A vida era de interior no bairro Funcionários. Nada mais natural. Com a transferência da capital do estado para Belo Horizonte, em 1897, quem veio passou a reproduzir o cotidiano ouro-pretano. "As crianças, criadas soltas, passavam o dia todo na rua, voltando para casa apenas quando as mães berravam o nome delas da janela ou a empregada ia buscá-las", é o que escreve Maria do Carmo Brandão no livro Funcionários, da série BH - A Cidade de Cada Um, lançado recentemente. "Ali era o nosso mundo", diz a escritora, mais conhecida como Madu Brandão. Ela chegou ao bairro em 1949, quando tinha 1 ano de idade. Morando em uma casa - hoje tombada - na esquina da avenida Brasil com rua Rio Grande do Norte, a escritora não se esquece da época na qual o verdureiro e o vendedor de biju passavam de porta em porta com seus produtos. Ela se recorda ainda da feira do Colégio Arnaldo na avenida Bernardo Monteiro, onde se comercializava de alimentos a gaiolas de passarinho. Naquela época a vida parecia passar devagar e o bairro custou a se "modernizar". "Vivíamos na rua. A avenida Brasil tinha um imenso canteiro central cheio de fícus, onde ficávamos brincando", diz Madu. No entorno, havia lojinhas de aviamento, sapateiro e salões de beleza, porque comércio forte mesmo era o do centro da cidade.
Se em uma parte do Funcionários o clima era provinciano, a outra ponta era bem mais agitada. A culpa era de uma padaria, a Savassi, na década de 1940, e anos depois de um cinema, o Pathé. Danilo, filho de Hugo Savassi, foi quem sugeriu ao pai o nome da família para estampar a fachada da panificadora. "Já estava tudo pronto, inclusive, os bloquinhos e outros documentos da panificadora. A padaria ia se chamar 13 de Maio", lembra Danilo, hoje, com 94 anos. Indiretamente, ele estava também batizando um dos bairros mais charmosos da cidade. Sem falar que a atual praça Diogo de Vasconcelos, anteriormente chamada 13 de Maio, também ganharia o apelido de Praça da Savassi. Danilo lembra que em 1942, por causa de um navio brasileiro afundado na Segunda Guerra Mundial, a padaria foi saqueada e destruída. De família italiana, a panificadora acabou pagando o pato. "Não sobrou nem uma lata de sardinha", lembra ele. Contudo, o saldo foi positivo e as lembranças são boas. "JK era um de nossos clientes, sempre acompanhado de outros políticos da época. Ela ficava cheia também aos sábados, quando tinha o footing", afirma.
Mas, famosa mesmo, era uma turma que aprontava todas por lá. "Tínhamos um amigo que trabalhava numa cervejaria. Ele sempre nos avisava quando e onde eram entregues bebidas para festas. Era a deixa para entrarmos de penetra", diz o compositor Pacífico Mascarenhas, um dos integrantes da Turma da Savassi. Para homenagear a época, ele planeja instalar um monumento em frente ao lugar que abrigou por 37 anos (1940 a 1977) a Padaria Savassi, no quarteirão da rua Pernambuco, hoje loja de telefonia celular.
Além da Padaria Savassi, no passado, até o Pirulito deu o ar das graças por lá. Ele teve de ficar provisioriamente no cruzamento das avenidas Getúlio Vargas com Cristovão Colombo, entre 1963 e 1980, pois a área central passava por ampla reforma. Quando o obelisco deixou a Savassi, a região já ganhava ares modernos, com prédios e muito trânsito. Em 1991, o lugar foi oficialmente delimitado como região, mas ainda fazia parte do Funcionários. No final da década seguinte, foi, de fato, desmebrada e se transformou em bairro.
Com vida própria, a Savassi enfrenta alguns desafios. Por isso, segundo o presidente da Associação de Moradores e Amigos da Savassi (Amas), o dentista Nelson Galizzi, o momento é de chamar a atenção de quem vive e trabalha na região para fazer mais pelo bairro. "Não podemos esperar que o poder público faça tudo por nós", diz. Nelson foi idealizador do projeto Via Albuquerque, em 2004, que mudou a cara da rua Antônio de Albuquerque. Ela ganhou novos canteiros e iluminação. Mais do que melhorias físicas, a proposta era a de que os comerciantes, moradores e frequentadores ocupassem o lugar de maneira consciente. Era a semente para o projeto Savassi Criativa, 10 anos depois, que se expandiu para outras ruas do bairro. "Queremos transformar a Savassi em um Distrito Criativo, pois sabemos que aqui a moda, o audiovisual, as artes, a literatura e a tecnologia são fortes, mas ainda não há conexão entre elas", diz Natalie Oliffson, vice-presidente da Savassi Criativa.
Após a revitalização da região, concluída em 2012, lojistas passaram a reclamar dos altos custos para manter lojas e escritórios no bairro. Por isso, o que se viu foi um mar de placas de "aluga-se". Esse é um dos problemas que a Savassi Criativa quer atacar. Natalie revelou que um acordo foi firmado, em julho, com a Câmera do Mercado Imobiliário (CMI/Secovi) para trazer mais negócios e reter os que já existem. "Sabemos que segurança não é apenas problema de polícia. Se tivermos mais movimento, com um comércio forte, isso pode dificultar a ação de criminosos", diz Natalie, dona de um armazém contemporâneo na rua Antônio de Albuquerque. Outra batalha é pela reabertura do Cine Pathé, fechado desde 1999. Atualmente, ainda com os cartazes de filmes, o imóvel abriga um estacionamento. O projeto para transformá-lo em um espaço cultural já existe, mas ainda está sendo avaliado para ser submetido à secretaria de regulacao urbana.
Outra ação que tem o apoio da Associação de Moradores e Amigos da Savassi é o projeto Zona 30, cuja proposta é limitar a velocidade máxima em algumas vias da capital a 30 km/h. A ideia, já disseminada em outras capitais do mundo, favorece o compartilhamento das vias entre carros, bicicletas e pedestres. A informação é a de que o projeto piloto deve ser executado na parte que abrange a Escola de Arquitetura da UFMG, que fica na rua Paraíba.
E assim a vida segue na região. Os ares interioranos do Funcionários se dissiparam, embora ainda seja possível curtir a feirinha do Colégio Arnado, hoje com produtos segmentados dependendo do dia da semana. O cruzamento da Getúlio com Cristovão é bem diferente de outrora. O charme, entretanto, ainda persiste. "Savassiar", como dizia o escritor Roberto Drummond, ainda é possível.
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