
O último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que o consumo de álcool por pessoa aumentou 43,5% em 10 anos entre os brasileiros a partir dos 15 anos de idade. Era de 6,2 litros por ano em 2006 e chegou a 8,9 litros em 2016. Apesar do Brasil estar em 49º lugar entre os países que mais consomem álcool (os primeiros colocados são do Leste Europeu), a própria OMS esclarece que o problema não está no consumo em si mas no uso excessivo e na falta de controle.
Responsável pelo estudo, a psicóloga Mariana Donadon avaliou vítimas de alcoolismo em tratamento ambulatorial no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e comparou com pessoas saudáveis. Após entrevistas e testes específicos, como um de reconhecimento de expressões faciais de emoção, a pesquisadoa verificou que, além de sofrerem mais com depressão e ansiedade, os dependentes de álcool apresentam maior déficit para reconhecer e julgar emoções.
Medo, nojo, alegria, tristeza e surpresa. Os alcoólatras demonstraram problemas para julgar, reconhecer e reagir a todas as emoções estampadas nos rostos a eles apresentados. A habilidade de avaliar e entender as emoções é uma capacidade inata dos seres humanos. Segundo a psicóloga, é essa função que "propicia interações sociais saudáveis e nos protege de perigos". O rápido reconhecimento de uma face de raiva pode evitar uma briga, enquanto "reconhecer expressões de medo ou tristeza ajuda-nos a mudar o que está ruim", exemplifica Mariana.
Resultado de efeitos tóxicos da bebida nos circuitos cerebrais, a falta dessa habilidade impossibilita a reação adequada do dependente de álcool ao seu ambiente. "Os alcoólatras não possuem essa inteligência emocional e, num círculo vicioso, utilizam a bebida para fugir de situações problemas", diz a pesquisadora da USP.
Além da falta de inteligência emocional, a pesquisa mostra que os dependentes sofrem mais traumas emocionais precoces (na infância) do que os que não são alcoólatrase e apresentam personalidade desadaptativa – dificuldade de adaptação e interação com o meio social.
O estudo distingue ainda fatores que podem levar ao alcoolismo (vivências de traumas gerais e emocionais na infância e maiores dificuldades para reagir às emoções, principalmente as de surpresa) daqueles que protegem contra o transtorno (personalidade marcada pela conscienciosidade, ou seja, atributos relacionados à capacidade crítica ou autocrítica como a da autoconsciência sobre os malefícios da bebida e maior facilidade para reconhecer emoções, preferencialmente o medo e o nojo).
Com a doença já instalada, Mariana Donadon afirma que "a primeira conduta terapêutica seria psicoterapia para abstinência do álcool", já que o consumo crônico prejudica a inteligência emocional (percepção e julgamento das emoções, e para prevenção de recaídas. A participação dos grupos de autoajuda – como o AA – e em palestras informativas sobre os danos do consumo de álcool também estão entre as indicações da psicóloga.
(com Jornal da USP)