Um estudo da USP feito com gestantes infectadas com malária do Vale do Alto Juruá, no Acre, indica que elas possuem maior risco de terem partos prematuros e filhos com microcefalia – reversível, porém, conforme ocorre o crescimento da criança. A constatação foi feita por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas em levantamento feito entre os anos de 2006 e 2014. O trabalho foi publicado no periódico científico PLoS One em junho deste ano.
Os pesquisadores alertam que, na fase gestacional, as complicações parasitárias se tornam mais graves devido à situação de vulnerabilidade da mulher e ao fato de a doença vir associada à anemia. Além do perímetro cefálico (circunferência da cabeça) reduzido, que foi um dos achados mais importante do estudo, outras análises já haviam comprovado problemas relacionados à saúde do recém-nascido e da mãe, especialmente se infectada por malária nos últimos meses de gravidez. A doença está diretamente relacionada à anemia materna, risco de aborto, restrição no crescimento intrauterino, parto prematuro e baixo peso no nascimento, alerta Claudio Romero Farias Marinho, coordenador e orientador do estudo, em entrevista ao Jornal da USP.
Segundo o pesquisador, até o momento, a microcefalia estava associada a outras infecções durante a gestação, como o vírus da zika. Porém, foi observado que o parasita da malária também pode causar essa anomalia no feto. Diferentemente do que é observado nos casos de zika, é sabido que para várias outras doenças, depois de alguns meses, as crianças que nascem com o perímetro cefálico reduzido podem ter o quadro revertido e ter o tamanho do crânio normalizado.
A pesquisa da USP foi baseada em dois estudos: um prospectivo, em que 600 gestantes foram acompanhadas durante o período gestacional; e outro retrospectivo, no qual foi feito o cruzamento de dados sociais e clínicos de mães e de recém-nascidos, extraídos do Sistema de Informações de Nascidos Vivos, e episódios de malária, obtidos no Sistema Nacional de Informação de Vigilância Epidemiológica da Malária, do Ministério da Saúde.
A doença é causada por parasitas do gênero Plasmodium, que é transmitido pelas fêmeas do mosquito Anopheles. No Brasil, o patógeno mais comum é o Plasmodium vivax, menos perigoso do que o Plasmodium falciparum, que é mais predominante na África. A estimativa é que 125 milhões de mulheres correm risco de contrair malária durante a gravidez. Na população estudada pelos cientistas da USP, houve uma incidência de 8,9% (1.283 mulheres grávidas infectadas), das quais 63,9% foram infectadas pelo P. vivax. A redução do peso ao nascer do recém-nascido foi encontrada associada à infecção por P. vivax durante a gravidez e os partos prematuros estiveram relacionados ao P. falciparum.
Segundo Jamille Gregório Dombrowski, responsável pelo estudo, também ao Jornal da USP, "os efeitos da malária são devastadores". O baixo peso ao nascer, por exemplo, reflete em retardo de crescimento dentro do útero e parto prematuro, que são importantes fatores para doenças infantis. O peso baixo ao nascer tem sido associado à mortalidade infantil, ao desenvolvimento cognitivo deficiente e ocorrência de doenças não transmissíveis mais tarde na vida. O baixo peso ao nascer devido à malária está relacionado com até 100 mil mortes infantis por ano nos países endêmicos, como o Brasil.
Por ser uma doença de notificação compulsória, o cruzamento dos dois bancos de dados de registros de vigilância pública de saúde "é uma estratégia eficaz para planejar medidas preventivas como a identificação de epidemias em áreas mais afetadas, reduzindo, assim, desfechos negativos das crianças ao nascer", reforça a pesquisadora.
(com Jornal da USP)