- Quem é: Rui Brites, 66 anos
- Origem: Torres Novas, Portugal
- Formação: Doutor em sociologia pelo Instituto Universitário de Lisboa e professor no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa
- Carreira: Sociólogo e professor universitário há 30 anos, Rui Brites tem uma ampla carreira de investigação científica e desde 2002 é referência nos estudos sobre a felicidade em Portugal. Suas principais áreas de investigação são valores, felicidade e bem-estar subjetivo, classes sociais e educação. Além da Universidade de Lisboa, colabora com instituições de ensino superior como a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Universidade dos Açores e Escola Nacional de Saúde Pública. Foi também coordenador do Centro de Informação sobre a Droga e a Toxicodependência/CIDT, do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência. Atuou ainda como técnico de Recursos Humanos, dirigindo o setor da Caixa Geral de Depósitos, banco português.
Como nasceu o seu interesse pela felicidade alheia?
Ainda na adolescência, li o livro A conquista da felicidade, do inglês Bertrand Russell. Esse livro mudou meu modo de ver a vida. Aprendi a relativizar e dar valor ao que é essencial. Desde então a felicidade passou a ser uma busca para mim. Em 2002, conduzi meu primeiro estudo sobre a felicidade, no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do Instituto Universitário de Lisboa. A cada dois anos esses dados são renovados. Já minha tese de doutorado, Valores e felicidade no século XXI, é um retrato sociológico dos portugueses.
Não basta querer ser feliz, é preciso poder. Há alguns mecanismos essenciais de bem-estar que nos permitem acionar maior ou menor felicidade. Ter um projeto de vida possível e se dedicar a ele é uma das variáveis importantes da felicidade. O interesse pela política nos faz sentir mais ativos e o trabalho também é fundamental, porque nos dá a oportunidade de tomar nossa vida nas mãos. Por outro lado, o desemprego é um fator que pode levar a um sentimento de menor felicidade e até mesmo a um aumento do suicídio.
O brasileiro, então, enfrenta um momento complicado para a sua felicidade, haja vista que os índices de desemprego ainda são altos...
Naturalmente, o aumento do desemprego afeta as variáveis que definem a felicidade. Outro ponto é que a política também exerce a sua influência. Como as expectativas dos brasileiros com a política eram muito altas, a desilusão que sentem agora com todas as mudanças que ocorreram nesse cenário também é grande, e isso pode afetar a felicidade. As pessoas desiludidas tendem a ver mais o lado ruim das coisas, é como um casal que se zanga e se desilude com o casamento.
A felicidade dos portugueses está crescendo?
Neste momento em Portugal, pela primeira vez desde 2002, registramos um aumento do nível de felicidade do português, que passou de 6,5 para 7, em uma escala de zero a dez. A melhora das expectativas com a política e a economia do país teve sua influência no resultado.
E os brasileiros, de modo geral, são felizes?
O brasileiro é um povo alegre, mas não posso dizer que é feliz porque não tenho dados. O interessante é que desde que cheguei a Belo Horizonte já perguntei a cerca de 200 pessoas que nota dão para a sua felicidade: a maioria respondeu entre 7 e 8.
E o dinheiro, traz ou não felicidade?
Um pobre jamais diria que o dinheiro não traz felicidade. Essa frase provavelmente foi dita por um homem rico. O fato é que o dinheiro não traz mais felicidade, mas a falta dele pode levar à infelicidade. O que os estudos mostram é que o conforto trazido pelo dinheiro é uma variável importante no bem-estar. O dinheiro não compra a felicidade, ele compra coisas que dão satisfação e têm um impacto importante. Não é por acaso que no conjunto de variáveis inventariadas pelo consórcio europeu European Social Survey, responsável pelos estudos europeus da felicidade, o dinheiro está em primeiro lugar.
Como a quantidade de dinheiro impacta o índice?
Não é quantidade de dinheiro que traz mais felicidade, é o conforto com que se vive com o dinheiro que se tem. Há pessoas que mesmo com pouco sentem que vivem bem, outros têm muito e acham que não chega. Mas, veja bem, depois que se atinge o necessário para uma vida confortável, as pessoas não se tornam mais felizes por terem um maior acúmulo de bens. Esse acréscimo traz oscilações pequenas. O pobre também é feliz, pode viver satisfeito.
Há exemplos de países que são pobres e têm uma população que parece satisfeita com a vida...
São duas coisas. Quanto mais cosmopolitas somos, maiores serão nossas expectativas e exigências com a felicidade. Quando temos uma vida sem grandes comparações, mais simples, focada no lugar onde vivemos, nossas expectativas tendem a ser menores. Países muito espiritualizados também têm uma relação diferente com a felicidade.
Existe um impacto, mas é discreto. Geralmente, a religião faz com que as pessoas tenham maior preocupação com o outro, mas tudo vai depender de como individualmente se vive a religião. Em Portugal, de modo geral, a população que tem uma espiritualidade é ligeiramente mais feliz, quando comparada a regiões menos espiritualizadas.
E as relações que temos uns com os outros, como elas nos ajudam?
Ajudam muito. As conexões, os amigos, a solidariedade são muito relevantes para a felicidade. Em Portugal, por exemplo, no Norte, onde as pessoas são mais próximas, a escala da felicidade é maior. Já no Algarve, onde se tem menos essas conexões, a escala da felicidade é menor.
Sobre a idade, quanto mais velhos somos, maior a felicidade?
Os estudos demonstram que a felicidade tem a curva da letra U. Na infância se é muito feliz. Depois nossa felicidade diminui, é a idade da produção, da família, das preocupações e do trabalho. O nível de felicidade cai até os 55 anos e a partir daí sobe até os 60 anos. Dizemos que a felicidade tem a fase da ingenuidade, do trabalho e do lazer. A idade do lazer começa quando os filhos saem de casa (risos). Nesta fase, a felicidade dos dinamarqueses, por exemplo, supera a dos jovens.
É verdade que teremos um estudo sobre o tema em Minas?
Sim. Haverá um estudo, em Belo Horizonte, no Cefet-MG. A pesquisadora Liliane Oliveira desenvolveu parte de seu doutorado em Lisboa e será a responsável por desenvolver no Cefet a pesquisa com a mesma metodologia portuguesa, inicialmente investigando a felicidade dos alunos da instituição. A ideia é que seja um estudo constante, realizado com certa periodicidade.
Qual o impacto da tecnologia na forma como nos sentimos?
Eu não diria que a tecnologia faz as pessoas mais ou menos felizes, mas faz as comunidades começarem a ter os mesmos sentimentos, de otimismo ou de pessimismo. Isso porque as pessoas nas redes sociais tendem a se relacionarem mais com os grupos que pensam como elas. Uma coisa que a tecnologia está fazendo é levar as pessoas a se isolarem. O mundo delas passa a ser o virtual, e o isolamento leva a uma menor felicidade. É o caso dos jogos eletrônicos. Eles, por si só, não matam ninguém. A questão é essa perda da convivência social, que pode provocar a depressão. Outra questão importante da tecnologia é a eliminação de postos de trabalho. Publiquei um estudo sobre as migrações na Europa de pessoas qualificadas que deixaram o país de origem em busca de oportunidades. Mesmo com o desejo de voltar, os imigrantes conseguem ser mais felizes no exterior. A maioria só voltaria ao seu país se tivesse as mesmas condições de trabalho que conquistou fora.
O senhor é feliz?
Felicidade é uma busca permanente. É desejar o que se pode ter, é lutar pelo sonho. Por isso sou feliz. Sempre sonhei ser professor. Até os 50 anos me dividi entre a sala de aula e o trabalho no banco. Ao me aposentar, pude me dedicar inteiramente à universidade. A sociologia é a minha prática, a minha paixão. Ter uma meta possível e ir em busca desse projeto faz as pessoas felizes.
O escritor mineiro Guimarães Rosa disse que felicidade se acha é em "horinhas de descuido"...
São as tais pequenas coisas... Veja bem, você perguntou se sou feliz. Sou muito satisfeito com minha família, minhas netas. Gosto muito de viajar, de conhecer novas culturas, mas Portugal é o lugar para onde quero voltar, é um país pequenino, muito bom de se viver. Algo que me deixa feliz é estar em casa, tomar o café da manhã com minha mulher, com quem sou casado há 42 anos.
Em uma frase, qual a sua definição para a felicidade?
Para mim uma boa definição da felicidade foi feita por Rousseau (Jean-Jacques Rousseau, filósofo iluminista do século XVIII): "A espécie de felicidade que me interessa não é poder fazer tudo o que me apetece, mas não fazer o que não quero.".