Estado de Minas SAÚDE

Outro barbeiro pode transmitir a doença de Chagas

Cientistas encontraram o Trypanosoma cruzi dentro de uma nova espécie


postado em 03/01/2019 14:30 / atualizado em 03/01/2019 14:37

(foto: Adriana Benatti Bilheiro/Jornal da USP/Reprodução)
(foto: Adriana Benatti Bilheiro/Jornal da USP/Reprodução)

Normalmente, a doença de Chagas é transmitida pelo barbeiro da espécie Panstrongylus geniculatus, também chamado de chupão, bicudo e percevejão. Porém, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) identificaram, pela primeira vez, o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença, em barbeiros Rhodnius montenegrensis, que foram coletados na cidade de Monte Negro, em Rondônia.

O resultado do estudo foi publicado no ano passado na revista científica Vector-Borne and Zoonotic Diseases.

"Essa descoberta é bem importante porque é uma espécie nova onde encontramos o T. cruzi e ela apresenta potencial para transmissão. Só acreditamos que ainda não está havendo porque o ambiente da casa amazônica é inóspito para o barbeiro", comenta o professor Luís Marcelo Aranha Camargo, orientador da pesquisa, em entrevista ao Jornal da USP.

Segundo ele, o perfil de infecção do protozoário mudou ao longo dos anos. Antes, os estados do nordeste, além de São Paulo e Minas Gerais, concentravam grande parte dos casos de Chagas no Brasil, com transmissão da doença por meio da urina e das fezes do barbeiro, que abriga os parasitas e que, por sua vez, penetram pela pele no local da picada. As casas de pau a pique (barro), muito comum nesses locais, eram o hábitat perfeito para o inseto: temperatura adequada e espaços nas paredes onde podiam se esconder e se reproduzir, saindo à noite para se alimentar de sangue humano.

"Nos últimos 10 anos, a ocorrência da doença de Chagas desviou do eixo sudeste-nordeste para a região norte, onde temos entre 30% a 40% dos casos, totalizando mil novas notificações somente nessa região na última década", diz o professor.

Curiosamente, em Monte Negro, a maioria das casas é de tábua com cobertura de telhas de amianto, o que deixa o local muito quente e sem "esconderijos" para o barbeiro.

Alimentos

Atualmente a transmissão da doença se dá mais pela contaminação de alimentos. O barbeiro é atraído pela luz da casa e pode cair dentro do mantimento e ser triturado ou esmagado. Nesse tipo de contaminação, a doença se manifesta de uma forma mais severa, já que o parasita afeta diretamente o sistema imunológico. "No estado do Pará, devido ao hábito de consumo de açaí in natura, em que a polpa e as sementes precisam ser trituradas, a contaminação via oral é muito comum", afirma Luís Camargo.

Em Monte Negro, os barbeiros foram encontrados vivendo dentro de palmeiras, principalmente babaçu e bacuri, onde encontram abrigo, e se alimentam de sangue de ratos, aves, gambás e outros marsupiais. Futuramente, eles podem migrar para perto das residências e começar a se alimentar de cachorros, porcos e galinhas. No caso do babaçu, o desmatamento e as queimadas favorecem a proliferação do inseto.

O pesquisador revela que foram encontrados, em média, cerca de cinco barbeiros por palmeira. Quanto mais perto das casas, maior era a quantidade de Rhodnius montenegrensis. "Independentemente de se domiciliar ou não, ele ainda representa um risco de transmissão de T. cruzi pela via oral, pois pode contaminar os alimentos que estão sendo preparados", alerta.

A doença

Vale lembrar que a doença de Chagas possui duas fases. A aguda ocorre entre uma semana e 15 dias após a infecção e pode ser confundida com outros problemas, como malária, dengue e gripe. O local onde o parasita depositou as fezes e a urina fica inchado e avermelhado. Nessa etapa, as vítimas podem morrer por meningoencefalite (um tipo de meningite) e miocardite – inflamação aguda do coração que pode causar parada cardíaca e arritmia cardíaca.

Depois da primeira fase, a doença entra em sua forma silenciosa. O parasita se reproduz nas células musculares cardíacas e do tubo digestivo. Ele se multiplica e forma outras "ninhadas" de tripanossomatídeos.

De modo geral, 30% dos infectados não apresentam sintomas e acabam morrendo com Chagas sem manifestação clínica da doença.

Outros 30%, aproximadamente, apresentam manifestações gastrointestinais. As mais clássicas são dificuldade de engolir, deglutir alimentos e eliminar fezes. Ao se desenvolver em células nervosas do tubo digestivo, o parasita as destrói, o que leva à perda da motilidade desse sistema. O esôfago pode perder o movimento que empurra o alimento e muitos pacientes morrem de desnutrição. Outros sofrem com a paralisação do tubo digestivo na parte terminal e não conseguem eliminar as fezes, ficando semanas sem evacuar. Neste caso, pode ser necessária uma intervenção cirúrgica.

(com Jornal da USP)

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação