Ao subir a avenida Agulhas Negras, a sensação é de estar saindo da cidade grande. O clima quente e a cena de prédios enfileirados vão ficando para trás. Aos poucos, vai apontando na paisagem a Serra do Curral. À esquerda, o Parque das Mangabeiras, a maior área verde de Belo Horizonte, com os seus 2,4 milhões de metros quadrados e 59 nascentes. Em meio a esse conjunto natural, há ainda residências que começaram a brotar por lá na década de 1960, no governo de Israel Pinheiro.
O atual número de moradores é de quase 2 mil, segundo o Censo (2010) do IBGE, mas não atrapalhou o sossego da região, predominantemente de casas. Até hoje pode ser notada certa calmaria que remete à época em que toda aquela área comportaria uma fazenda. A área rural chamada de Mangabeiras começou a ser loteada na década de 1960, quando a capital mineira via acelerado o seu processo de expansão - sobretudo pelo surto modernista de Juscelino Kubitschek, prefeito de BH, nos anos 1940. A antiga chácara, então, virou Companhia Urbanizadora Serra do Curral (Ciurbe) e os lotes foram disponibilizados em leilões para serem vendidos. Em 1973, o Mangabeiras foi, de fato, criado pelo Decreto Municipal 2.317, de 16 de janeiro. Naquele ano, residências de alto padrão já se destacavam nos morros da serra.
Sobre os primórdios do bairro, no entanto, é preciso voltar a 1895, dois anos antes de BH ser inaugurada, quando se iniciou a exploração de pedras preciosas na Pedreira do Acaba Mundo. Até uma linha de bonde foi criada para ajudar no transporte dos materiais extraídos. A década de 1950 foi marcada também pela exploração de minério de ferro na Serra do Curral. É o que conta a Coleção Histórias de Bairros - Região Centro-Sul, do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. "A mineração feita de forma irresponsável levou à destruição da vegetação de uma parte da Serra do Curral e colocou em risco os cursos d’água que ali nasciam", conta a publicação. Se por um lado a atividade minerária colocava em risco o meio ambiente, por outro, possibilitou o surgimento do Parque das Mangabeiras, em 1982. A uma altitude de 1,3 mil metros, a área verde foi projetada por Roberto Burle Marx. Além da diversidade de fauna e flora, o parque abriga áreas de lazer, que atraem a vizinhança, moradores de outras partes da cidade e turistas. Até o fechamento desta edição, o parque estava interditado em função dos trabalhos de prevenção e combate à febre amarela. A Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica informou que estava em contato com a Secretaria Municipal de Saúde com o objetivo de reabrir o local em breve.
Outro símbolo do bairro é a Praça Governador Israel Pinheiro. Foi por lá que a então maior autoridade da Igreja Católica, o papa João Paulo II, celebrou, em 1º de julho de 1980, uma missa e declarou a célebre frase: "Que belo horizonte". Com isso, a praça passou a ser conhecida como Praça do Papa, inaugurada mesmo em 1983, com a presença de pelo menos 4 mil pessoas.
O bairro Mangabeiras, no entanto, não era feito só de residências, muito verde e de praça. Em 1974, o oftalmologista Hilton Rocha adquiriu um terreno aos pés da Serra do Curral. Ali, cinco anos depois, foi inaugurado o Instituto Hilton Rocha, que viria a ser referência em oftalmologia no país. Em 1993, contudo, Hilton Rocha faleceu e divergências internas resultaram no fechamento da instituição. Para saldar dívidas trabalhistas, o imóvel foi leiloado e arrematado pelo Grupo Oncomed, em 2009, por 16 milhões de reais. Desde o ano passado, o prédio está sendo reformado e adequado para receber um centro de tratamento de câncer. A previsão é de que as obras sejam concluídas no final de 2019, de acordo com o médico Amandio Soares, um dos diretores da Oncomed.
Mas e o comércio? A avenida Bandeirantes, que hoje é o principal centro de lojas e serviços do bairro, foi concluída em 1979. Até então, os moradores do Mangabeiras tinham de recorrer à Savassi ou ao centro de BH para realizar compras. A psicóloga Renata Borja, de 46 anos, mora desde os 4 no bairro. "Não tinha nem padaria por perto. O jeito era encomendar pão e leite, que vinham de Kombi", diz. A distância do comércio naquela época, contudo, não diminuía o privilégio de se morar bem pertinho da natureza. "Quando éramos criança, íamos brincar na montanha. Deparávamos com coelhos e corujas", afirma a psicóloga, que faz questão de ressaltar que a vida no bairro não mudou muito de lá para cá. "As maritacas ainda são frequentadoras da minha casa. Vejo o sol nascer na montanha e se pôr no horizonte." A descrição da rotina de Renata se assemelha com a da advogada Luciana Moreira, de 47 anos, que reside ali desde os 13. "Meus pais sempre sonhavam morar aqui. Jogávamos bola na rua e colhíamos frutas nas casas dos vizinhos", diz. A prática de aproveitar os pés de fruta da vizinhança ainda se conserva. A casa de Luciana Moreira tem pés de jabuticaba, maçã, pitanga, acerola e uva. Nem precisa dizer qual é o lugar preferido dos filhos Eduardo, de 8, e Henrique, de 9 anos. "É um bairro que deve ser preservado", afirma a advogada.
Essa é a mesma opinião do também advogado Rodrigo Bedran, presidente da Associação de Moradores do Mangabeiras. Por isso, em seu segundo mandato continua priorizando a segurança dos moradores e visitantes. "Temos a Rede de Vizinhos Protegidos e cerca de 90% das casas têm câmeras, dispositivos aliados na atuação da Polícia Militar e da Guarda Municipal", afirma Rodrigo, que já sente a diminuição de crimes na área. Dessa forma, a vida e o clima dos anos 1960 parecem não tão distantes.
E o Comiteco?
Se você frequenta o Mangabeiras, provavelmente já deve ter passado por vias que, na verdade, pertencem a outro bairro, o Comiteco. Trata-se de uma pequena área, com menos de 1 quilômetro quadrado, mas que reúne cerca de 1,7 mil moradores, conforme Censo do IBGE de 2010. O nome é o mesmo de uma imobiliária que em 1938 adquiriu o terreno às margens da Serra do Curral para um novo loteamento. A empresa existe até hoje. Assim, a área mais à direita da avenida Agulhas Negras até à Praça JK é o Comiteco (confira o mapa). Os limites entre os dois bairros não são muito claros. De acordo com moradores, algumas ruas, como a Comendador Viana, pelo menos para os Correios, faz parte do Mangabeiras e ao mesmo tempo do Comiteco. A despeito disso, Rodrigo Bedran, presidente da Associação do Mangabeiras, diz que a sua preocupação é atender os interessentes dos residentes de ambas as áreas. Sem distinção.
ESPECIAL BAIRROS | MANGABEIRAS
Conheça a história do bairro Mangabeiras, em BH
Região começou a ser loteada na década de 1960 e a calmaria de outrora ainda é notada por lá. Antes da ocupação, a busca por pedras preciosas prevalecia na região
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