Um verdadeiro museu a céu aberto.
Um bom começo é participar das visitas guiadas da Fundação de Parques e Jardins da Prefeitura de BH, em parceria com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), que acontecem – desde junho de 2012 – uma vez por mês, sempre aos domingos, e de graça. “Só preservamos aquilo que conhecemos”, afirma a doutora em história Marcelina das Graças de Almeida, responsável pelas visitas e uma das principais referências no assunto. A pesquisadora acompanhou a reportagem de Encontro em um passeio pelo cemitério. Ela acredita que o lugar só será bem cuidado quando houver valorização de sua importância histórica e artística.
O primeiro túmulo oficial do Bonfim é o de Bertha Adele Théreze de Jaegher, filha do engenheiro belga Joseph de Jaegher, que trabalhou na construção de BH. Bertha morreu com apenas 20 anos e foi sepultada em 6 de fevereiro de 1897, como atesta o livro Belo Horizonte – Memória Histórica e Descritiva – História Média, do historiador Abílio Barreto. Curiosamente, ao longo dos anos, brotou no exato local uma árvore conhecida como chorão, fato que atiça a imaginação de quem frequenta o cemitério.
Não faltam motivos para que o Bonfim se transforme em novo ponto turístico de BH. Caminhando por suas quadras, é possível perceber como a construção dialoga com o crescimento da capital e dá pistas de como certas correntes artísticas marcaram as primeiras décadas do século XX por lá. Os primeiros túmulos foram construídos em mármore, material recorrente nas primeiras edificações da então Belo Horizonte. Em outras quadras do cemitério nota-se a exploração do bronze, utilizado a partir da década de 1930, para elaborar imagens de santos, cristos crucificados e das carpideiras (mulheres contratadas para chorar em velórios e sepultamentos). Em seguida, apareceu o granito.
Como a cidade engatinhava, artistas de outros estados e países vieram para suprir ofícios que não existiam por aqui, como os de marmorista e escultor. É o caso do austríaco João Amadeu Mucchiut, que dominava a arte da pedra-sabão. “Além de belos, os trabalhos dele são assinados, ou seja, são peças únicas”, explica Marcelina. Além de Mucchiut, atuaram os marmoristas irmãos Natali, responsáveis por várias peças no cemitério. Foram eles também que construíram o altar da catedral da igreja da Boa Viagem.
Durante o passeio é possível apreciar, ainda, obras de outros artistas como Formenti, Carlos Simi Stor, A. M. Wolff e o italiano Ettore Ximenes, autor do maior túmulo do Bonfim, erguido para homenagear Raul Soares, presidente do estado de Minas Gerais em 1922, que morreu em 1924.
Os túmulos e ornamentos costumam fazer referências às ações do homenageado. No mausoléu de Raul Soares estão presentes a estátua da República, além de elementos da Justiça e outros que remetem ao amor à pátria. “Até 1926, esse túmulo era o único monumento do cemitério”, explica Marcelina, doutora em história e professora de design. A obra foi uma das últimas de Ettore Ximenes (1855-1926).
Bem perto do túmulo de Raul Soares está enterrado outro importante político mineiro, o ex-governador do estado Olegário Maciel (1855-1933). O autor dessa estrutura ainda é um mistério, mas é possível perceber qual estilo de arte foi explorado: “Ele nos lembra vários cubos encaixados, com elementos decorativos mais estilizados, formas presentes na escola da art déco”, diz Marcelina. Para conhecer o monumento é preciso caminhar em volta dele e perceber a inscrição de três palavras em latim: Lex (Lei), Labor (Trabalho) e Justitia (Justiça). Outra homenagem a um político mineiro chama a atenção dos visitantes: o sepulcro do primeiro prefeito eleito de Belo Horizonte, Otacílio Negrão de Lima (1897-1960), que conduziu a administração da cidade de 1947 a 1951. Seu túmulo está, literalmente, em uma espécie de rotatória, bem ao centro de uma das alamedas do Bonfim – por isso, pode passar despercebido pelos visitantes. Para conhecer estas e outras homenagens a homens públicos de BH, o visitante pode seguir em direção às quadras 17 e 18.
As amigas italianas Annamaria Alciate, de 70 anos, e Francesca Maina, de 72, costumam frequentar o cemitério onde está enterrado o filho de Annamaria, Claudio Alciate, que morreu há 25 anos. “O Bonfim é muito belo.
Por dentro do Bonfim
“Para este cemitério da cidade fora estudado um terreno com a área de 170.036 m², situado no alto dos 'Meneses', a 650 m do perímetro urbano, no prolongamento do eixo da avenida Cristovão Colombo, em lugar bem alto e arejado, de solo seco e argiloso-arenoso, tendo muito próximo uma pedreira que facilitou sua construção.” Foi desta forma que o historiador Abílio Barreto descreveu a decisão de construir o primeiro cemitério definitivo da capital no livro Belo Horizonte – Memória Histórica e Descritiva – História Média. A escolha do terreno foi feita pela Comissão Construtora da Nova Capital, chefiada pelo engenheiro Aarão Reis. A construção de um cemitério era urgente, pois até então os sepultamentos eram feitos no átrio da matriz da Boa Viagem e, em seguida, em terrenos na confluência das ruas Tamoios, São Paulo e Amazonas, no centro.
Olhando de cima, o formato do cemitério dialoga com o planejamento inicial da capital. São quadras ou quarteirões, com ruas principais e até rotatória. Quem chama a atenção para o fato é André de Sousa Miranda, do Iepha, um dos responsáveis pelo inventário de 18 das 54 quadras do cemitério do Bonfim. A escolha das quadras foi motivada com base em sua relevância histórica e artística. “O levantamento foi importante para mostrar à sociedade o valor deste lugar”, diz.
O necrotério, uma das primeiras edificações projetadas e executadas pela comissão construtora, também chamou a atenção dos especialistas. Segundo André, o prédio do antigo necrotério, única estrutura do cemitério tombada pelo Patrimônio Estadual, foi pouco utilizado como tal. Ao longo dos anos virou capela, mas hoje está fechado devido a infiltrações na cobertura. O prédio era a referência do cemitério, tanto que a entrada era pela rua Mariana. Com o passar dos anos, a portaria principal foi transferida para a da rua Bonfim. As constantes notícias de furtos e roubos no cemitério também foram levadas em conta durante o trabalho. Os especialistas do Iepha puderam notar que as peças metálicas dos túmulos são as mais procuradas por criminosos e vândalos.
Para André, o levantamento, que deve se tornar livro, reflete como era a filosofia de vida das primeiras cinco décadas em BH. “Até os anos 1950 o Bonfim era o único cemitério da cidade; portanto, ele revela a dimensão de hierarquia social que era presente, com os mausoléus dos políticos ocupando as áreas mais nobres”, diz.
Dizem que...
O cemitério do Bonfim é cenário também de uma das lendas mais famosas da capital. São várias versões a respeito da “Loira do Bonfim”, seu personagem mais curioso. A versão mais difundida: dizem que nas décadas de 1940 e 1950 uma linda moça, vestida de branco, adorava seduzir homens em regiões boêmias da capital, como a avenida Santos Dumont, no centro de BH. Não resistindo ao charme da misteriosa mulher, o homem a acompanhava até a sua residência. Tomavam o bonde e desembarcavam na rua Bonfim. Até aí tudo bem, não fosse o destino final da mulher, sua casa: o cemitério do Bonfim.
Saiba mais:
As visitas acontecem sempre aos domingos e são gratuitas
Dias 26/5, 30/6, 14/7, 25/8, 29/9, 20/10 e 24/11
Informações: (31) 3277-5398 ou pelo e-mail agendaparques@pbh.gov.br
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