No DF, o destaque foi para a cobertura da 2a dose da tríplice viral: aumento de 15,8% em relação a 2022 - Foto: Em 2021, o Brasil registrou a menor cobertura vacinal em duas décadas, marcando uma média de 52,1%, conforme o Observatório da Atenção Primária à Saúde da Umane. No último ano, no entanto, o país conseguiu reverter essa tendência de queda: de janeiro a outubro, o Ministério da Saúde apontou aumento nas coberturas vacinais de diversos imunizantes do calendário infantil. O crescimento ainda é tímido, mas só o fato da queda ter sido revertida já é uma boa notícia.
De janeiro a outubro de 2023, a cobertura vacinal da 2ª dose contra tríplice viral foi de 61,5% para 77,3%, representando um aumento de 15,8 pontos percentuais. Além disso, as aplicações da vacina DTP cresceram para 83,2%, com um aumento de 13,1 pontos percentuais em relação a 2022. Destacam-se também os aumentos na cobertura da vacina contra hepatite A, com um aumento de 11,4 pontos percentuais, e da vacina contra febre amarela, recomendada aos 9 meses de vida, que passou de 71,9% no ano passado para 82,9% neste ano, o que representa um acréscimo de 11 pontos percentuais. Tem destaque ainda o crescimento de 30% no número de doses aplicadas da vacina contra o papilomavírus humano (HPV), que desde 2014 estava em queda.
Werciley Júnior, infectologista e coordenador de Infectologia do Hospital Santa Lúcia: "O nível de instrução facilita a compreensão de que a vacina, quando chega para a sociedade, já passou por pelo menos cinco anos de testes" - Foto: Grupo Santa/DivulgaçãoA melhora nos indicadores é atribuída a estratégias como o microplanejamento e a vacinação nas escolas, estratégia já adotada por 3.992 cidades brasileiras. Contando com essa e outras ações, a Secretaria de Saúde aplicou 76.065 doses de vacinas, sendo 37.235 contra a gripe, 26.332 contra a Covid-19 e 12.498 do calendário regular de imunização. O Monitoramento Rápido de Vacinação (MRV) permitiu a administração de 2,5 mil doses em crianças e adultos, evidenciando estratégias eficazes de imunização em áreas de grande concentração populacional.
Embora os dados sugiram uma reversão na tendência de queda nas coberturas vacinais no Brasil, vista desde 2016, o pediatra Alexandre Nikolay é cauteloso na interpretação, já que os números são preliminares.
"No entanto, acho interessante observar que a queda na cobertura vacinal coincidiu com a retirada do pediatra das unidades básicas de saúde por volta de 2016", comenta. "Até 2015, todos os centros de saúde do DF dispunham de pelo menos um pediatra que fazia a consulta de puericultura e os demais atendimentos" Segundo ele, a partir de 2016, os pediatras foram transferidos compulsoriamente para os hospitais. Desde então, as crianças deixaram de ser atendidas por especialistas em pediatria. "Essa mudança, de alguma forma, coincidiu com a queda da cobertura vacinal", observa o médico, indicando que a nova diretriz foi adotada também em outros estados brasileiros.
Para Felipe Teixeira, infectologista da Maternidade Brasília, da rede Dasa no Distrito Federal, ainda há dúvidas sobre vacinas entre alguns brasileiros: "Temos observado que essa fase está passando e começamos a retornar a níveis anteriores, amparados por um movimento institucional de campanhas de vacinação que tem sido retomado pelo Ministério da Saúde." - Foto: Arquivo pessoalFelipe Teixeira, infectologista da Maternidade Brasília, da rede Dasa no Distrito Federal, destaca que, apesar da evolução constatada pelo Ministério da Saúde, ainda há dúvidas sobre vacinas entre alguns brasileiros. Na avaliação do especialista, as fake news e o alcance das redes sociais, potencializados pela pandemia e a polarização política, contribuem para a hesitação, gerando desconfiança na ciência e na vacinação. "Temos observado que essa fase está passando e começamos a retornar a níveis anteriores, amparados por um movimento institucional de campanhas de vacinação que tem sido retomado pelo Ministério da Saúde."
Impressões semelhantes foram encontradas por pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar sobre Emergências em Saúde Pública (Niesp), ligado à Fiocruz. Em estudo publicado na edição de março dos Cadernos de Saúde Pública, a equipe liderada por Ester Paiva Souto descobriu que, no contexto da Covid-19, a hesitação vacinal estava relacionada à "descoordenação entre os entes federativos durante a pandemia, a desinformação e as ações do Governo Federal, que descredibilizaram os imunizantes infantis", escrevem os autores. Além disso, a pesquisa com 86 profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) do Rio de Janeiro, Rondonópolis (MT), Feira de Santana (BA), São Paulo e Distrito Federal constatou que o cenário político e social, as opiniões divergentes sobre a importância da vacinação infantil e a grande circulação de informações falsas foram associados à palavra medo nas respostas dos participantes. "Isso nos fez pensar sobre os afetos movidos na campanha de vacinação. O medo, em geral, veio associado à desinformação sobre possíveis efeitos adversos da vacina, ou inexistentes, ou raros", disse a pesquisadora Ester ao blog do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.
Médica infectologista e consultora do serviço de vacinas do Sabin Diagnóstico e Saúde, Ana Rosa dos Santos destaca a importância de conscientizar os pais: "A vacinação contribuiu com a queda da mortalidade infantil e diminui o risco de morte por doenças preveníveis, como também custos de saúde de hospitalizações associados ao tratamento de doenças evitáveis" - Foto: Sabin/DivulgaçãoA relevância dos profissionais de saúde para reverter a baixa adesão da população à vacinação é observada pelo infectologista Felipe Teixeira. "Cabe a nós compreendermos o contexto cultural de cada indivíduo ou comunidade e saber expor claramente os benefícios da vacina, baseado em evidências científicas, em uma linguagem que o indivíduo seja capaz de tomar a melhor decisão no que diz respeito a se vacinar", afirma. O estudo da Fiocruz avança nesse sentido, ressaltando a importância da confiabilidade dos profissionais de saúde entre a população e sua proximidade com os territórios.
Segundo os autores da pesquisa, esses são fatores cruciais na luta contra o medo e a desinformação sobre as vacinas, especialmente quando os profissionais se dedicam a esclarecer dúvidas sobre as possíveis reações adversas, uma preocupação frequente entre os entrevistados. Werciley Júnior, infectologista e coordenador de Infectologia do Hospital Santa Lúcia, observa ainda, na prática clínica, que a aceitação das vacinas é maior justamente entre aqueles que têm mais acesso à educação e informação.
"O nível de instrução facilita a compreensão de que a vacina, quando chega para a sociedade, já passou por pelo menos cinco anos de testes. A exceção foi a da Covid, emergencial. Mas as pessoas ainda têm muitos mitos. Muito da recusa vem do desconhecimento sobre as vacinas, que evoluíram muito nos últimos anos."
O pediatra Alexandre Nikolay: "Acho interessante observar que a queda na cobertura vacinal coincidiu com a retirada do pediatra das unidades básicas de saúde por volta de 2016" - Foto: Arquivo pessoalPara o infectologista Felipe Teixeira, a experiência com a Covid-19 mostrou que, apesar de muita desinformação, a vacina se mostrou benéfica e segura. "Hoje há mais interesse do público em buscar fontes confiáveis de informação e se vacinar, como vemos com a dengue. A sociedade tem demonstrado que não quer se arriscar e passar o que passamos na pandemia." Ele considera que o medo ou desconfiança poderia ter afetado a receptividade da população à vacina contra a dengue, reação que não observou na prática clínica. Ao contrário, Teixeira conta que a procura pelo imunizante está grande, mesmo em crianças. "Os pacientes estão perguntando bastante, e têm buscado a melhor informação, o que é muito positivo. Com a população procurando se vacinar, principalmente os adultos e as crianças, o que sempre foi uma tradição no Brasil, aos poucos estamos recuperando a confiança".
Médica infectologista e consultora do serviço de vacinas do Sabin Diagnóstico e Saúde, Ana Rosa dos Santos destaca a importância de conscientizar os pais sobre a segurança e eficácia da vacinação para todas as idades, especialmente bebês e crianças. Ela enfatiza que a imunização não apenas protege individualmente, mas também previne a transmissão e disseminação de doenças em comunidades, promovendo a imunidade coletiva e reduzindo o risco de surtos e epidemias.
"A vacinação contribuiu com a queda da mortalidade infantil e diminui o risco de morte por doenças preveníveis, como também custos de saúde de hospitalizações associados ao tratamento de doenças evitáveis", diz. "Além disso, protege grupos vulneráveis, como idosos, portadores de doenças crônicas, pessoas imunocomprometidas e transplantados."
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