No exterior, a cachaça brasileira foi e ainda é muitas vezes confundida com o rum caribenho – as duas bebidas são produzidas a partir da cana de açúcar. Daí decorre que a cachaça brasileira não possui nem de perto a "aura" que os runs cubano e jamaicano desfrutam no mercado internacional. Esse problema, na verdade, também esbarra na falta de controle de qualidade e de origem das 5 mil a 7 mil marcas da bebida comercializadas no Brasil.
Desde os anos 1990, diversos grupos de pesquisa tentam desenvolver marcadores químicos que possam tanto tipificar a cachaça nacional quanto traçar a sua origem geográfica, a região e o estado onde é produzida. A necessidade de garantias de procedência e de qualidade é defendida pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), que tem interesse em utilizá-las para classificar a produção nacional e alavancar as exportações. De acordo com o Ibrac, o Brasil produz 700 milhões de litros de cachaça por ano, com movimentação de R$ 1,4 bilhão.
Uma vez disponíveis tais marcadores químicos, será possível outorgar aos produtores de cachaça artesanal um Certificado de Origem, a exemplo do que ocorre com o vinho europeu, chileno e argentino – sem esquecer da champanhe francesa. Avanços importantes nessa direção têm sido alcançados por pesquisadores do Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da Universidade de São Paulo (USP).
A equipe do IQSC já desenvolveu marcadores químicos para verificar várias propriedades da cachaça, como publicado na revista científica Food Chemistry. A ideia é detectar a origem do fermento usado na composição da cachaça. Aliás, a primeira tentativa bem-sucedida de detecção de origem geográfica da cachaça, em especial com procedência nos estados de São Paulo e Minas Gerais, faz parte de um estudo que acaba de ser publicado no periódico Journal of Food Science.
Compostos químicos
Como no Brasil não existe um padrão para a fabricação de destilado de cana-de-açúcar, diversos processos regionais e até mesmo locais são usados, gerando destilados com diferentes perfis sensoriais e químicos, explica Douglas Wagner Franco, do IQSC. "A cachaça possui mais de 300 compostos químicos. A distinção que estabelecemos é baseada na análise quantitativa desses compostos químicos e como variam as proporções dessas concentrações nas diferentes amostras", completa.
O artigo recém-publicado sobre a origem geográfica do destilado foi baseado no estudo químico de 50 cachaças produzidas usando métodos similares em regiões selecionadas: São Paulo (15), Minas Gerais (11), Rio de Janeiro (11), Paraíba (9) e Ceará (4). A análise identificou cinco grupos de compostos cujas similaridades químicas foram observadas entre as cachaças de Minas e São Paulo, e entre as do Rio e da Paraíba. Os destilados do Ceará mostraram uma assinatura química distinta.
Prova de conceito
"É um bom começo", admite Douglas Franco. Até o momento, segundo ele, os resultados do trabalho podem ser considerados como uma prova de conceito. Os perfis químicos das amostras refletem a produção de cachaça de uma estação do ano específica, saliente o pesquisador. Os resultados obtidos não podem ser extrapolados para todos os anos de produção, devido às variações de clima e do regime de chuvas de um ano para o outro.
O aumento no número de amostras e das regiões produtoras, assim como a inclusão de amostras de anos diferentes, poderão permitir a identificação de novos marcadores químicos e melhorar a robustez e a representatividade deste modelo de análise da origem geográfica da cachaça, afirma Douglas.
A ampliação da pesquisa é importante, mesmo porque a cachaça é produzida em todo o país, e não apenas nos cinco estados analisados. O objetivo final é conseguir certificar a origem da cachaça produzida em todas as regiões do Brasil. "A denominação de origem é uma coisa importante", diz o cientistas da USP.
(com Agência Fapesp).