Curiosamente, há 500 anos, foi registrada a mais estranha e misteriosa epidemia da história. O fato ocorreu na pequena cidade de Estrasburgo, no leste da França, em 1518, quando um surto de dança atingiu grande parte da população. E não é piada. Tanto que o caso foi documentado por Paracelso (1493-1541), pseudônimo de Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, famoso médico e alquimista suíço.
Paracelso descreveu o fato como a "praga dançarina de Estrasburgo", que surgiu em meados de julho de 1518 quando "uma mulher solitária saiu de sua casa e começou a dançar pelas ruas da cidade". A partir disso, ainda segundo os registros do médico, dezenas de outros cidadãos de Estrasburgo também foram acometidos pelo estranho desejo compulsivo de dançar.
Doença ou maldição?
O episódio misterioso atraiu a atenção dos médicos da época, que, mesmo sem examinar as pessoas afetadas, atribuíram o "fenômeno desconhecido" a um superaquecimento do sangue no cérebro, conforme descreve o livro O Navio dos Tolos, do escritor francês Sebastian Brant (1457-1521), e citado pelo The Guardian.
Como a compulsão pela dança não cessava, as autoridades da prefeitura da cidade francesa ordenaram que os atingidos fossem confinados em um antigo mercado, na esperança de que, com o passar do tempo, e com um espaço livre para se movimentarem à vontade, as pessoas se livrariam do mal que as acometia. Porém, o que ocorreu é que os habitantes continuaram dançando até sucumbirem ao cansaço, ficando inconscientes – alguns morreram de fadiga.
Isso fez com que surgisse a crença de que, na verdade, as pessoas estariam sofrendo com algum tipo de maldição. Segundo consta nos registros de Estrasburgo, os habitantes afetados foram transferidos para um santuário dedicado a São Vito, localizado numa gruta no município vizinho de Saverne. Neste local, muitos chegaram com os pés "ensanguentados" e, de acordo com as crenças da época, foram obrigados a calçar sapatos vermelhos, como forma de penitência por, supostamente, estarem doentes em virtude dos pecados cometidos. Após alguns dias, a epidemia de dança cessou, relata o jornal The Guardian.
Vale lembrar que, durante muitos anos, especialistas especularam sobre a verdadeira causa da epidemia de dança de Estrasburgo e surgiu a teoria de que seria resultado da ingestão de alimentos contaminados com uma espécie de mofo que produz uma substânica química alucinógina semelhante à dietilamida do ácido lisérgico (LSD). Mas isso foi descartado porque seria improvável que fizesse com que as pessoas dançassem sem parar por tanto tempo.
Possessão demoníaca
Como mostra o jornal inglês, o mais provável é que o povo de Estrasburgo tenha sofrido com algo descrito pela Medicina como histeria coletiva. Ou seja, na verdade, não foi nenhum vírus ou bactéria que afetou os moradores, mas sim, o fator psicológico, de origem cultural, que se espalhou pela população.
A antropóloga americana Erika Bourguignon, em entrevista para o The Guardian, lembra que, naquele tempo, foram registrados casos de histeria coletiva na Europa. Muitos deles foram considerados possessão demoníaca, pois era comum atribuir doenças até então desconhecidas ao mundo sobrenatural. De acordo com a especialista, as pessoas acabaram tendo um comportamento anormal e ficaram doentes simplesmente por acreditarem que poderiam estar possuídas por não se enquadrarem nos costumes religiosos da época. Isto, de acordo com Erika, pode explicar o fato de os habitantes de Estrasburgo terem sido tomados pela vontade compulsiva de dançar.
"Naquele tempo, a possessão demoníaca era levada muito a sério.
O jornal lembra ainda que a vida em Estrasburgo no início dos anos 1500, quando ocorreu a epidemia de dança, era marcada por conflitos sociais e religiosos, além de fracassos nas colheitas. Sendo assim, boa parte da população vivia em situação de miséria e convivia com o surgimento de doenças ainda desconhecidas. Tudo isso tornava o ambiente da cidade perfeito para a histeria coletiva, segundo a antropóloga Erika Bourguignonu..