“Se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo”, costumava dizer Dom Helder, que teve diversos pensamentos associados a movimentos partidários. Como um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ele ajudou a dar visibilidade, organização e estrutura à instituição, que teve importante papel de enfrentamento durante a ditadura militar brasileira. “Todo o agir de Dom Helder tinha por trás um valor maior, que era a promoção da dignidade humana. Num cenário político controverso, ele defendeu a cidadania”, explica Adenilson Ferreira de Souza, ex-jesuíta e doutorando em Ciências Políticas na UFMG. Seu objeto de estudo, claro, é o religioso brasileiro, um dos principais nomes do país, quando se fala em direitos humanos no século XX.
Com a restrição do espaço político brasileiro após a implantação do Ato Institucional nº 5, o AI-5, em 1968, Dom Helder, por incomodar muito os militares, é considerado pelos agentes do governo um ‘morto-vivo’. Os meios de comunicação não podiam falar sobre ele, nem publicar nada que mencionasse seu nome.
Para Dom Helder, os cidadãos menos favorecidos deviam se unir, formando o que chamava de “minorias abraâmicas”, com clara referência bíblica a Abraão, e que tem como preceito a ideia de que em qualquer conjunto de pessoas, ao menos duas são sedentas por justiça e paz. “Ele apostava muito na juventude como engrenagem primordial da sociedade, e na força dos grupos abraâmicos, capazes de pensar soluções e enfrentar as arbitrariedades, com uma força parecida com a da bomba atômica”, completa o doutorando da UFMG.
Foram tantas viagens ao exterior, que o próprio papa Paulo VI, que era amigo de Dom Helder, solicitou que o arcebispo diminuísse o número de palestras internacionais. “O sumo pontífice alegou que o representante da cristandade era o papa e não o colega brasileiro”. Sua forte atuação para divulgar a repressão política no Brasil lhe rendeu nada menos que quatro indicações ao prêmio Nobel da paz – nenhum outro brasileiro teve tantas indicações. Além disso, recebeu o prêmio Martin Luther King, nos Estados Unidos, e se tornou doutor honoris causa em 32 universidades nacionais e estrangeiras.
Com tamanho reconhecimento, não é à toa que a Companhia de Jesus, ao criar, em 1998, uma escola de direito em Belo Horizonte, a chamou de Escola Superior Dom Helder Câmara. Como consta no site da instituição, no texto que trata de sua fundação, o ideal da escola “é dar continuidade à prática ético-social, através de atividades de promoção humana, de defesa dos direitos fundamentais, de construção feliz e esperançosa da cultura da paz e da justiça”.
O pensamento humanitário de Dom Helder Câmara, tão divulgado mundo afora, é reconhecido também pelas autoridades eclesiásticas. “Ele deixou um legado de coragem, de proximidade e de ajuda aos pobres e sofredores. Seu exemplo ensina que todo cristão deve se comprometer com o exercício da cidadania, buscando sempre o bem comum”, diz Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte. Ele lembra também que, além de advogado do povo, o arcebispo de Olinda e Recife também era um exímio poeta.
Se Dom Helder Câmara estivesse vivo – faleceu em 1999 –, ele teria apoiado as manifestações populares, que se espalharam pelas ruas do país em 2013, e que são demonstrações práticas de sua ideia de minoria abraâmica. Isso é o que o ex-jesuíta Adenilson Souza também acredita: “A sua utopia, de aposta nas minorias, permanece viva.
A trajetória do religioso brasileiro no período da ditadura militar não foi tranquila, e, além de enfrentar o poder instituído, também teve de ouvir duras críticas de pensadores e escritores da época, como Nélson Rodrigues e Gilberto Freyre. Eles achavam que o arcebispo estaria deixando de lado a religião e partindo para uma atuação voltada à propaganda política, e, neste caso, a do comunismo. A resposta de Dom Helder a todos que lhe combatiam era simples, porém humana: “Com todo respeito que merecem os santos, não sou homem de autoflagelações. Não há penitência melhor do que aquelas que Deus coloca em nosso caminho"..