"O sono transformou-se em moeda de troca na sociedade contemporânea. Deixamos de dormir para fazer muitas outras coisas: trabalho, diversão, participação em redes sociais etc. E a associação da privação do sono com o uso de drogas psicoestimulantes, como anfetamina, cocaína e outras, tornou-se muito frequente, não apenas em 'baladas' e 'raves', mas também por parte de profissionais que precisam trabalhar por turnos, como plantonistas de hospitais, caminhoneiros e outros. Nosso estudo mostrou que a privação de sono exacerba o efeito da droga e contribui para a consolidação do quadro de dependência",comenta a pesquisadora Laís Fernanda Berro, em entrevista à Agência Fapesp.
Segundo ela, estudos já mostraram que são necessários quatro usos para condicionar as cobaias ao vício das anfetaminas. "Nossa pesquisa mostrou que, quando existe privação de sono, bastam duas sessões", diz a cientista.
"Utilizamos um dispositivo composto por dois compartimentos: um com paredes brancas e chão preto; o outro com paredes pretas e chão metálico. Ministramos a droga de abuso, no caso, a anfetamina, em um desses ambientes. No dia seguinte, colocamos o animal, sem administração de droga, no outro ambiente. Com isso, criamos um lugar pareado com os efeitos da droga e um lugar neutro. Depois de algumas sessões, o animal condicionado tende a escolher o ambiente pareado, mesmo que não receba droga alguma", revela Laís Berro.
O objetivo do estudo foi verificar se a privação de sono poderia levar ao condicionamento com um número menor de usos de substâncias psicotrópicas do que as quatro descritas pela literatura médica. E isso, de fato, ocorreu.
Ambiente e droga
A associação entre os efeitos da droga e o ambiente é algo muito prevalente na vida dos dependentes químicos. A tal ponto que o condicionamento pelas pistas ambientais constitui um dos maiores desafios no tratamento. "Mesmo quando dependentes químicos decidem que querem deixar a droga e têm recursos e força de vontade suficientes para passar três meses em uma clínica de reabilitação, limpando o sistema, é muito difícil que, depois de tudo isso, eles possam regressar ao ambiente em que costumavam fazer uso da droga sem experimentar recaídas. Quando as pessoas retornam, as pistas ambientais associadas aos efeitos da droga, que podem englobar desde a audição de uma simples música até o contato com um colega, são suficientes para que elas se lembrem dos efeitos da droga e sintam o impulso de usar de novo", afirma a pesquisadora da Unifesp.
Essa associação entre ambiente e droga é multifatorial. Mas tem uma forte base bioquímica. "Existe uma região bem determinada do cérebro, o núcleo accumbens, na qual a utilização de drogas de abuso provoca um aumento dos níveis de dopamina. Todos os mamíferos possuem essa estrutura cerebral. E o aumento dos níveis de dopamina nessa estrutura está associado à formação de memórias importantes para a sobrevivência", diz Berro.
"Alimentação, relação sexual, experiências de luta ou fuga, tudo isso leva a um aumento da dopamina, criando memórias destinadas a perpetuar a vida do indivíduo e a existência da espécie.
(com Agência Fapesp).