Estado de Minas MEMÓRIA

Capitão do Corpo de Bombeiros de MG lança livro sobre tragédia de Mariana

Na obra, Leonard Farah narra as 15 primeiras horas da operação de resgate iniciada logo após o rompimento da barragem da Samarco


postado em 31/10/2019 15:22 / atualizado em 31/10/2019 16:55

O rompimento da barragem da Samarco, em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG), deixou 19 mortos, centenas de desabrigados e um rastro de destruição na natureza(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
O rompimento da barragem da Samarco, em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG), deixou 19 mortos, centenas de desabrigados e um rastro de destruição na natureza (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Na tarde do dia 5 de novembro de 2015, o subdistrito de Bento Rodrigues, que pertence à cidade histórica de Mariana (MG), foi literalmente engolido por 62 bilhões de litros de rejeitos de mineração provenientes de uma barragem da mineradora Samarco, do grupo Vale, que havia se rompido segundos antes. 19 pessoas morreram por conta desse desastre. Além de destruir vidas e bens, a lama atingiu rios e corrégos, incluindo o Rio Doce, que compõe uma das mais importantes bacias hidrográficas do país. Desse modo, foram, impressionantes, 663 km percorridos pelos rejeitos, que chegaram à cidade de Regência, no estado do Espírito Santo.

(foto: Grupo Autêntica/Divulgação)
(foto: Grupo Autêntica/Divulgação)
Hoje, quase quatro anos depois da tragédia, pessoas ainda estão desabrigadas e a natureza ainda tenta se recuperar. Uma história extensa, difícil de ser compreendida de fato por quem não esteve envolvido nela. Mas é possível ter uma ideia do que se passou naquela fatídica tarde por meio do livro Além da Lama (Editora Vestígio/Grupo Autêntica), que está prestes a ser lançado, e foi escrito pelo capitão Leonard Farah, do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, comandante da operação de busca e salvamento no rompimento da barragem da Samarco.

A obra narra, sob o ponto de vista do autor, as 15 primeiras horas de mobilização dos bombeiros, que, de acordo com o militar, foram imprescindíveis para que a tragédia não fosse ainda maior, pois havia o risco do rompimento de uma segunda barragem próxima da que sucumbiu, e 500 pessoas que estavam ilhadas foram resgatadas. 

Encontro entrevistou o capitão Leonard Farah sobre o relato eternizado por ele nas páginas de Além da Lama, confira abaixo:

ENCONTRO - 1) Como surgiu a ideia de escrever o livro? Como o senhor acha que será a recepção dos leitores, uma vez que todo mundo se sensibilizou com o rompimento da barragem da Samarco?

LEONARD FARAH - O rompimento da barragem em Mariana impactou quem esteve ali envolvido e o mundo todo. Então é natural que essa operação fique marcada na nossa história. As primeiras 15 horas foram de muita tensão e difíceis para muitas pessoas, mas também é um bom exemplo de dedicação, compromisso e fé que envolveu bombeiros, outros militares, voluntários e moradores. Quando eu contei o que aconteceu ao Comandante do batalhão da área ele pediu para colocar num relatório. Ao começar a escrever, percebi que as nossas ações não conseguiam ser resumidas em poucas páginas, e a medida que contava para os amigos, ou em palestras, muitos me incentivavam a escrever essa história com todos os detalhes. Assim surgiu o livro.

Eu acredito que esse livro permitirá que os leitores fiquem ainda mais confiantes no trabalho do Corpo de Bombeiros, além de serem tocados por sentimentos positivos de superação, de altruísmo e da capacidade que qualquer um possui de ajudar alguém, mesmo que não o conheça. Muito mais do que acompanhar os bastidores de uma operação militar num desastre de grandes proporções, é possível "conviver” com um pouco do nosso cotidiano e ver que os bombeiros são homens e mulheres iguais a eles, mas capacitados e dispostos a fazer coisas extraordinárias.

2) Quais foram os fatos ou decisões mais importantes tomadas nas primeiras horas da tragédia? Como isso contribuiu para que o número de vítimas não fosse maior?

O primeiro fato importante era já ter a dimensão do que era um acidente de barragem e, então, tomar a decisão de chegar rapidamente ao local de helicóptero e não via terrestre. O segundo fato foi, após avaliar a primeira cena do impacto, seguir a frente da rota da lama para ver seu destino e, assim, pousar em Paracatu de Baixo. Atualmente eu considero essa uma missão suicida, pois realmente tivemos sorte, e algo mais, para não morrer ao tentar avisar aquelas pessoas que não sabiam o que estava para acontecer ali. O terceiro fato que vejo como uma decisão de enfrentar a morte, foi dispensar os helicópteros com feridos e permanecer em Bento Rodrigues durante a noite, tentando abrir uma rota de fuga para tirar aquelas pessoas o mais rápido possível, pois havia um alerta de rompimento de outra barragem que era muito maior que a que se rompeu. Então, se essa barragem tivesse mesmo rompido, todos nos morreríamos, pois não havia  onde se esconder, nem para onde correr. Acredito que essas decisões contribuíram para que a tragédia não fosse maior. Se não tivéssemos descido em Paracatu de Baixo, provavelmente estaríamos lamentando mais de 200 mortos.

3) Como foi trabalhar sob a pressão de saber que outra barragem poderia se romper em seguida?

Eu não pensava na barragem que estava para romper. Eu pensava nas pessoas e que elas precisavam sair dali rapidamente. Em nosso treinamento eu ensino aos alunos a olhar para a solução e não para o problema. Isso nos ajuda a manter a calma nos momentos críticos e tomar decisões racionais e não emocionais. Se eu ficasse focado na segunda barragem que estava para romper, provavelmente eu tomaria decisões precipitadas e, muito possivelmente, erradas. De onde estávamos, não poderíamos conter a outra barragem, então o foco era naquelas pessoas.

4) O senhor trabalhou em Brumadinho? Como a tragédia de Mariana ampliou o conhecimento dos Bombeiros de MG para atuar nesse outro desastre?

Eu estava de férias e com o pé quebrado, quando fui avisado do rompimento da barragem em Brumadinho. Não tive dúvidas ao tirar o imobilizador, fazer a barba, colocar minha farda e meu coturno e ir para lá imediatamente. Eu fiz especialização sobre gestão de desastres no Japão e já tinha participado de outros grandes acidentes com barragens, um deles em Mariana. Apesar de não serem situações exatamente iguais, há muitas características e modo de agir que se aplicam em ambos os casos. Então, eu tinha experiência para ajudar aquelas pessoas em Brumadinho e era meu dever como bombeiro estar lá para ajudar.

Lançamento do Livro Além da Lama
Onde: Faculdade de Direito da UFMG (Projeto Sempre Um Papo)
Endereço: Av. João Pinheiro 100, Centro, Belo Horizonte
Data: 5/11 (terça-feira)
Horário: 19h30
Entrada gratuita

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação