Sugestão Legislativa (SUG) 17, de 2017, foi unanimemente condenada por convidados e senadores que participaram da audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) na quarta, dia 13 de setembro. A medida chegou a ser apontada como uma ofensa às liberdades individuais, assim como um ato de discriminação contra a juventude que aprecia a cultura do funk, boa parte jovens de periferia e favelas que encontram no ritmo formas de expressão e identidade.
O debate foi motivado por uma Ideia Legislativa apresentada pelo cidadão Marcelo Alonso, do Rio de Janeiro. A intenção dele é que o funk seja considerado "crime de saúde pública" contra "crianças, adolescentes e a família". Quando recebe apoio de mais de 20 mil internautas, esse tipo de proposta se converte em Sugestão Legislativa.
Se depender do relator designado, senador Romário (Pode-RJ), que pediu a audiência pública, a sugestão não terá caminho fácil na comissão. Para se transformar em projeto de lei, a matéria depende da maioria dos votos dos membros da CDH quando entrar em pauta, mas, o parlamentar e ex-jogador de futebol adianta que seu relatório será "100%" contrário à proposta.
Romário condena as críticas de que o funk seria uma "falsa cultura", e que os bailes serviriam para a prática de crimes graves, desde tráfico de drogas a estupros. O relator observa que crimes ocorrem em diferentes ambientes e situações, e que já existe tipificação para os diferentes tipos de delito no Código Penal ou leis específicas. Em seguida, ele alerta ainda para o risco de "adesão cega" ao preconceito. Conforme o parlamentar, dizer que o funk é uma "falsa cultura" supõe que exista resposta clara sobre o que seria uma "verdadeira cultura".
"Lembro que, há um século, o sambista e a cultura do samba, hoje patrimônio prezado por todos os brasileiros, eram perseguidos sob o pretexto de vadiagem. Sambistas eram classificados como vadios, que era um tipo penal. Hoje, funqueiros são apresentados como estupradores e traficantes, não por serem estupradores e traficantes, mas por serem funqueiros", afirma Romário.
Estado de exceção
Para a antropóloga Mylene Mizrahi, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a SUG 17/17 é inconstitucional. Ela observa que a proposta surge em meio a outras manifestações "obscurantistas que afetam as liberdades individuais". A especialista cita o caso de protestos que levaram o banco Santander a cancelar uma exposição de arte em Porto Alegre (RS), neste semana. No caso da ideia de criminalização do funk, "um ritmo inteiro e seus seguidores", Mylene afirma que nem o regime militar de 1964 a 1985 tentou algo parecido. "O que querem de fato é um estado que diga quem pode criar e o que pode ser criado. Está na hora de eles tirarem as máscaras e dizer claramente que não querem viver em democracia. Que se proponha então um regime autoritário, porque somente em um estado de exceção isso seria possível", comenta a professora.
Participaram da audiência no Senado três compositores de funk, um deles, Fábio Luís de Jesus, o MC Koringa, do Rio de Janeiro. Primeiro, ele lembra que teve uma trajetória de criança pobre que, graças ao funk e muita dedicação, conseguiu realização musical e profissional. O músico afirma que os funqueiros falam da realidade que conhecem, e essa realidade quase sempre é difícil. Na mesma linha da antropóloga Mylene, MC Koringa reclama que os segmentos que perseguem o funk querem se eximir de "culpa" por essa realidade.
Os senadores José Medeiros (Pode-MT) e Magno Malta (PR-ES) manifestaram a intenção de se posicionar contra a sugestão legislativa. Malta destaca que o funk é apenas mais um ritmo musical. Na prática, segundo ele, pode-se fazer apologia ao crime por meio de música de bossa nova, samba ou qualquer outra forma de arte. Para o parlamentar capixaba, isso, sim, não "pode merecer aplauso".
Apesar de ter sido convidado, o autor do SUG 17/17, Marcelo Alonso, não compareceu à audiência. Para Romário, faltou "coragem" ao autor para defender claramente a proposta.
(com Agência Senado)
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