Com pré-estreias e re-exibições, longas e curtas, homenagens e debates, o primeiro fim de semana da 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que tradicionalmente abre a temporada de festivais dedicados ao audiovisual brasileiro, transformou a cartografia da histórica cidade mineira, que, com o complexo de tendas erguido para receber mais de 140 filmes até o próximo fim de semana, ganhou ares não apenas de uma meca do cinema nacional contemporânea, mas também de uma bússola, um lugar onde se tenta entrever, afinal, "que cinema é esse?" – como sugere o tema desta edição do evento.
Na noite de abertura, na sexta-feira (24), abrilhantada pela performance do cantor, compositor, multi-instrumentista, ator e diretor musical Sergio Pererê, além de discursos de Célia Xakriabá, a jovem e profícua atriz Bruna Linzmeyer, homenageada da mostra, recebeu das mãos de seus pais, Gerson Linzmeyer e Rosilete dos Santos, o Troféu Barroco.
"Gostaria de agradecer aos meus pais por acreditarem nas minhas estranhezas e na magia no mundo. Estou me sentindo em uma grande festa de aniversário. Recebo essa homenagem como um carinho para continuar nesse caminho", disse.
A cerimônia ainda foi marcada por um discurso emocionado de Raquel Hallak, idealizadora e diretora executiva do longevo evento. Ela também participou da distribuição de placas de agradecimento a autoridades e patrocinadores.
Tantas atrações e protocolos, porém, prejudicaram a exibição do novo longa de Eder Santos, "Girassol Vermelho" – um filme artesanato do video-artista mineiro que, inspirado no conto Cidade, do escritor mineiro Murilo Rubião, reconhecido por suas narrativas de realismo fantástico, é uma espécie de sequência de outro filme de Eder Santos, "Deserto Azul", lançado há 10 anos.
A obra, selecionada pela equipe curatorial para marcar um momento importante da mostra, o seu pontapé inicial, que tem no elenco nomes como Chico Diaz, Luiza Lemmertz e Daniel de Oliveira, foi ofuscada pelo atraso: com sessão inicialmente marcada para 20h30, a projeção só foi acontecer por volta de 23h30, quando a cine-tenda, maior espaço de exibição do evento, já estava esvaziada.
Esse esvaziamento, aliás, não deve ser interpretado como sinal de falta de interesse dos espectadores, mas como efeito de uma série de circunstâncias: soma-se ao atraso o fato de parte da imprensa e outros convidados da mostra terem chegado a Tiradentes com mínima margem de tempo para o início da cerimônia e tendo, como última refeição, um lanche feito às 16h30, no trajeto rumo à cidade.
Já no sábado (25), as mesas "Que cinema é esse?: Perspectivas das curadorias" e "O desenvolvimento do audiovisual como política estratégica do Estado brasileiro" deram largada à série de atividades que visam debater os rumos e as urgências do setor hoje – um dos temas, claro, foi a necessidade de regulação e regulamentação do video on demand (VoD) e das plataformas de streaming, medidas já implementadas em países com audiovisual forte, como França e Coreia do Sul, onde se provaram bem-sucedidas.
No Brasil, a proposta mais avançada fala em tributação das plataformas para fortalecer o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que financia a produção nacional, e da exigência de conteúdos locais no catálogo das plataformas – mas, enquanto países como França e Espanha exigem uma cota mínima de cerca de 30%, na proposta em discussão, essa fatia não chegaria a 10%.
O prefeito em exercício de Belo Horizonte, Álvaro Damião, e a secretária municipal de Cultura, Eliane Parreiras participaram dos debates e trouxeram informações sobre o impacto da produção de cinema para a capital mineira. Conforme apontado por Damião, em 2024, a BH Film Commission – instância da Prefeitura de BH responsável pela regulação, autorização e atração de filmagens no município – apoiou 137 produções com 288 diárias de filmagem autorizadas. Essas produções investiram mais de R$ 30,2 milhões na cidade – crescimento de 73% em relação a 2023, gerando 4.300 postos de trabalho, um aumento de 105% em relação ao ano anterior.
Ainda no sábado (25), cinco filmes foram exibidos em pré-estreia: "Oeste Outra Vez", de Erico Rassi, laureado como Melhor Filme no Festival de Gramado em 2024; "Para Lota", de Bruno Safadi e Ricardo Pretti; "Centro Ilusão", de Pedro Diogenes, vencedor da categoria Melhor Longa no Festival do Rio; "Malês", de Antonio Pitanga, primeiro filme brasileiro selecionado para o Festival Pan-Africana de Cinema e Televisão de Uagadugu, maior festival de cinema da África e é realizada a cada dois anos, em Uagadugu, Burquina Fasso; e "Parque de Diversões", de Ricardo Alves Júnior, premiado como Melhor Filme de Ficção no Barcelona Queer Film Festival.
Um conjunto de títulos que, interpostos, revelam um pouco da potência desse caleidoscópio criativo, em forma e conteúdo, que marca a produção do cinema contemporâneo brasileiro, tão em evidência pelo sucesso arrebatador de "Ainda Estou Aqui", cuja trajetória internacional não eclipsa as tantas outras histórias narradas nas telas por realizadores e realizadoras país a fora.
Obras que têm, sim, seus tantos desafios para serem feitos e chegarem ao público, mas que, é preciso reconhecer, nos últimos anos, vêm reconquistando sua audiência nacional: neste janeiro, que nem sequer chegou ao fim, por exemplo, a quantidade de ingressos vendidos para produções "made in Brasil" já supera todo o resultado de filmes nacionais em 2023 na Ingresso.com, maior tiqueteria online de cinema do país. Até o momento, houve um aumento de 136%, comparando todos os meses de 2023 às primeiras semanas de janeiro de 2025.
A programação da Mostra Tiradentes segue, até o próximo sábado, 1º de fevereiro, promovendo debates de representantes do audiovisual, proporcionando o diálogo entre diretores, atores e o público e, claro, exibindo filmes de diversas temáticas, gêneros e formatos.