Estado de Minas MÚSICA

Conheça a primeira mulher a assumir a regência da Sinfônica de Minas Gerais

Engenheira de formação, Ligia Amadio largou as contas para viver das notas musicais


postado em 09/03/2023 00:11 / atualizado em 09/03/2023 16:26

(foto: Isabela Senatore/Divulgação)
(foto: Isabela Senatore/Divulgação)
Uma das mais renomadas regentes brasileiras da atualidade acredita que o interesse veio do berço. A mãe de Ligia Amadio amava cantar e embalava a menina com canções. Ainda criança sempre ficava muito impressionada com o poder da voz. Aos cinco anos de idade pediu para começar a estudar piano, tarefa que realizou até os 17. Apesar disso, nunca tinha pensado em ser uma profissional da música.

Pelo contrário, Ligia decidiu cursar uma graduação bem menos musical: engenharia de produção. Não demorou muito tempo para que voltasse a atenção para a música. Dentro da Universidade, conheceu o coral da instituição e decidiu que integraria o grupo. A atração pela área foi inevitável. “Eu descobri a minha vocação lá”, relembra a regente.

(foto: Isabela Senatore/Divulgação)
(foto: Isabela Senatore/Divulgação)
Ligia se viu diante de uma difícil escolha: seguir a paixão pela música ou trabalhar como engenheira. De uma forma ou de outra, decidiu se formar no curso que já fazia. Depois de terminar a primeira graduação, optou por seguir a paixão da infância. Foi na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que Ligia viveu o sonho de estudar regência.

O grande desejo pelo conhecimento fez com ela ainda realizasse atividades extracurriculares no Brasil e também em outros países. Ela relembra que a mudança brusca de profissão fez com que a família não entendesse a  decisão. "Meu pai, principalmente, achava que eu não ia conseguir me sustentar com a música. E, na verdade, ele tinha um pouco de razão", conta em meio a risadas.

Desde então, a regente já esteve em diversos países e construiu uma carreira de sucesso. Neste dia das mulheres, Ligia se tornou a primeira mulher a assumir a regência da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Pioneirismo bastante comum em sua trajetória.

Encontro - Como foi para você mudar de área?

Ligia Amadio - Foi difícil. Foi duro porque é uma decisão de vida. Primeiro eu fiquei muito deprimida na faculdade de engenharia, porque sentia que não era aquilo que eu amava. Foi todo um processo psicológico até tomar a decisão que eu queria ser músicista.

Como foi a reação da sua família quando você decidiu viver da música?

Na minha família, a princípio causou certa estranheza. Houve uma preocupação porque meu pai, principalmente, achava que eu não ia conseguir me sustentar com a música. E, na verdade, ele tinha um pouco de razão. Mas, digamos, minha mãe sempre incentivou qualquer decisão que eu tomasse. No final, ele ficou feliz também quando eu comecei a reger.

Como foi a experiência dos seus primeiros concertos?

Nos meus primeiros concertos meu pai ficou muito orgulhoso. Então, ficou muito naturalizado na família que eu era musicista. Depois que eu comecei a reger meus primeiros concertos, todo mundo viu que era aquilo mesmo que eu ia fazer.

Qual a sensação de ser a primeira mulher a assumir a regência da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais?

Normal, né? Foi absolutamente normal em toda a minha vida. Sempre fui a primeira mulher a reger essa ou aquela orquestra. Então, em todas as orquestras que eu fui regente titular eu fui a primeira mulher, então pra mim é mais uma como as que já tive anteriormente. Ou seja, é uma responsabilidade muito grande. Mas, é interessante porque a gente abre portas para outras mulheres que virão depois de nós, claro.

Tem alguma apresentação que foi mais especial do que as outras?

Cada concerto para mim é único. Eu sempre falo do concerto atual, da orquestra atual. É assim que eu vivo. Então, o que eu posso dizer? Todos os concertos meus foram importantes, têm coisas lindas como a orquestra de Jerusalém que eu gosto muito de trabalhar.

Pode citar algumas?

Se for citar algumas coisas assim mais especiais tem sinfônica de Jerusalém, a Orquestra Sinfônica Nacional da Tailândia. Na Holanda, também teve um acontecimento muito importante porque de 180 regentes do mundo inteiro eu fui selecionada entre oito regentes que podiam fazer esse curso. Era um curso absolutamente especial e depois só quatro regentes foram escolhidos e eu estava entre eles. Então, coisas assim, né?

Entre as Orquestras que você já esteve: consegue elencar algumas especiais?

As principais orquestras são a da Argentina que eu tenho muito apreço à Filarmônica de Buenos Aires. Agora, eu vou reger a Orquestra Sinfônica Nacional Argentina. A Filarmônica de Bogotá que eu fui regente titular também é uma orquestra muito especial. A Filarmônica de Montevidéu que eu fui regente titular nos últimos cinco anos. Foi uma vivência incrível naquele país tão moderno.

O que você espera da apresentação com a Sinfônica de Minas Gerais?

Espero que tenha público. Isso é o mais importante porque nós trabalhamos para o público. Sem o público nós não somos nada. Nós não fazemos nada.

Como foi o trabalho com a orquestra?

Estou muito feliz com o resultado da orquestra. Ela é maravilhosa! Os músicos são excelentes. E o que nós fizemos em menos de dez dias de trabalho foi algo incrível. Vamos apresentar uma sinfonia verdadeiramente extraordinária. Muito do que será apresentado é da compositora americana Amy Beach. Ela foi a primeira mulher a compor uma sinfonia nas Américas. Ela nasceu em 1867, uma mulher incrível que com 18  anos era uma grande pianista, mas que teve que parar de se apresentar profissionalmente porque se casou. Enfim, nós estamos resgatando nesse concerto, valorizando melhor dizendo, três mulheres compositoras, como é a nossa querida Chiquinha Gonzaga. Uma mulher paradigmática, ousada. Ela é a brasileira mais incrível! Porque nasceu em 1847 e foi a primeira mulher a participar dos grupos de chorinhos, criou muitas composições e viveu da música. E vamos apresentar também uma obra de uma compositora mineira de Uberaba chamada Dinorá de Carvalho.

Qual o conselho que você dá para as meninas que querem estudar música?

Estudar. Estudar é a única coisa importante. Ou seja, estudar, amar o que se faz, ser dedicado, estudar muito de novo. Nós que somos músicos temos que estudar a vida inteira.E ter coragem de ir para frente sem medo. Porque pensar “ah eu sou mulher, será que eu vou ter oportunidade?” Vai sim. Vai viver sim. Cada vez mais estamos tendo maiores e melhores oportunidades. É pouco a pouco, mas está havendo uma abertura importante. Então tenha coragem, fé e persiga os seus sonhos. Isso que eu tenho a dizer.

Os comentários não representam a opinião da revista e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação