
Não se pode dizer que foi simples manter a decisão de encostar o utensílio. Logo antes de Micael (hoje com 1 ano e 5 meses) completar 2 meses de vida, houve morte na família e Fabiana teve de se ausentar por algumas horas. Como alimentar o pequeno? Ela pediu à mãe que desse o leite, previamente retirado, no copinho de vidro. "Dá mais trabalho do que a mamadeira, porque tirar o leite já exige bastante tempo e, às vezes, muito dele é desperdiçado no copinho. Mas era minha convicção, pois queria muito que meu filho continuasse mamando no peito até quando desejasse", afirma. Ela, aliás, amamenta até hoje, apesar de o menino já comer outras coisas.
Fabiana faz parte de uma minoria de mães que decide não adotar a mamadeira como forma de apoio no aleitamento do filho. Apesar de contraindicada por especialistas há anos, é de uso corrente na rotina das famílias, tanto após os 6 meses do bebê, quando ele já pode tomar outros líquidos, quanto nos primeiros meses, para dar o leite materno na ausência da mãe.
Segundo a pediatra Raquel Pitchon, presidente da Sociedade Mineira de Pediatria, não há estatísticas sobre o uso do utensílio, mas, em seu consultório, ela percebe que a prática ainda é elevada, sendo adotada por pelo menos metade dos pacientes. "É uma questão mundial e um hábito centenário. Além disso, é multifatorial, pois envolve costumes e estilo de vida. Isso não muda de uma hora para a outra", explica.
As críticas ao uso dos bicos sintéticos, como mamadeiras, chuquinhas e chupetas, no caso de mães que não têm restrições quanto à amamentação, são variadas. Eles são condenados não só por pediatras, mas também por odontologistas, fonoaudiólogos e instituições como o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde. "Por meio de nosso manual de aleitamento e de nossos cursos e palestras, orientamos os pediatras, nos casos de mães que amamentam, a não indicar a mamadeira e a evitar seu uso o máximo possível. A única discussão é quando há o desmame precoce ou quando o bebê não pode ser amamentado", afirma o pediatra Luciano Borges Santiago, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria.

As contraindicações são tantas que, desde 2002, é obrigatória a advertência do Ministério da Saúde nos rótulos de bicos sintéticos de que crianças que mamam no peito não necessitam de mamadeira, bico e chupeta, pois são prejudiciais à amamentação e pelo fato de seu uso prolongado poder afetar a dentição e a fala.
Nem os bicos ortodônticos são recomendados pela comunidade científica, apesar de serem menos prejudiciais. Segundo Patricia Drummond, coordenadora de odontopediatria da Associação Brasileira de Ortodontia em Minas Gerais, os especialistas da área também indicam o uso dos copinhos. No entanto, para quem já usa mamadeiras, é preferível optar pelos bicos ortodônticos, cujo formato permite maior adaptação dos lábios e melhor elevação da língua do bebê, estimulando mais a musculatura e ossos. "Mas o uso do copinho é mais recomendado, pois interfere menos no aleitamento, evitando o desmame precoce e estimulando melhor os movimentos de deglutição", explica.
O pediatra Luciano Borges explica que a orientação geral é estimular, sempre que possível, o aleitamento materno e, nos casos de ingestão de outros líquidos (ou do leite da mãe em sua ausência), o uso do copinho ou da colherinha (veja quadro com alternativas à mamadeira). Isso porque, além de não trazerem os malefícios da sucção em bicos artificiais, exigem maior atenção do responsável. "A mamadeira é causadora de graves acidentes encaminhados a prontos-socorros. Sua vazão é maior, o leite sai muito mais rápido, e a criança tem mais chance de se engasgar, principalmente se o adulto não estiver acompanhado. Com o copinho, o responsável precisa ficar mais atento. O fato de demorar mais é, na verdade, uma segurança para o bebê", afirma.

Outro motivo para os pais pensarem no uso de bicos é a questão da fase oral, ou seja, da necessidade de sucção e de reconhecimento externo por meio da boca, que é intensa em crianças, principalmente até 1 ano. Especialistas dizem que esse fator normalmente é trabalhado na própria sucção do peito. Para as crianças que têm essa questão exacerbada, que precisam de outras fontes para elaborar a fase oral, ou que são mais difíceis de acalentar, a orientação é que o uso da mamadeira ou chupeta restrinja-se aos momentos de instabilidade. "E, de qualquer maneira, a retirada deve ser feita entre 1 e 2 anos", orienta Raquel Pitchon.
A funcionária pública Laura Rocha ficou sabendo das contraindicações da mamadeira em um grupo de mães que discutem assuntos relativos à gravidez e à maternidade. "Lá, falamos muito sobre amamentação, e não usar mamadeira foi consequência disso", afirma. Seu filho Rafael, de 2 anos e 8 meses, passou direto para o copinho, com breve passagem pela colherinha em momentos de ausência da mãe. "Ele passou com facilidade ao copo comum, pois, durante o tempo em que usou o copo de transição [aquele que vem com alças e tampa], já ficava curioso com o que tinha lá dentro", diz ela, que nem chegou a comprar mamadeiras.
Segundo a psicanalista infantil Viviane de Quadros, é normal que crianças procurem objetos de apoio, entre eles, os de sucção. Isso porque a boca é uma zona erógena privilegiada e bebês ainda não têm condições de apreender objetos, como paninhos, cobertores ou bichos de pelúcia. No caso de crianças que já usam mamadeiras ou chupetas, Viviane afirma que os pais precisam ajudar o filho no momento da perda do objeto. "Eles podem oferecer algo de que o filho goste em troca, algo pequeno, simples, para ajudar na transição", afirma. O importante, segundo ela, é saber que a mamadeira vai precisar ser retirada eventualmente e saber lidar com esse momento.

