Revista Encontro

Evolução

Neandertais nos deram genes resistentes à Aids

Estudo mostra como fomos influenciados por nossos ancestrais

Correio Braziliense
Um estudo americano descobriu que os homens neandertais nos transmitiram genes capazes de combater o vírus da Aids - Foto: Wikimedia/Hermann Schaaffhausen/Reprodução

Os neandertais desapareceram da Terra há cerca de 40 mil anos. Não por completo. Como eles se relacionaram com outra espécie humana, o Homo sapiens, hoje, nós, modernos, carregamos cerca de 2% do DNA desse antepassados ancestrais. Ao investigar os genes herdados, pesquisadores dos Estados Unidos descobriram que eles estão relacionados à defesa do corpo contra doenças causadas por vírus que têm o RNA como material genético, como o da hepatite C e o HIV (da Aids). As descobertas foram publicadas na edição mais recente da revista científica Cell.

Pesquisadores analisaram um compilado de mais de 4,5 mil genes de humanos modernos, que interagem com micro-organismos que invadem o corpo humano, e compararam as informações genéticas com as de um banco de dados de DNA de neandertais. Foram identificados 152 fragmentos de genes modernos que também eram comuns nos nossos ancestrais.

Análises mostram também que, no Homo sapiens, os 152 genes herdados interagem com o HIV, o vírus da influenza A e o da hepatite C – todas enfermidades de vírus de RNA. "Os genes neandertais provavelmente nos deram alguma proteção contra vírus com que eles tiveram contato quando deixaram a África", comenta o biólogo evolucionista Dmitri Petrov, da Faculdade de Ciências de Stanford, nos Estados Unidos, um dos autores do estudo, em comunicado enviado à imprensa.

Os investigadores explicam que, antes do primeiro contato entre as duas espécies, os neandertais viveram fora da África por centenas de milhares de anos, tempo suficiente para que o sistema imunológico desenvolvesse defesas contra vírus infecciosos. "Faz muito sentido para os seres humanos modernos apenas 'pegar emprestado' as defesas genéticas já adaptadas de neandertais em vez de esperar pelas próprias mutações adaptativas e  desenvolvê-las, o que teria levado muito mais tempo", destaca o pesquisador David Enard, da Universidade do Arizona (EUA), co-autor do estudo, no mesmo comunicado.
"Sabemos que herdamos doenças dos nossos antepassados, isso podemos dizer com respaldo. Agora, vemos que também recebemos defesas", completa.

Fenômeno comum

Para o professor Fabrício Rodrigues dos Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a pesquisa mostra um fenômeno comum na história evolutiva, quando genes de uma espécie são passados para outra. "Temos o caso do cavalo também, que tem genes que podem ter vindo do asno", diz em entrevista ao jornal Correio Braziliense. O especialista chama atenção para o fato de que a defesa tratada na pesquisa não deve ser confundida com o sistema imune. "Nesse caso, são proteínas que interagem menos com esses vírus, o que também é uma forma de defesa, mas distinta", esclarece o professor.

Além de oferecer uma nova perspectiva sobre a relação entre os neandertais e os seres humanos modernos, o trabalho americano demonstra que é possível analisar o genoma de espécies e encontrar evidências de doenças antigas. "É semelhante à paleontologia. Você pode encontrar indícios de dinossauros de maneiras diferentes. Às vezes, descobrirá ossos reais. Às vezes, apenas pegadas na lama fossilizada. Nosso método é indiretamente semelhante. Como sabemos quais genes interagem com quais vírus, podemos inferir os tipos de vírus responsáveis por surtos de doenças antigas", explica David Enard.

O professor da UFMG acredita que a pesquisa americana pode ser utilizar para a análise de outra espécie. "Temos os denisovanos, que viveram na Rússia e também podem ter carregado genes semelhantes", diz Fabrício Rodrigues dos Santos. Os cientistas acreditam que os denisovanos habitaram a região da Eurásia com os neandertais e que houve cruzamento entre esses hominídeos durante gerações seguidas..