Revista Encontro

Capa | Política

Zema e sua equipe falam sobre os desafios de governar Minas Gerais

Ao lado de um time afinado com as ideias de seu partido, o Novo, Romeu Zema promete mudar o jeito de fazer política. Agora eles têm a chance - e o desafio - de mostrar a que vieram

Alessandro Duarte*
Romeu Zema, 54 anos, governador de Minas Gerais, eleito com quase 7 milhões de votos: "Nós surpreendemos na eleição e temos de surpreender com um bom governo. É um peso, claro, mas nada diferente do que enfrentei minha vida toda. Muita gente não acredita, mas tenho dormido muito bem. Deito na cama e durmo, talvez por exaustão" - Foto: Samuel Gê/Encontro
Ao posar para a foto que está na capa desta edição, no heliponto de um edifício comercial de 19 andares na avenida Raja Gabaglia, o governador eleito, Romeu Zema, foi alertado pelo fotógrafo Samuel Gê: "Se o senhor quiser, pode se posicionar mais no meio, não precisa ir muito na beirada, não." Mas o governador não se fez de rogado e aproveitou a oportunidade para ir até o limite, observar a cidade do alto e apontar para a assessora que o acompanhava alguns pontos da capital, inclusive o hotel em que estava hospedado, no Luxemburgo. Depois do resultado avassalador nas urnas, Zema está mesmo mostrando-se destemido. Parece que a eleição do último dia 28 de outubro para governador de Minas Gerais funcionou como uma espécie de elixir que lhe deu força extra. E não é para menos.

Se fosse um filme, a vitória de Romeu Zema teria um roteiro considerado, no mínimo, ousado. Um empresário que nunca havia participado de nenhuma campanha apresenta um desempenho medíocre nas pesquisas até cerca de 10 dias antes do primeiro turno, vai para o segundo turno como favorito e é eleito com mais de 70% dos votos válidos - a maior votação proporcional do Brasil. Não bastasse, ele derrotou dois governadores: o atual, Fernando Pimentel, e um ex, o senador Antonio Anastasia. Mas, para quem acha que o roteiro já deu reviravoltas demais, um aviso: o filme acabou de começar. E as próximas cenas prometem ser ainda mais eletrizantes.
O governador eleito tem a missão não apenas de mostrar que os quase 7 milhões de mineiros que depositaram nas urnas a confiança em seu projeto estavam certos, como também que as ideias liberais de seu partido, o Novo, podem ser aplicadas em outros estados e em nível nacional. Não é exagero afirmar que a gestão de Romeu Zema - que ainda nem começou, frize-se - já é uma vitrine. "Nós surpreendemos na eleição e temos de surpreender com um bom governo", diz Zema. "É um peso, claro, mas nada diferente do que enfrentei minha vida toda. Muita gente não acredita, mas tenho dormido muito bem. Deito na cama e durmo, talvez por exaustão", brinca.

O vice-governador Paulo Brant (no centro), com os deputados Laura Serrano, Tiago Mitraud, Guilherme da Cunha Andrade, Bartô e Lucas Gonzales (da esq. para a dir.): Estado enxuto, incentivo ao empreendedorismo e fim das mordomias - Foto: Samuel Gê/EncontroEntre as bandeiras do Novo estão o equilíbrio nas contas públicas - não se pode gastar mais do que se arrecada -, privatização de tudo o que não seja essencial para o governo, redução da carga de impostos, competitividade na economia e fim das "mordomias" para quem exerce cargos públicos. Tranquilo, espontâneo, gentil e conciliador, com um jeito que transparece estar falando sempre a verdade, Zema sabe que não conseguirá implantar tudo isso logo de cara - e muita coisa nem sairá do plano das ideias, por enquanto. Mas garante que começará dando o exemplo. Rejeita a ideia de morar no Palácio das Mangabeiras e planeja vender ao menos parte da frota aérea que serve ao governador. Seu estilo mais despojado vem chamando a atenção. Gravata, por exemplo, é algo que passa longe de seu visual. "Se depender apenas de mim, prefiro não usar gravata nenhum dia", diz.

Apesar de agora mostrar-se animado com o desafio que está por vir, Zema relutou em aceitar o convite para se candidatar ao governo do estado. Sua primeira resposta foi taxativa: "Não!" Mas a conversa com o presidente do diretório estadual, o empresário do ramo de construção civil Bernardo Santos, o fez começar a pensar se não estava na hora de deixar o conforto de Araxá, no Triângulo Mineiro, para se aventurar na política.
Tinha acabado de sair da presidência executiva do grupo Zema, empresa de 95 anos que atua no setor de varejo de eletrodomésticos, com presença em cerca de 460 cidades mineiras, e na distribuição de combustíveis, e que faturou 4,5 bilhões de reais em 2017. Também avaliou que os filhos, já crescidos - Catharina, de 25 anos, é formada em cinema e mora em Londres; e Domenico, de 22, estuda engenharia civil na Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo (USP) -, não exigiam tanto dele. "Com a crise que fez o Brasil regredir 7,5% enquanto o mundo cresceu 4,5%, entre 2015 e 2016, tive de reduzir meu quadro de funcionários em 2 mil colaboradores (de um total de quase 8 mil). Não podia assistir a isso sem tomar nenhuma atitude." Bernardo conta que outros nomes foram cogitados para assumir a vaga, como o fundador da Localiza, Salim Mattar, e o dono da rede de drogarias Araujo, Modesto Araújo Neto, mas nenhum pôde encarar o desafio. Antes de formalizarem o convite a Zema, fizeram uma rápida pesquisa em Araxá. "Vimos o quanto a família é admirada ali", conta Bernardo. A eleição mostrou que a admiração se converteu em votos. Em Araxá é difícil encontrar algum eleitor que não tenha marcado 30 no segundo turno. Romeu Zema teve 95,6% dos votos válidos na cidade. Um apoio quase unânime.

Paulo Brant, 62 anos, vice-governador eleito: "Costumo dizer que as ideias do partido Novo não são revolucionárias, mas evolucionárias, no sentido de que representam uma evolução do que se vê na política hoje" - Foto: Samuel Gê/EncontroSegundo o cientista político Adriano Gianturco, coordenador do curso de relações internacionais do IBMEC, o fato de Zema vir do interior fez com que ele sofresse certo preconceito no início da campanha.
"Muita gente se perguntava se ele estaria, de fato, preparado para governar o estado", afirma. "Mas as bandeiras do Novo, como não usar o fundo partidário, e o fato de ter ficha limpa se mostraram mais importantes para conquistar o eleitor." A diminuta bancada do Novo na Assembleia Legislativa pode ser um complicador para quem quer mudar o jeito de fazer política. "Precisamos ver como o Zema vai se portar quando chegar a hora de negociar", diz Carlos Vasconcelos Rocha, cientista político da PUC Minas. "Política é discussão, tem de haver embates em torno de uma sociedade que é muito fragmentada e diversa." Em entrevista a Encontro, quando o Novo lançou a candidatura do empresário, em outubro de 2017, ele já previa alguma dificuldade. "Durante a minha vida tive de negociar com bancos, fornecedores e sindicatos. Mas acho que negociar com políticos vai ser pior."

A executiva nacional do Novo está muitíssimo interessada em que a experiência mineira dê certo. Colocou seus quadros à disposição de Zema, inclusive o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, que coordenará as questões econômicas do estado, ainda que sem se envolver diretamente com a Secretaria de Fazenda. Mas ninguém pense que alguma decisão será tomada fora da Cidade Administrativa. "Aqui, quem decide somos eu e o Brant", diz Zema, referindo-se a Paulo Brant, o vice-governador eleito. Ex-diretor do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e secretário de Estado de Cultura no governo Aécio Neves, Brant já havia sido cortejado pelo Novo anteriormente. A ideia do partido era de que ele fosse candidato na eleição para a prefeitura em 2016. Mas a conversa não evoluiu porque ele estava acertado com o então prefeito Marcio Lacerda para sair pelo PSB. "Tinha dado a minha palavra, então nem deixei as negociações avançarem", lembra ele, que se desligou da presidência da empresa produtora de celulose Cenibra para se aventurar na campanha. Pouco antes da oficialização de sua candidatura, no entanto, foi preterido por Lacerda, que apoiou o vice-prefeito, Délio Malheiros. Na época, chegou a se dizer "traído", mas hoje garante que o episódio ficou no passado. "Acho que foi uma atitude incorreta e indevida (de Marcio Lacerda), além de não ter sido leal, mas que já foi superada", diz. "De qualquer maneira, não tenho relação pessoal com Lacerda." Agora, no Novo, está se sentindo em casa. "Costumo dizer que as ideias do partido não são revolucionárias, mas evolucionárias, no sentido de que representam uma evolução do que se vê na política hoje."

Tiago Mitraud, 32 anos, deputado federal eleito com 71.901 votos: "O Legislativo brasileiro é um dos mais caros do mundo e isso não faz sentido quando o país vive um problema social tão grande" - Foto: Samuel Gê/EncontroRomeu Zema diz que Minas Gerais não terá apenas um governador e um vice, mas dois governadores. E Paulo Brant já avisou que não abrirá mão de ser uma voz crítica ao governo. "O poder é muito solitário, então é preciso que alguém, com discrição, lealdade e sinceridade, fale quando achar que algo está errado." Além das ideias, os dois têm em comum a pulseira laranja (cor do partido) que usam no pulso. "É um símbolo para nos fazer lembrar, cotidianamente, os valores do partido", diz Brant. Ele e o governador mostram-se afinados quando o assunto é a necessidade de incentivar os empreendedores. "O Estado tem de ser amigo do empreendedor", afirma Brant. "A política tem de servir para criar oportunidades, e não complicar a vida de quem quer produzir", diz Zema. Governador e vice concordam também que a morosidade na liberação de licenças ambientais é uma trava para novos negócios em Minas. "A resposta pode ser positiva ou negativa, mas tem de vir rápido", diz Brant. O caso da mineradora Samarco é exemplar. Ao completar três anos da tragédia que devastou o distrito de Bento Gonçalves, em Mariana, a empresa ainda não foi autorizada a voltar a operar. "É como se, por causa de um acidente, uma empresa aérea fosse impedida de voar", afirma Zema. Para o governador eleito, as multas têm de ser pagas, as sanções definidas, mas isso não pode impedir a Samarco de funcionar. A retomada das atividades facilitaria, inclusive, o pagamento de indenizações e a recomposição das áreas afetadas. "A cidade está em situação muito delicada por causa da inatividade da empresa", diz Zema. "Farei o que estiver ao meu alcance para que ela volte a operar."

Mas o Novo não tem apenas a vitória de Romeu Zema para comemorar. Em sua primeira eleição nacional, o partido já ultrapassou a chamada cláusula de barreira, dispositivo que limita a atuação de legendas que não alcançaram um percentual mínimo de votos em pelo menos nove estados. O Novo elegeu oito deputados federais em cinco estados. Dois deles vieram de Minas, o administrador de empresas Tiago Mitraud e o empresário do ramo de transportes Lucas Gonzales. Tiago, que foi responsável pela criação dos cursos de liderança e carreira da Fundação Educar, ONG de incentivo à educação criada pelo empresário Jorge Paulo Lemann, teve como uma de suas principais bandeiras o investimento na melhoria da educação básica. No Congresso, pretende lutar também por uma reforma tributária que simplifique a legislação atual e por uma reforma política que contenha os privilégios. "O Legislativo brasileiro é um dos mais caros do mundo, e isso não faz sentido quando o país vive um problema social tão grande", diz. "É preciso haver ainda uma revisão do pacto federativo, para que estados e municípios tenham mais recursos para suas responsabilidades." Lucas, formado em direito e com pós-graduação em gestão empresarial na Fundação Getulio Vargas e na Fundação Dom Cabral, diz que se inspirou no exemplo do vereador Mateus Simões, único representante do Novo na Câmara Municipal, que foi seu professor na faculdade. "Sempre me interessei por política e vi no Novo um abrigo seguro." Ele aposta na máxima de que o exemplo pode fazer a diferença na Câmara, apesar de a bancada ainda ser uma das menores da casa. "Em vez dos 25 assessores a que eu tenho direito, contratarei no máximo 12 e não gastarei mais do que 50% da cota parlamentar", afirma.

Lucas Gonzalez, 29 anos (que tem 2,03 m de altura), deputado federal eleito com 64.022 votos: "Em vez dos 25 assessores a que eu tenho direito, contratarei no máximo 12 e não gastarei mais do que 50% da cota parlamentar" - Foto: Samuel Gê/EncontroNa Assembleia Legislativa, três novas caras prometem fazer barulho em meio aos 77 deputados estaduais. São o advogado Guilherme da Cunha, a economista Laura Serrano e o economista e advogado Bernardo Bartolomeo Moreira, o Bartô. Eles prometem diálogo com os colegas, mas não abrem mão de uma estrutura parlamentar enxuta e de ferramentas de gestão para medir o trabalho dos funcionários públicos. "Temos de implantar métodos de controle e melhoria contínua dos processos. Desburocratizar o que já existe é mais importante do que criar novas leis", diz Laura. "Me dá desespero pensar que os políticos hoje avaliam suas gestões apenas pela quantidade de dinheiro que gastam em algumas áreas", diz Guilherme. O advogado lembra-se de duas visitas que chamaram sua atenção durante a campanha. A primeira foi em um evento de startups, em que o alto custo para se manter uma empresa foi um dos obstáculos citados para investir no Brasil. A segunda, durante uma visita ao Morro do Papagaio, em que viu como os empreendedores informais acabavam se tornando reféns do Estado por causa da burocracia. "Para os grandes empresários, a burocracia é um obstáculo a ser vencido, mas não é o fim da linha. Já para a população mais carente, é questão de vida ou morte. E muitos pequenos negócios são inviabilizados por causa da interferência do Estado." Os novos deputados garantem que Zema não vai barganhar com parlamentares de nenhum partido. "Na eleição o povo mostrou que está querendo mudança. Não acredita mais no modelo anterior de política e está aberto a um novo modelo", afirma Bartô. "E nós representamos esse anseio da sociedade em acabar com o toma lá, dá cá." O vereador Mateus Simões, integrante da equipe de transição do governo que toma posse no dia 1º de janeiro, faz coro: "Não há, absolutamente, espaço para o fisiologismo. Esse tempo já passou. Ainda bem!"

Os desafios são imensos e muitos deles vão se apresentar somente depois da pose, quando a equipe do novo governador ocupar definitivamente os gabinetes do estado. Assim como aconteceu no heliponto citado no início desta reportagem, Zema sabe que, no governo, não pode errar o passo. Qualquer deslize pode fazer desabar muito mais do que uma tentativa de consertar as finanças do estado. Jogará ladeira abaixo os sonhos e a esperança de milhões de brasileiros que hoje torcem por algo realmente novo, aqui representado numa pessoa até pouco tempo completamente desconhecida. Mas que já caiu nas graças de todas as torcidas. Zema, Zema, Zema, estamos todos no mesmo problema.

*Colaborou Rafael Campos.