Revista Encontro

CORRIDA

Conheça a ultramaratonista mineira Fernanda Maciel

Detentora do melhor tempo brasileiro na Ultra Trail du Mont Blanc, principal prova da categoria, ela explica como é correr 170 quilômetros, em três países e onze montanhas

Marina Dias
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A ultramaratonista mineira Fernanda Maciel - Foto: Divulgação
Você almoça numa sexta-feira, cumpre o resto do expediente no trabalho, volta para casa, faz um jantar saboroso, vê um filme, dorme oito longas horas, levanta-se no sábado pela manhã, faz uma caminhada, volta, toma banho, prepara o almoço. Enquanto isso, nesse tempo todo, corredores estavam competindo na Ultra Trail du Mont Blanc. Prova de montanha mais importante do mundo, ela tem 170 quilômetros de percurso, que passa por três países (França, Itália, Suíça) e onze montanhas. E isso tudo corrido direto, sem descanso ou, muito menos, horas dormidas - apenas paradas rápidas para reabastecer-se de água e alimentos.

A belo-horizontina Fernanda Maciel, de 41 anos é nove vezes participante desta ultramaratona, com quatro pódios e detentora do melhor tempo brasileiro - entre homens e mulheres -, de 26h05, ela não pde competir este ano, pois se recupera de uma lesão cerebral ocorrida em um acidente de escalada. Hoje moradora de Chamonix, na França, local de partida da competição, Fernanda contou à Encontro, em entrevista exclusiva, detalhes sobre a prova, sobre como se tornou profissional na corrida de montanha e como é atuar em um esporte tão extenuante. Confira:

Sempre foi praticante de esportes?

Sim, comecei na ginástica artística, aos 8. Aos 10, fui treinar nos Estados Unidos. Então, desde criança, sempre competi. Meus pais sempre incentivaram o esporte, porque o esporte nos traz valores importantes que a gente pode transferir para a vida pessoal também.
Meu avô era lutador de jiu jitsu, meu pai, de capoeira. Sempre os via praticando, também.

E como começou na ultramaratona?

Comecei correndo em asfalto, 5km, 10km, meia maratona. Mas aí tive a oportunidade, em 2006, de correr uma meia maratona e uma maratona na Nova Zelândia, e me apaixonei por correr em montanhas. Em 2008, fui convidada, com outras duas corredoras de São Paulo, para ir para os Estados Unidos correr uma ultramaratona chamada North Face Endurance Challenge Championship. Era uma prova de 80km e eu me saí super bem, cheguei ao pódio e me apaixonei pela ultra distância e pelo trail running (em montanha). Descobri que eu era boa nessa modalidade, porque meu tempo na meia maratona de rua era 1h24, isso aos 16 anos. E na primeira meia maratona em montanha, fiz 1h28, ou seja, quatro minutos só mais lenta, sendo que na montanha é muito mais difícil. Então eu vi que esse era o meu esporte, que tenho talento para correr rápido em montanhas. Até então eu fazia corrida de aventura (corrida, bicicleta e caiaque). Em 2005, 2006, fui para o trail running.

- Foto: Roger Caballe/DivulgaçãoComo foi o processo até se tornar profissional do esporte?

Aos 25 anos eu era advogada, trabalhava para a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais e competia corrida de aventura. Como a gente ganhava tudo no Brasil e algumas provas no exterior, eu ganhava mais dinheiro com o esporte do que como advogada. Isso abriu um pouco meus olhos e meu coração para seguir o que que mais gostava. Quanto à tornar-me profissional de corrida de montanha, isso aconteceu em 2013.
Antes eu já tinha patrocínio, mas foi só em 2013 que comecei a ter bom salário como corredora. Muita gente pensa que um brasileiro fora do  Brasil vai ter mais chance, mas eu não concordo. Quando saí do Brasil - e não foi pelo esporte, foi por causa do meu trabalho, do meu ex-marido, eu tive que ganhar todas as provas internacionais, fazer pódio nas mais importantes do mundo, para primeiro ser reconhecida, depois repetir o feito várias vezes, para então conseguir patrocínio. Minha primeira vitória  em uma das provas de Mont Blanc foi em 2009. Até 2013, tive que ganhar muitas outras para confirmar e validar minha solidez como corredora para virar profissional. Não é fácil. Quando se está no seu país, tem-se mais contatos, mais visibilidade para as marcas. No exterior, tem que enfrentar outras nacionalidades, chamar bastante atenção, para ser reconhecida.

Pode explicar como é a Ultra Trail du Mont Blanc?

Existem 5 provas diferentes: de 40 km, 50 km, 100 km, 145 km e a mais clássica, mais disputada, que é a mais longa, de 170 km. Eu sou campeã da de 145 km e tenho quatro pódios na mais longa. Um detalhe é que não é só um trajeto longo, como também se sobe 10 mil metros.
Essa prova é a mais épica, a mais importante do cenário mundial de corrida em montanha. Acontece em Chamonix, na França, onde eu moro. A gente larga em Chamonix, percorre mais ou menos 5 montanhas até chegar em Courmayeur, na Itália, mais 3 montanhas até Champex-Lac, na Suíça, mais 3 montanhas até Chamonix de volta. Então são mais ou menos 11 montanhas que a gente corre sem parar. Há alguns checkpoints ao longo do percurso para água, alimentação, mas eu paro mais ou menos 30 segundos em cada um deles, para reabastecer água, bebida isotônica e seguir. Meu melhor tempo é 26 horas e 5 minutos correndo. Sem parar. Então é a prova mais importante do mundo referente a ultra maratona.

A corrida de montanha é comum no Brasil?

O trail running é bastante praticado no Brasil. Mas ainda existem poucas provas, por isso o esporte não está tão reconhecido. Na Europa, cada fim de semana tem mais ou menos 100 provas. É muita oportunidade para o esporte crescer. Mas praticantes há vários, muita gente que corria em asfalto e passou para montanha.

Como é sua rotina?

Normalmente acordo e já saio para treinar ou então faço meditação, tomo café da manhã e vou treinar na montanha. Muitas vezes esses treinos são super longos. À tarde, faço academia. Duas vezes na semana, faço também bicicleta, que ajuda a ganhar volume de treino, exercitando a perna sem sofrer o impacto da corrida, que muitas vezes castiga tendões e articulações. Além disso, viajo muito para fazer fotos em montanhas, para competir no mundo inteiro - já competi em todos os continentes. E vou duas ou três vezes por ano ao Brasil, a BH, para participar com minha empresa de importação de produtos de corrida de alto nível em eventos pontuais, como o Iron Man Brasil e a Volta da Pampulha.
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