Revista Encontro

Cidade

Animais abandonados nos bairros de Nova Lima preocupam moradores

O problema é que a prefeitura não possui serviço gratuito de castração dos pets, nem realiza campanhas de adoção

Daniela Costa
Quem mora ou visita o município mineiro de Nova Lima, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte, se depara com o descaso com que são tratados os inúmeros cães e gatos abandonados nas ruas e estradas.
A cidade não investe em políticas públicas que contemplem os animais domésticos e descumpre a Lei Estadual 21.970/2016, que determina que é responsabilidade da administração pública implementar ações que promovam a proteção, prevenção e a punição dos maus-tratos, assim como o controle populacional por meio da esterilização.

Com cerca de 92 mil habitantes, a região rica por abrigar várias minas de minério de ferro e de ouro, além de numerosos condomínios de alto luxo, possui arrecadação anual de mais de R$ 500 milhões. No entanto, o município e seus distritos não contam nem mesmo com a castração pública gratuita no Centro de Controle de  Zoonoses (CCZ). Para moradores e ativistas, o desinteresse em relação à situação dos animais em Nova Lima é alarmante e já se tornou caso de "calamidade pública". "Falta iniciativa da prefeitura e conscientização da população. Os casos de abandono, envenenamento e maus-tratos são recorrentes e revoltantes", reclama a administradora Cristina Mendes, do Grupo de Proteção Animal de Macacos.

Basta circular no bairro Jardim Canadá, às margens da BR-356, para ver grupos de cães perambulando sem destino, doentes e famintos, vítimas da irresponsabilidade humana e do descaso do poder público. Cavalos também podem ser flagrados em situação de maus-tratos. A situação se repete no bairro Água Limpa, no distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos) e em várias outras localidades.
Para diminuir o alto índice de animais abandonados nesses locais, moradores apostam na iniciativa privada. Um exemplo é o Projeto Cães do Jardim, que realiza eventos beneficentes para arrecadar fundos e promover a castração gratuita dos pets – o número de cadelas prenhas e de filhotes abandonados é cada vez maior. Segundo a instituição, aproximadamente mais de 2000 esterilizações já foram realizadas sem o auxílio de verba pública. O projeto também incentiva a construção de moradas comunitárias para os animais de rua que, com o apoio da vizinhança, são alimentados, vacinados e castrados.

Outra iniciativa na região é o Projeto Cãomer que tem como objetivo resgatar, reabilitar, castrar e encaminhar os animais para feiras de adoção. Ao todo, cerca de 450 animais já foram retirados das ruas e encaminhados para um novo lar. "Não temos apoio da prefeitura, eles dão apenas as vacinas antirrábicas", diz a técnica em veterinária Kely de Oliveira Alves, da Cãomer. Ela completa: "Animal cuidado não oferece risco para a sociedade, não procria de forma descontrolada e nem transmite doença. Por isso, cuidar deles traz benefícios para todos".
A vira-lata Dama e o buldogue Logan foram resgatados pela médica Samia Jabour em Nova Lima. "Por aqui, é comum o abandono até de animal de raça", diz ela. - Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Como a maioria da população opta por fechar os olhos para a situação dos animais de rua, o problema só se agrava. Uma cadela não castrada pode ter duas crias ao ano, com até 12 filhotes em uma só ninhada, em um ciclo de abandono e sofrimento que não tem fim. Porém, bons exemplos como o da ginecologista e obstetra Samia Jabour ajudam a reduzir o problema. Primeiro, ela resgatou a cadela Dama, sem raça definida, abandonada na estrada de Macacos. No início deste ano, outro resgate. Desta vez, de Logan, um buldogue largado no bairro Jardim Canadá, velho e doente.
"É revoltante saber que esse sofrimento poderia ser evitado se as pessoas compreendessem que se tratam de vidas pedindo socorro", diz a médica. Próximo ao local de resgate do buldogue, nos postos de combustível Mutuca e Chefão, os casos de abandono são recorrentes e de maus-tratos e atropelamento também.

Muitos dos pets deixados nas ruas e rodovias acabam tendo outro destino: o Centro de Controle de Zoonoses de Nova Lima. Em nota, a prefeitura informa que são recolhidos somente os animais que ofereçam risco iminente de transmissão de doenças e garante que não utiliza a eutanásia como método de controle populacional, o que incorreria no crime de maus-tratos, segundo a Lei Federal 9.605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. O problema é que a administração municipal não tem previsão para a implementação do serviço de castração gratuita.

Para o tenente Michel Martins Vieira, responsável pelo 4º Pelotão da Polícia Militar (PM), são necessárias mais leis e políticas públicas que protejam a fauna e que são de responsabilidade do estado. "As leis têm que ser mais severas, com multas e penas mais pesadas, para coibir tais crimes", diz o militar. Em casos de flagrante ou com testemunhas, a PM pode ser acionada para conduzir o infrator à delegacia e dar sequência aos procedimentos legais. As penas previstas em lei são multa e detenção de até um ano. O tenente também recomenda utilizar os canais disponíveis para fazer a denúncia, que pode se dar de forma anônima. "Tanto o 190 quanto o 181 estão aptos a atender a essas demandas. A população tem que se unir para combater tantos maus-tratos", comenta Michel Vieira.

Exemplo europeu

A Holanda, na Europa, é um ótimo exemplo de que um plano de governo adequado pode acabar com os maus-tratos contra os animais.
O que falta, na verdade, é o comprometimento público. Sem realizar nenhum tipo de sacrifício ou apreensão dos bichinhos em canis, o país europeu foi o primeiro (e talvez o único do mundo) a não ter cachorros soltos nas ruas. Para realizar esta façanha, adotou medidas drásticas e eficientes: endureceu as leis para quem abandona ou maltrata os animais, com multas pesadíssimas; aumentou a fiscalização; intensificou as campanhas de adoção responsável e castração; além de criar impostos mais elevados para quem comprar animais de raça. Quando existe interesse, existe solução..