Esta entrevista com o psicólogo e terapeuta de famílias e casais Alexandre Coimbra Amaral foi feita em fevereiro, mas está atual como nunca. O tema "pais perfeitos" e a culpa que acompanha os adultos quando erram com os pequenos são questões evidentes durante o isolamento social - talvez até mais do que antes. A ansiedade que acompanha a pandemia, a dificuldade de conciliar home office com o cuidado com os filhos, tudo isso são situações novas e que trazem desafios para a parentalidade. Inevitavelmente, uma parentalidade com muitos erros.
Mas quem disse que os filhos precisam ter pais perfeitos? Segundo Alexandre Coimbra Amaral, importante mesmo é o contrário: "nossos filhos merecem pais humanamente falhos". Esse foi o tema de palestra que deu em fevereiro passado para pais de alunos do Colégio Santo Antônio, onde ele mesmo estudou. Em entrevista a Encontro, Alexandre explicou que enxergar falhas nos pais e vê-los assumindo erros é parte importante do desenvolvimento dos filhos, que conseguirão ser tolerantes com suas próprias imperfeições e não passarão a vida buscando uma perfeição inexistente. "Na hora que o filho entende que falhar faz parte da constituição humana, ele se sente capaz de adultecer." Para os pais também é positivo parar de correr atrás do impossível e assumir que são, também aprendizes.
1) O que significa "nossos filhos merecem pais humanamente falhos"?
A gente não precisa ser uma prescrição de perfeição para filhos darem certo. Eles toleram nossas falhas. Sobretudo na fase da transição para a adolescência, que é quando se dão conta de que não somos tão perfeitos (quando, aliás, eles precisam tirar a gente desse "trono"), se eles nos enxergam falhos, se sentem capazes de construir uma história pessoal também. Isso porque a criança recebe o tempo inteiro um monte de falas do quanto ela é equivocada, inadequada, "isso não pode", "não é assim". Por mais que a gente seja educador com uma pegada não violenta, ainda assim os pais sempre dizem que existe outra forma melhor para os filhos agirem, que não devem fazer desta forma, etc. Fica um registro de que a criança é demasiadamente imperfeita. Quando a gente assume a falha, mostra que todos nessa vida tentamos fazer o melhor, mas a falha é inerente à experiência. Na hora que o filho entende que isso faz parte da constituição humana, ele se sente capaz de adultecer. Essa é uma perspectiva importante para o desenvolvimento humano.
2) De que forma a educação mais tradicional, autoritária, dificulta esse posicionamento de pais que também podem falhar?
A educação mais autoritária não permite isso, porque esses pais, quando pedem desculpas, a fala costuma ser "eu errei, mas você também errou". O que os pais, quando erram, devem fazer é assumir a sua responsabilidade, sem jogar para o outro. Não é a mesma coisa adulto e criança pedirem desculpas. Ver uma pessoa hierarquicamente superior pedir desculpas pelo erro tem uma qualidade diferente, um peso diferente.
3) Por que existe essa dificuldade de assumir o erro?
A função paterna (bom, mais a materna do que a paterna) é muito vigiada. O mundo te vigia ser mãe e, quando você erra, é raro receber apoio. O que se recebe é julgamento. É raro se ver o apoio a uma mãe quando ela está impossibilitada de dar o melhor para o filho. Eu até comentei lá na palestra: se você está em uma praça e vê uma mãe nervosa, brigando com o filho de forma desmedida, ninguém vai lá dar apoio. As pessoas ficam fofocando, criticando, olhando apenas. A mãe ter que lidar com a sensação de fracasso e mais o olhar de julgamento é muito pesado. A função materna é a função mais julgada da sociedade. É ao mesmo tempo a mais idealizada e a mais julgada. Essa expressão, que é muito comum a gente ouvir, "quem pariu Mateus que o embale", ela prescreve a solidão materna.
4) Pais sentem culpa paterna no mesmo nível que mães sentem a "culpa materna"?
De forma geral, não. O cara que troca uma fralda e posta no Instagram já ganha um monte de likes, está tudo certo. Ainda é muito desigual a percepção social para homem e para mulher na sociedade. Justamente pelo nível de julgamento que a mulher vive, ela tem mais culpa. Do ponto de vista social, o homem é muito mais liberado disso. Ele costuma sentir culpa quando as funções tradicionalmente masculinas estão em baixa - por exemplo, se está desempregado. Agora, em questões de cuidado, isso ainda é visto, infelizmente, como uma pauta feminina.
5) O que a ideia da perfeição materna e paterna pode gerar no filho?
Pode construir um filho infantilizado, um adulto infantilizado. Uma pessoa que vai viver conectada à ideia de perfeição, de querer ser perfeito como a mãe, como o pai. Com isso, pode deixar de colocar a própria vida para andar. Enquanto o projeto não estiver perfeito, a ideia não for perfeita, não é colocada no mundo. E a verdade é que a gente não está pronto para os projetos mesmo quando começamos. A gente vai aprendendo no processo. Temos que ser tolerantes com a nossa imperfeição.
6) Qual a importância, para os próprios pais, de conseguirem demonstrar que são imperfeitos?
A grande dificuldade dos pais é assumir que somos aprendizes, que não temos a resposta pronta. E sobretudo em uma sociedade em transformação, como a nossa, isso é essencial. Só para dar um exemplo de uma das várias esferas da paternidade em que isso tem sido uma questão: nós somos os primeiros mães e pais de adolescentes nativos digitais, então, naturalmente, não sabemos como lidar com isso ainda. Não temos receita, certezas. Não sabemos exatamente como vai ser o desenvolvimento deles.
7) Demonstrar imperfeição pode afetar a autoridade dos pais?
A condição de aprendiz é uma necessidade de se assumir, e isso não retira a autoridade dos pais. A autoridade não vem de estar sempre certo, vem de pais construírem parâmetros a partir da vivência. Tudo bem dizer "olha, filho, até essa semana estávamos fazendo assim, mas não está dando certo, então vamos tentar mudar."
8) Quais as principais dificuldades de pais de crianças atualmente?
A tecnologia está entre as principais demandas. Isso traz como consequência outra dificuldade: antigamente mães e pais brigavam para a gente voltar da rua para casa, hoje brigam para as crianças saírem de casa para brincar. Ou seja, uma das questões é como levar a criança para a natureza, para se movimentar... Outra questão é o que significa um bom desenvolvimento infantil, se é preciso colocar a criança em várias aulas, como estimular. E como construir esse desenvolvimento, porque as informações disponíveis são muitas e são variadas. Isso obriga as famílias a definir o que é melhor para elas.
9) Qual a sua opinião sobre cursos para pais?
Acho útil, considerando uma mudança cultural que aconteceu. Com o tipo de vida que temos levado atualmente, estamos chegando à maternidade e paternidade sem experiência de contato com bebê e com criança. Antigamente, as pessoas tinham esse contato com irmãos, primos, filhos de conhecidos. Hoje, muitas vezes, o primeiro bebê que a mãe ou o pai carrega é seu filho, o que dá uma insegurança muito maior. Essas iniciativas são legais, porque podem construir conceitos que ajudem nesse processo. Mas devem ser consumidos com cuidado para não se tornarem "dez mandamentos". Os pais não podem perder sua forma própria de fazer. Vejo muitos pais agoniados porque não cumpriram um "checklist". Se o curso for gerar culpa, não está bom.
10) Como a escola pode ser parceira nessa construção da ideia de que todos podem falhar?
Isso depende da orientação e das escolhas pedagógicas da escola. Essa ideia transforma todo mundo em aprendiz: a criança, os pais e também os educadores. A escola também ainda está aprendendo a lidar com o tema do celular, por exemplo. Se proíbe, se deixa usar no recreio, se pode acessar jogo ou só Whatsapp, etc. Não existe uma única resposta que possa ser imposta. Única saúde é sentar para conversar, não existe única resposta que pode ser imposta. Mas cada escola lida de uma forma. Algumas decidem as coisas internamente e divulgam para os pais, outras chamam os pais para uma assembleia, etc.