O próprio Charamsa materializou sua história no livro A Primeira Pedra: Eu, Padre Gay, e a Minha revolta Contra a Hipocrisia da Igreja Católica, da editora Seoman. A obra traz revelações intrigantes sobre o dia a dia do Vaticano, interpretações diferentes sobre as Escrituras Sagradas e as tentativas do polonês de fazer com que a igreja adotasse uma postura mais amorosa e tolerante em relação aos homossexuais. Em certo trecho da obra, o autor declara que o Vaticano não é apenas contra os gays, mas sim contra a sexualidade, inclusive dos próprios héteros.
Em entrevista à Encontro, Charamsa revela que descobriu sua homossexualidade ainda na adolescência, mas conviveu com esse segredo até 2015, sem revelar a ninguém. "Para um gay católico, a diferença é que a descoberta e a consciência pessoal da homossexualidade é algo horrível e vergonhoso, porque a igreja estigmatiza a homossexualidade como uma doença e uma patologia", desabafa o escritor polonês.
Papa Francisco
O ex-padre disse que não conversou com papa Francisco após ter assumido a homossexualidade. Segundo o autor, o pontífice usou a assessoria de imprensa para informar que o polonês não trabalharia mais no Vaticano. "Isto não corresponde a uma atitude evangélica de diálogo e escuta promovida nos discursos dele", alfineta Krzysztof Charamsa.
Apesar de Francisco ter manifestado sua tolerância em relação aos homossexuais, em 2013, ao dizer "Quem sou eu para julgar os gays", o autor do polêmico livro critica a forma como o líder religioso tem tratado o assunto.
Leia, abaixo, a entrevista completa:
Encontro – Por quanto tempo você escondeu sua opção sexual?
Krzysztof Charamsa – Homossexualidade não é uma escolha sexual. Assim como uma pessoa heterossexual não escolhe ser hétero, homossexuais não escolhem sua orientação sexual. Este é um termo técnico para descrever a característica fundamental da nossa sexualidade. Por esta razão, igrejas homofóbicas ou sociedades que impõem a ocultação – a obrigação de esconder a identidade e a dignidade como um homem gay ou uma mulher lésbica ou uma pessoa transexual – são desumanas. Minha revelação foi o fim de um terror psicológico imposto pela Igreja Católica 'em nome de Deus'.
Quem sabia desse segredo?
Ninguém.
O que o motivou a revelar, apenas em 2015, a homossexualidade?
A experiência libertadora de amor com meu parceiro Eduard, no período final da minha maturidade pessoal de me aceitar, e a descoberta da falsidade da igreja neste delicado campo de personalidade e sexualidade foram os motivos.
Você acredita que existam outros padres na mesma situação, sem coragem para assumir a homossexualidade?
Isto não é uma questão de acreditar. Isto é um fato bem conhecido, que o número de pessoas homossexuais no clero é estatisticamente maior do que no resto da sociedade. Muitos padres gays me escreveram dizendo o quanto eles sofrem por não terem coragem de dizer à igreja quem eles são. Isto é uma horrível prisão psicológica.
A Bíblia é clara ao dizer, no livro de 1 Coríntios, versículo 6, parágrafo 9, que os efeminados não herdarão o reino de Deus. O que você pensa a respeito?
Não podemos usar o versículo bíblico para homossexuais, porque a Bíblia não possui concepções sobre orientação sexual, como nós entendemos hoje. A Bíblia também diz que as mulheres não podem falar à missa e devem ser submissas ao homem. A Bíblia também promove a escravidão. Quando você lê a Bíblia sob uma visão fundamentalista, percebe-se que ela é contrária ao Sistema Solar .
O que você pensa sobre o celibato na Igreja Católica?
Eu escrevi um capítulo no meu livro sobre minha experiência de celibato. Como você sabe, celibato não é essencial para nossa fé. É apenas uma restrição disciplinar para padres das Igrejas Latinas, e não para as Igrejas Católicas Orientais.
Em 2013, o papa Francisco manifestou sua tolerância em relação aos homossexuais. Você acha que o papa tem sido mais aberto enm relação ao tema?
Não, eu não acho. Em dezembro de 2016, papa Francisco confirmou e desenvolveu a lei criada pelo papa Bento XVI, em 2005, que proíbe homens gays de serem padres, baseado na 'pseudociência' que afirma que homossexuais são doentes, incapazes de amadurecer afetivamente, sexualmente e psicologicamente, e que, por esta razão, eles não podem ser padres. Este é o maior ato eclesial que julga os homossexuais como patológicos. Essa lei, confirmada por Francisco, é injusta e desumana. Papa Francisco, com sua autoridade no mundo todo, promove as mentiras, os preconceitos e os estereótipos sobre os gays. Esta é uma grande manipulação, que contradiz o que ele disse em 2013. Neste papado, ele não promoveu no Vaticano um estudo essencial e confrontante com a ciência sobre orientação sexual e identidade de gênero. Ele cegamente repete mentiras. Papa Francisco manteve e desenvolveu uma homofobia eclesial em suas ações, e ao mesmo tempo, com suas declarações públicas, convence a opinião pública de que mudou a atitude 'criminosa' da igreja..