reforma psiquiátrica brasileira, em prol da luta antimanicomial, ainda não pode ser considerado majoritário. Apesar da redução de 19% nos leitos psiquiátricos em todo o país, houve criação desse tipo de leito em muitos lugares, o que indica que ainda vigora o modelo antigo, muito criticado pelos profissionais de saúde.
Os dados são fruto de uma pesquisa da professora Simone Costa de Almeida, do departamento de Terapia Ocupacional da UFMG, com base em indicador criado para mensurar a implantação da Lei 10.216, aprovada em 2001, que reorienta o modelo de atenção às pessoas com sofrimento mental. No lugar da internação hospitalar, a lei propõe uma rede formada por Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Serviços Residenciais Terapêuticos, Centros de Convivência e Cultura, Unidades de Acolhimento e leitos de atenção integral.
"Quando se aproxima a lupa das esferas subnacionais, constata-se que, de 2008 a 2013, em 25,1% dos municípios o número de leitos foi reduzido; em 36,5% não houve alteração; e em 38,4% houve aumento", observa a professora. A queda nos números deve-se ao fato de que municípios com grande quantidade de leitos registraram redução significativa, como foi o caso da cidade de Camaragibe (PE), que passou de 1.140 leitos, em 2008, para 105, em 2013.
Por outro lado, muitos municípios que não tinham leitos passaram a oferecer esse serviço, e outros ampliaram o estoque, como Torres, no Rio Grande do Sul, que passou de sete para 10 leitos em cinco anos. Além disso, enquanto algumas cidades cumpriram de forma exemplar os pressupostos da lei – fechamento de leitos psiquiátricos –, outras apenas fecharam os leitos, sem criar estrutura substitutiva.
Vale dizer que os Caps são serviços de saúde mental que atendem às pessoas em crise e que congregam número reduzido de leitos para casos emergenciais. Em Belo Horizonte e em outras cidades mineiras, recebem a nomenclatura de Centro de Referência em Saúde Mental.
"Se, de um lado, a redução dos leitos psiquiátricos no Brasil é marca da implementação da política antimanicomial, de outro, o embate de forças com segmentos vigorosos que defendem o modelo centrado em hospitais, mediante o aparato econômico e político de que dispõem, retarda a mudança que se pretende na forma de tratar a loucura", enfatiza Simone Almeida.
Contradição
Segundo a pesquisadora, o achado mais destoante em sua pesquisa, por se caracterizar como contraditório à reforma, foi a criação de novos leitos. "Não conseguimos identificar como eles foram abertos. Será que resultam da força de determinados lobbies diante de brechas que a lei oferece?", questiona a professora. Ela levanta a hipótese de que esses leitos podem ter sido abertos para atender aos usuários de álcool e outras drogas, já que portaria do governo federal permite sua internação em comunidades terapêuticas.
Para Simone Almeida, essa determinação compromete as dimensões política e ética da reforma psiquiátrica e estabelece um retrocesso no curso da política antimanicomial. "Estamos desde 1978 tentando desativar leitos, de modo a dispensar esse recurso que valoriza a segregação. Não queremos pessoas internadas, isoladas, sejam elas portadoras de sofrimento mental propriamente dito ou usuárias de álcool e outras drogas. O que se pretende com a reforma psiquiátrica é o cuidado em liberdade", enfatiza.
(com Boletim da UFMG)
O modelo de atenção à saúde mental concebido pelos responsáveis pela SAÚDE
Pesquisa da UFMG mostra que lei antimanicomial ainda é falha
Segundo o estudo, apesar da redução dos leitos em hospitais e o fim dos hospícios, houve aumento no número de vagas para internação
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