"Tenho visto muitos relatórios científicos na minha vida, mas nada como isso", disse o secretário-geral geral da ONU, António Guterres, logo ao abrir seu discurso, durante a entrevistas coletiva para divulgar o documento. "O relatório do IPCC apresentado hoje é um atlas do sofrimento humano e uma indagação sobre danos e sobre o destino de nossas lideranças climáticas. Fato a fato, esse relatório mostra que pessoas e planeta estão afetados pelas mudanças climáticas", disse.
"Neste momento, praticamente metade da humanidade vive em zona perigosa. Neste momento, muitos ecossistemas chegaram a um ponto sem retorno. E neste momento, o alcance descontrolado da poluição corrente força uma vulnerabilidade global que está em marcha para a destruição. Os fatos são inegáveis. Essa abdicação de nossas lideranças é criminosa. Os grandes poluidores continuam sendo os culpados por prejudicar nosso único lar", acrescentou.
Segundo o presidente do IPCC, Hoesung Lee, "este relatório traz um sério alerta sobre as consequências da inação", uma vez que mostra que as mudanças climáticas são uma "ameaça cada vez mais séria ao nosso bem-estar e à saúde do planeta".
Injustiça climática
De acordo com a diretora do Programa Ambiental das Nações Unidas, Inger Andersen, a mensagem que o relatório envia é clara: "mudanças climáticas já são nossos oponentes". "As chuvas estão aí, prejudicando bilhões de pessoas", disse.
"Temos visto destruições perigosas em todo o mundo natural. Espécies em migração vivem em condições mais vulneráveis, e há mortes ocorrendo por inundações causadas por tempestades", disse ela, ao lembrar que, na última década, pessoas vulneráveis que vivem em países de menor desenvolvimento têm 15 vezes mais chances de morrer em decorrência de inundações, secas ou tempestades.
O risco, segundo a diretora da ONU, atinge particularmente povos indígenas e comunidades locais. "O nome disso é injustiça climática", sentenciou, ao defender que o retorno à natureza é a melhor forma de a humanidade se adaptar e diminuir as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, promover empregos que potencializar economias.
"Temos a obrigação de dedicar pensamentos e fundos para transformar e adaptar os programas tendo a natureza em seu centro. A humanidade passou séculos tratando a natureza como seu pior inimigo. A verdade é que a natureza pode ser nossa salvação, mas apenas se nós a salvarmos primeiro", completou.
O relatório destaca que, nas próximas duas décadas, o planeta enfrentará vários perigos climáticos inevitáveis, caso o aquecimento global chegue a 1,5°C. Alguns deles terão efeito irreversível. Os riscos são cada vez maiores e terão consequências para infraestruturas e para assentamentos costeiros de baixa altitude.
Financiamento, tecnologia e compromisso
O estudo alerta que, em algumas regiões, o "desenvolvimento resiliente ao clima será impossível", caso o aquecimento global aumente mais de 2°C. Neste sentido, o levantamento destaca "a urgência de implementar a ação climática, com foco particular na igualdade e justiça", o que implica em "financiamento adequado, transferência de tecnologia, compromisso político e parcerias que aumentem a eficácia da adaptação às mudanças climáticas e à redução de emissões".
António Guterres lembrou que a ciência tem reiterado que o mundo precisa cortar 45% de suas emissões até 2030, para atingir zero emissão de gases até 2050. "No entanto, os atuais acordos indicam que as emissões vão aumentar em quase 14% durante esta década. Isso representa catástrofe, e vai destruir qualquer chance de mantermos vivos os compromissos".
Ele acrescentou que os combustíveis fósseis têm grande responsabilidade nesse cenário, e criticou os países que têm descumprido acordos multilaterais sobre o tema. "A presente combinação global sobre energia está quebrada, e os combustíveis fosseis continuam causando danos, choques e crises econômicas, de segurança e geopolíticas", disse.
"Agora é tempo de acelerar a transição energética para um futuro de energia renovável, porque combustível fóssil representa impasse para nosso planeta, para a humanidade e, sim, para as economias. A transição imediata para uma fonte renovável de energia é a único caminho para garantir a segurança energética, o acesso universal e para os empregos verdes que nosso mundo precisa", acrescentou.
A adaptação, visando o uso amplo de energia limpa, não é algo barato, ainda mais no caso de países menos desenvolvidos. Tendo em vista essas dificuldades, Guterres convocou países desenvolvidos, bancos multilaterais de desenvolvimento, financeiras privadas e outras corporações a fazerem coalizões de forma a incentivar, desenvolver e dar acessos ao uso de energia limpa.
O levantamento da ONU cita relações diretas entre as mudanças climáticas e exposição de pessoas a situações de insegurança alimentar e hídrica aguda, especialmente na África, Ásia, América Central e do Sul, bem como em pequenas ilhas e no Ártico.
Atraso é morte
"Precisamos ajudar países a se adaptarem às novas necessidades. Precisamos de dinheiro para salvar vidas, porque atraso é morte. Todos bancos multilaterais sabem o que precisa ser feito: trabalhar com governos para desenvolver caminhos para projetos visando a obtenção dos recursos públicos e privados necessários. Todo planeta precisa cumprir o acordado para conseguirmos, de fato, reduzir as emissões", argumentou.
Guterres acrescentou que o G20, grupo formado pelas 20 maiores economias do planeta, precisa liderar esse caminho. "Caso contrário, a humanidade pagará um preço alto, com um número ainda maior de tragédias. Pessoas em todos lugares estão ansiosas e furiosas. Eu também. Agora precisamos transformar essa fúria em ação. Toda voz pode fazer diferença. E cada segundo conta", concluiu.
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