Isto o torna a um só tempo o mais antigo e o mais bizarro exemplar de rincossauro da América do Sul, além de ser o primeiro exemplar a dividir afinidades inequívocas com os rincossauros que pastavam na África, mais uma evidência da união dos continentes austrais no supercontinente Gondwana.
O trabalho de descrição é de autoria dos paleontólogos Cesar Schultz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Max Langer, da Universidade de São Paulo (USP), e Felipe Montefeltro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele foi descrito em artigo publicado no periódico científico alemão Paläontologische Zeitschrift.
A nova espécie foi descrita com base em um crânio um tanto deformado coletado nos anos 1970. "Sabia da existência daquele crânio desde 1980, quando entrei no setor de paleovertebrados da UFRGS. Comecei a olhar com mais atenção para aquele 'rincossauro torto' a partir de 1987, quando comecei o doutorado. Na época, estudava o modo como a fossilização típica do período Triássico do Rio Grande do Sul deformava alguns fósseis, a ponto de fazer com que pertencessem a táxons diferentes. Entretanto, aquele crânio, apesar de estar claramente comprimido lateralmente, não era de modo algum semelhante aos outros rincossauros gaúchos que já conhecíamos", conta Schultz.
O pesquisador lembra que o fóssil do brasinorrinco foi achado em Mariante, um distrito do município de Venâncio Aires (RS) e quase foi descartado, pois havia muitos outros rincossauros. Mas, os paleontólogos resolveram retirar o fóssil, que saiu inteiro e foi levado para um laboratório.
Em 2016, a novela científica envolvendo o fóssil do brasinorrinco finalmente chega a uma conclusão. "Colegas argentinos me avisaram que encontraram um animal semelhante e que já haviam começado a descrevê-lo. Como eles sabiam da existência desse fóssil brasileiro, disseram que aguardariam nossa descrição ser publicada para publicar a deles", conta Schultz.
Como todos os rincossauros, o brasinorrinco possuía um bico (rhynchus, em grego) ósseo que empregava para abocanhar e cortar a vegetação, como se fosse uma faca. Seus dentes eram diminutos, próprios para macerar o alimento.
No Triássico médio, os pampas eram lar de animais que pareceriam muitos estranhos aos nossos olhos. Não eram dinossauros, nem mamíferos, nem crocodilos, lagartos, tartarugas ou aves. Todas essas formas de vida ainda estavam por evoluir. Quem dominava essa antiga paisagem eram répteis primitivos. No registro fóssil do Rio Grande do Sul no Triássico médio, há 238 milhões de anos, havia de um lado os dicinodontes e cinodontes (estes possivelmente os ancestrais dos mamíferos) e do outro lado os arcossauromorfos, de cuja linhagem evoluíram os crocodilos e as aves. Os rincossauros pertenciam a este grupo, juntamente com o maior predador da época, um terrível carnívoro do tamanho de um grande crocodilo, o Prestosuchus.
Já no registro fóssil gaúcho do Triássico superior, há 231 milhões de anos, os dicinodontes desaparecem, assim como oPrestosuchus. Mas, os rincossauros, ao contrário, se tornaram abundantes. É nesse momento que surge, de forma ainda tímida, um novo grupo de animais destinado a dominar o planeta pelos 150 milhões de anos seguintes.
Eram os primeiros dinossauros, cujos exemplares mais antigos são achados na Argentina e no Rio Grande do Sul. E cujas primeiras formas carnívoras se alimentavam, provavelmente, de rincossauros.
(com Agência Fapesp).