Se hoje o bairro de Lourdes é símbolo de sofisticação e dono do maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de BH, ao lado do Santo Agostinho, a culpa é dos gestores da então recém-criada capital mineira. Até a primeira década do século XX, a região que conhecemos como uma das mais caras da cidade - com o metro quadrado custando em média 10 mil reais - era repleta de cafuas. Assim eram chamados os casebres erguidos às margens do córrego do Leitão, que ainda corria a céu aberto. E tinha um motivo claro para isso. As famílias mais pobres não tinham condições de morar nos vizinhos Centro e Funcionários, considerados, na época, os bairros mais ricos. Mas como o Palácio da Liberdade, centro do poder do estado, tinha sido construído a poucos quarteirões da igreja de Nossa Senhora de Lourdes, marco zero do bairro, os administradores da capital não tiveram dúvidas em transferir as famílias pobres para outra área, anos depois chamada de Barro Preto.
Depois da canalização do córrego começaram a brotar no Lourdes os casarões mais chiques da cidade. As fachadas seguiam a arquitetura eclética e de influência neoclássica, estilos vigentes à época, sobretudo na Europa. É o que conta o livro Escavar o Futuro (2014), da Fundação Clóvis Salgado: "A retificação e canalização do córrego do Leitão foram empreendidas na segunda metade da década de 1920, ao mesmo tempo que eram instalados os emissários de esgotos em sua margem direita. A área que compreende o bairro de Lourdes foi reservada pelo poder público para ser ocupada por famílias mais abastadas da cidade".
Com isso, não demorou muito para que o bairro fosse a casa de políticos importantes da capital. Foi também Lourdes o local escolhido para ser erguida a Escola Estadual Governador Milton Campos, mais conhecida como Estadual Central. Pelas carteiras da instituição passaram alunos ilustres como a ex-presidente Dilma Rousseff, o cartunista Henfil e o ex-jogador de futebol Tostão. A escola teve origem em Ouro Preto, em 1854, com o nome de Liceu Mineiro de Ouro Preto. O colégio foi transferido para um prédio na praça Afonso Arinos no mesmo ano da fundação da capital mineira, 1897. Juscelino Kubitscheck, então governador do estado, solicitou em 1954 ao arquiteto Oscar Niemeyer o desenho da atual sede, que teve as portas abertas dois anos depois.
Essa, entre outras histórias, interessa a Jeferson Rios, presidente da associação de moradores do bairro de Lourdes (Amalou). Ele está vasculhando a trajetória da região para usá-la na festa de aniversário de 74 anos da praça João Luiz Alves, mais conhecida como Marília de Dirceu, em setembro. "JK foi quem inaugurou a praça e o desejo dele era de que este lugar se transformasse em um cartão-postal do bairro", diz Jeferson. O desejo do político se cumpriu. A praça foi eleita por duas vezes (2011 e 2013) a melhor de BH pelo projeto da PBH Adote o Verde. E não é difícil entender o sucesso. Adotada pela Amalou, ela recebe manutenção diária, oferece caixinhas para os moradores descartarem as fezes dos animais de estimação, sistema de irrigação que aproveita a água de nascentes e um projeto de leitura que incentiva a troca de livros.
Os frequentadores podem se informar sobre os últimos acontecimentos, sempre às 15h, por meio da rádio comunitária Elo FM - 87,9, que é transmitida por uma caixa de som instalada no caramanchão da praça. Na maior parte do tempo, a emissora é a responsável também pelo som ambiente. Hits nacionais e internacionais tornam o lugar ainda mais agradável. Durante a reportagem, My Love, do eterno beatle Paul McCartney, era uma das canções que embalavam o namoro de casais e o descanso dos demais. A dançarina Lara Santos, ao lado das amigas e também dançarinas Anna Vitória e Ester França, destaca que no bairro se convive bem com o novo e o antigo. "Aspectos interioranos se misturam à vida mais moderna e agitada", diz Lara antes de iniciar com as outras dançarinas uma meditação na Marília de Dirceu.
A tranquilidade da praça se estende para outras ruas arborizadas de Lourdes. De acordo com Jeferson Rios, há 60 rádios comunicadores espalhados no bairro. Os aparelhos ficam com os porteiros dos edifícios, sempre prontos a comunicar à Polícia Militar - com sede fixa na praça Marília de Dirceu - algo suspeito. Outra preocupação da associação é o trânsito movimentado, sobretudo, à noite. Nas rotatórias há sempre o aviso para que o motorista respeite a sua vez e os pedestres.
O principal desafio de Lourdes fica por conta do barulho dos bares e restaurantes. São mais de 50 atualmente. Mas segundo Jeferson Rios, da Amalou, um acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) tem dado conta de amenizar o problema. "Os estabelecimentos têm de retirar as mesas da calçada por volta das 23h30, de segunda a sexta, e à 1h da manhã, aos sábados e feriados", afirma. A música só pode ir até as 22h. Conforme Jeferson, 90% dos bares cumprem o acordo.
Angela Randazzo Antunes também aponta a poluição sonora como a grande dor de cabeça de quem vive por lá. Contudo, ela afirma que com diálogo o problema pode ser resolvido. Ela é dona de um dos poucos antiquários que ainda restam na rua Marília de Dirceu. "Lourdes já foi o ponto dos antiquários", diz Angela, que faz também parte do grupo Divas de Lourdes, criado há um ano. Cerca de 60 mulheres se reúnem regularmente para tratar das questões da comunidade. "Tudo que nós pedimos, conseguimos." A questão da poluição sonora está na fila.
O maior IDH
Estudo recente da UFMG apontou que o bairro de Lourdes, ao lado do Santo Agostinho, possui o Índice de Desenvolvimento Humano mais elevado da cidade. A medição é feita pelos mesmos critérios do IDH Global: longevidade, educação e renda. Quanto mais próximo de 1, significa que o bairro, a cidade ou o país está alcançando padrões de qualidade máxima. Conforme a pesquisa publicada pela revista eletrônica Transite, o índice de 0,955 registrado no bairro é maior que qualquer outro país do mundo.
Primeiro veio a igreja
Em maio de 1916 foi lançada a pedra fundamental da paróquia Nossa Senhora de Lourdes, na rua da Bahia, esquina com Aimorés. No entorno, o bairro, predominantemente de casas, ainda tomava forma. No natal de 1922, o bispo Dom Cabral foi quem celebrou a primeira missa na igreja ainda inacabada. No ano seguinte, o templo foi inaugurado, mas faltavam a torre, os altares e parte do reboco. O auge da paróquia foi em 1958, quando o papa Pio XII concedeu ao templo o título de Basílica Menor, diante de seu valor histórico, arquitetônico e artístico. A beleza interna e externa motiva até hoje uma corrida para agendar casamentos ali.
ESPECIAL BAIRROS | LOURDES
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A região que cresceu no entorno da basílica Nossa Senhora de Lourdes, após canalização do córrego do Leitão, é dona do maior Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) da capital mineira e possui um dos metros quadrados mais valorizados da cidade
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