Estado de Minas CIÊNCIA

Brasileiro cria minicérebro de neandertal

Pesquisador usou fragmentos de DNA da extinta espécie humana


postado em 10/08/2018 08:48 / atualizado em 10/08/2018 09:48

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)
O cientista brasileira Alysson R. Muotri, da Universidade da Califórnia (EUA) e cofundador da startup Tismoo, está chamando a atenção no mundo ao ter criado um "minicérebro" contendo material genético de neandertais (Homo sapiens neanderthalensis), espécie humana que foi extinta há 28 mil anos. Segundo o pesquisador, a intenção é compreender como surgiu a capacidade cognitiva de nossa espécie.

Organoides cerebrais, ou minicérebros, são estruturas celulares miniaturizadas criadas a partir de células-tronco que reproduzem, em parte, a estrutura e funcionalidade do cérebro humano em desenvolvimento. Alysson Muotri já havia utilizado esses minicérebros para desvendar a contribuição genética do autismo e outras doenças neurológicas, e para testar novos medicamentos. Junto com colegas brasileiros, o cientista também já havia feito uso desse tipo de estrutura para mostrar a relação causal do vírus da zika e o surto de microcefalia no Brasil em 2015.

Agora, utilizando uma nova versão de minicérebros funcionais, capazes de gerar sofisticadas redes neurais, o grupo liderado por Muotri inova ao recriar, pela primeira vez na história, o cérebro do homem neandertal. "No passado, já havíamos comparado minicérebros de humanos com de outros primatas, como o chimpanzé. No entanto, para entender as origens do cérebro moderno, precisaríamos compará-los com minicérebros dos nossos primos evolutivamente mais próximos, como os neandertais", comenta Alysson Muotri.

Vale lembrar que os humanos modernos (Homo sapiens sapiens) e os neandertais se separaram em duas linhagens há cerca de 400 mil anos. Nossos ancestrais ficaram na África, enquanto que os Homo sapiens neanderthalensis migraram para o norte da Europa. Cerca de 60 mil anos atrás, vestígios arqueológicos sugerem que os nossos antepassados finalmente saíram do continente africano em direção ao solo europeu. Foi nesse momento em que as duas espécies coexistiram. Evidências genéticas recentes mostram que os dois grupos tiveram relações sexuais, mas a natureza desses encontros ainda é um mistério. O fato é que os neandertais acabaram extintos logo após esse contato com nossa espécie e as causas dessa extinção ainda são motivo de muita especulação.

Hoje, tudo que se sabe a respeito dos neandertais vem do estudo de fósseis e sítios arqueológicos. Evidências mostraram que essa espécie humana costumava enterrar os mortos e produzia ferramentas e enfeites rudimentares, sugerindo um certo pensamento abstrato e simbólico. Até evidências artísticas foram atribuídas aos neandertais, mas isso ainda é alvo de muita controvérsia. Do ponto de vista neurológico, se sabe que eles tinham o cérebro um pouco maior do que os humanos modernos, com algumas diferenças estruturais.

Com o material genético desses antigos humanos, também extraído de fosseis, foi possível decodificá-lo no ano de 2010. Ao comparar o genoma dos neandertais com os de humanos modernos, notou-se diversas diferenças. Certas regiões do genoma ainda existem na população de hoje, enquanto outros fragmentos foram eliminados pela seleção natural, possivelmente por causa de alguma desvantagem adaptativa, na saúde, fertilidade, aparência ou cognição.

"Nosso grupo usou ferramentas genômicas para alinhar genomas de Neandertais e descobrir quais genes seriam únicos e não mais presentes nas atuais populações humanas. Depois, selecionamos genes que eram ativos durante o desenvolvimento neural e que estavam relacionados a doenças neurológicas. Usamos essa informação para alterar o genoma de células-tronco humanas e então criar minicérebros neandertalizados", comenta Muotri.

Um ponto curioso da pesquisa liderada pelo cientista brasileiro é que ela esbarra em questões éticas, afinal, os minicérebros usados são capazes de atividade elétrica semelhante à de um bebê recém-nascido. Recentemente, um grupo de pesquisadores e especialistas em ética publicaram um artigo na renomada revista científica Nature pedindo a regulamentação de questões como essa.

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