Na última quarta, dia 17 de outubro, a justiça do estado de São Paulo extinguiu o processo que havia condenado o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015, a pagar uma indenização de R$ 100 mil à família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, que foi assassinado em julho de 1971, durante a época do regime militar que se instalou no Brasil de 1864 a 1985.
Na decisão de primeira instância da ação por danos morais movida pela família de Merlino, o coronel Ustra havia sido condenado à indenização por ter participado e comandado sessões de tortura que mataram o jornalista. No entanto, a defesa o militar recorreu da ação e conseguiu a extinção do processo.
A decisão de quarta (17), dos desembargadores Luiz Fernando Salles Rossi, Mauro Conti Machado e Milton Paulo de Carvalho Filho, foi unânime no entendimento da extinção do processo ao considerar que houve prescrição da ação. Segundo a turma julgadora, se passou um prazo superior aos 20 anos previstos no Código Civil para ajuizamento do processo. A ação que se referia à tortura e assassinato de Merlino foi proposta em 2010 pela esposa e pela irmã.
Ângela Mendes Almeida, viúva do jornalista, em entrevista à Agência Brasil, lamenta a decisão da justiça paulista e diz que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Para mim, a decisão representa uma espécie de licença para torturar, porque a tortura foi completamente desqualificada no tribunal. Eles são juízes conservadores e acham que esses crimes não são importantes", reclama Almeida.
Integrante do Partido Operário Comunista à época, Merlino foi preso em 15 de julho de 1971, em Santos (SP), e levado para a sede do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Lá, ele foi torturado por cerca de 24 horas e morto quatro dias depois. De acordo com a família de Merlino, o coronel Ustra foi quem ordenou as sessões de tortura que o levaram à morte.
Crime imprescritível
Para o procurador Marlon Weichert, de São Paulo, "a decisão do TJ é equivocada, porque ela está em desconformidade com todos os fundamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos e com a jurisprudência do STJ ".
Apesar de a ação de Merlino ser de reparação e não uma ação criminal, Weichert considera que o entendimento da corte deve ser aplicado também neste caso. "Toda a fundamentação, toda a construção do que diz a corte, que classificou os crimes cometidos pela ditadura como crimes contra a humanidade, no nosso entendimento, e isso nós defendemos desde lá de trás em outra ação reparatória que nós fizemos contra o Ustra, se aplica também para as ações civis. Nesse sentido, a decisão do TJ está equivocada", comenta o procurador à Agência Brasil.
"O STJ tem entendido que não há prescrição para essas graves violações de direitos humanos para reparações cíveis . Foram casos movidos contra a União, mas também nós entendemos que se aplica aos responsáveis diretos, que são as pessoas que praticaram a violação", diz Marlon Weichert. Ele lembra do caso da família do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, também durante a ditadura civil-militar, que entrou com ação cível na década de 1990 contra a União e ganhou a reparação pela justiça.
No início de julho deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que o assassinato de Herzog cumpriu os requisitos de crime contra a humanidade, o que extingue as possibilidades de prescrição e de anistia dos torturadores e assassinos, possibilitando a reabertura das investigações sobre sua morte.
Representantes do Ministério Público Federal disseram na ocasião que a forma como se organizou a repressão política no Brasil consistia em um ataque sistemático e generalizado contra a população, o que caracteriza crime contra a humanidade, e que isso foi confirmado com a sentença da Corte Internacional.
Para Beatriz Affonso, diretora do Centro de Justiça e Direito Internacional, a decisão da Corte vale para outros crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil porque as características do caso Herzog se repetem nos demais crimes ocorridos durante o período de repressão.
Ela lembra que, na época da decisão da Corte Interamericana, todas as violações praticadas por militares e civis a mando da ditadura militar, de 1964 a 1985, ocorreram no contexto de crime contra a humanidade, tornando-as imprescritíveis.
(com Agência Brasil).