantes a sua terra natal. “Ter um cemitério próprio significa, para a comunidade judaica, um direito à memória e à conservação de seus costumes e rituais.”
Nas cerimônias de sepultamento, um dos maiores valores do judaísmo está no apreço pela simplicidade, como explica o rabino Leonardo Alanati, de 50 anos, da Congregação Israelita Mineira. “Após a morte, todos somos iguais e não devemos diferenciar ricos e pobres.” Ele também esclarece que, apesar da crença judaica na imortalidade da alma, devemos nos preocupar com nossa existência terrena. “A maior honra que a pessoa pode ter são seus atos em vida. É este momento de união entre a matéria e o espírito o mais propício para o nosso desenvolvimento, para a realização de nossas potencialidades. Por isso, é sempre importante que nos enterros os celebrantes destaquem e elogiem os atos bons da pessoa falecida”, conclui.