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Comportamento

Cabras podem reconhecer emoções humanas, diz estudo

Animais tendem a preferir a expressão de felicidade

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- Foto: Pixabay

Um estudo curioso que acaba de ser publicado na revista científica Royal Society Open Science sugere que cabras são capazes de discriminar entre expressões humanas alegres e de raiva, mostrando preferência pelas primeiras. O trabalho foi realizado por um grupo internacional de pesquisadores, e contou com a participação de cientistas da USP.

"Esse estudo traz um resultado fascinante, uma vez que mostra que a habilidade complexa de perceber as emoções humanas por meio de dicas sutis da face não está presente somente em animais domesticados para companhia, como os cães", diz Carine Savalli, colaboradora do Instituto de Psicologia da USP, em entrevista para o Jornal da USP.

Não se sabe ao certo o quanto está difundida no reino animal a habilidade para identificar expressões faciais humanas. O que já era observado é que alguns animais domésticos, como cães e cavalos, são capazes de reconhecer algumas das nossas emoções. Porém, são espécies que foram domesticadas para realizar tarefas que requerem interação com humanos, como caça ou pastoreio – e isso abre a possibilidade de que, no processo de domesticação tenham sido selecionados os indivíduos com maior aptidão para interpretar emoções humanas. Já no caso das cabras e de outros animais de fazenda, a  interação com humanos é menos relevante: a criação é motivada por características físicas, como o tipo de pêlo, a quantidade e qualidade do leite ou o tamanho dos ovos. Ficava então a dúvida: será que mesmo assim esses animais poderiam interpretar expressões humanas?

A ideia do trabalho surgiu há dois anos, quando Natália Albuquerque, doutoranda do Instituto de Psicologia da USP, desenvolvia uma parte de sua pesquisa na Universidade de Lincoln, na Inglaterra. "Em 2016 eu estava na Inglaterra e fui convidada pelo professor Alan McElligott para dar uma palestra sobre o meu trabalho. Tínhamos publicado um artigo que mostrava que cães conseguem reconhecer expressões emocionais humanas, tanto pela face como pela voz, e McElligott, que estava estudando cabras, queria começar a olhar para a questão afetiva nesses animais", comenta a pesquisadora ao Jornal da USP.

Os testes com as cabras foram realizados no Santuário de Buttercups, uma instituição de caridade que acolhe animais maltratados ou abandonados, e que fica a 75 km de Londres, na Inglaterra.
Na pesquisa, cabras e bodes ficaram diantes de duas fotografias, uma do lado da outra, numa a pessoa desconhecida sorria, enquanto na outra, o estranho mantinha uma expressão de raiva.

"A gente queria ver se as cabras mostram uma tendência a se aproximar, a interagir, a olhar mais, para as faces positivas ou para as negativas. Assim poderíamos concluir que elas conseguem discriminar. Se não, elas olhariam e interagiriam com as duas das mesma forma", diz Natália Albuquerque.

Quando os pesquisadores deixaram as cabras explorar as fotografias, os animais mostraram uma preferência pelos rostos felizes, o que sugere que elas são capazes de identificar e discriminar expressões faciais humanas. O que não se sabe ao certo é se elas escolhem os rostos felizes porque os preferem, ou se o que acontece é que elas evitam os rostos zangados.

Para confirmar que o comportamento estava sendo causado por um determinado estímulo e não por outro, os pesquisadores repetiram os testes quatro vezes. "Nos estudos de comportamento e cognição temos que controlar tudo. Por isso demoram tanto para serem feitos. Outras áreas publicam bem mais rápido, exatamente porque não têm que lidar com esse tipo de viés", afirma Natália.

Outro aspeto que foi controlado foi o lado do qual cada cabra foi segurada antes de explorar as imagens. E foram utilizadas fotografias tanto de homem como de mulher. Isso permitiu aos pesquisadores fazer uma observação interessante: as cabras interagiram mais com as expressões felizes quando estas foram colocadas no seu lado direito.

A razão desse comportamento não está clara, mas os pesquisadores especulam que poderia ser devido à forma como o cérebro de alguns animais processa os diferentes tipos de estímulos. De acordo com uma ideia com a que se trabalha na área da etologia (estudo do comportamento animal), o hemisfério direito do cérebro seria responsável por processar majoritariamente emoções negativas, enquanto o hemisfério esquerdo processaria emoções positivas. Essa seria a razão pela qual os cães, quando são apresentados com estímulos negativos, tendem a fugir para o lado esquerdo – o lado oposto que processa o estímulo. O fato de que as cabras sejam mais receptivas a imagens de rostos felizes quando elas são mostradas no lado direito sugeriria então que as emoções estão sendo processadas pelo hemisfério esquerdo, o que sustentaria a hipótese.

(com Jornal da USP).