Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter considerado ilegal o ensino domiciliar (homescholling) no Brasil, o tema faz parte dos projetos do presidente Jair Bolsonaro. Ele é uma das metas prioritárias para os 100 primeiros dias do governo, abraçada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que, inclusive, já redigiu uma primeira versão de medida provisória para regulamentar o ensino domiciliar no Brasil.
Se aprovada, a medida deve tirar da ilegalidade cerca de 7,5 mil famílias que, segundo dados de 2018 da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), educavam os filhos em casa.
A pesquisadora em educação Luciene Tognetta, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em evento realizado no Colégio Positivo, de Curitiba (PR), esclarece algumas questões que envolvem a adoção do homeschooling no Brasil:
O ensino domiciliar pode afetar a formação do senso crítico em crianças e adolescentes
Verdade. "Uma criança precisa de conflitos, que aparecem no contato com pensamentos divergentes. Na relação entre pais e filhos, dificilmente uma criança diverge de seus pais, pois ela os enxerga como autoridade absoluta, o que fará com que dificilmente haja a contraposição de ideias. Para que um pensamento científico se desenvolva, é necessário lidar com outros pontos de vista e uma criança que não tenha a possibilidade de resolver conflitos com seus pares, de reconhecer situações diferentes daquilo que ela acredita ser verdade, terá um prejuízo no desenvolvimento do pensamento científico", comenta a especialista.
Estudar em casa afeta o convívio social
Verdade. "Sem o convívio escolar, as crianças podem até ter outros contatos, mas é mais difícil de acontecer, pois estamos falando de uma geração de famílias que não são mais estendidas, que não possui, cotidianamente, contato com vizinhos, primos, com outras crianças, como havia nas gerações passadas", diz a pesquisadora.
Pais não são capazes de passar todo o conteúdo educacional para os filhos
Mito. Ainda que haja alguma dificuldade, a educadora acredita que sim, os pais, independente da formação, com algum esforço, podem dar conta de ministrar as aulas aos filhos. Isso porque, atualmente, é possível encontrar as matérias disponíveis em diversos meios. Por outro lado, ter acesso ao conteúdo é diferente de método de ensino, o que pode, sim, fazer com que a criança seja prejudicada. "Um médico, por exemplo, pode ser um ótimo médico, mas nem sempre é um bom professor de Medicina. Não é à toa que temos diversas pesquisas na área de Educação que discutem métodos e didáticas. É muito difícil para os pais, de diversas formações, darem conta do conteúdo e da metodologia, e decidir qual é a melhor forma da criança aprender", afirma a especialista.
O homeschooling pode reduzir o bullying
Mito. De acordo com Luciene Tognetta, deixar a criança estudar em casa para fugir das consequências do bullying é ineficaz, já que os pais precisam fortalecer os filhos. "Uma das características do bullying é ter uma vítima frágil, então, na verdade, quando se precisa agir sobre o bullying, é muito mais eficaz agir sobre o autor, espectadores e vítima. Se não fortalecer o filho que é vítima de bullying, muito provavelmente ele será vítima de bullying em outras situações", explica.
Ensinar em casa evita a falta de estrutura de muitas escolas públicas
Mito. "Há muitas escolas públicas que não tem professores. Porém, usar esse argumento para dizer que o ensino domiciliar é melhor é refutar e não entender a necessidade de coletividade, a necessidade de lutar para ter uma escola de melhor qualidade. É um pensamento muito individualista", critica a professora da Unesp.
"Se deu certo nos Estados Unidos, dará certo no Brasil"
Mito. São realidades bem diferentes, visto que o Brasil ainda não conta com uma regulação desse tipo de ensino, nem meios para garantir que ele seja de qualidade, ou mesmo de que a criança está realmente estudando e não trabalhando, por exemplo. "Nos EUA há supervisão, regulação. A lei que garante o direito da família de educar em casa também prevê um acompanhamento rigoroso para garantir o direito da criança em receber uma boa educação. Nesse sentido, há também uma preparação melhor dos pais, que sabem que há uma regulação", comenta Luciene Tognetta.
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