
Foi pouco antes desse sobrevoo, mais precisamente às 12h28 daquela sexta-feira, que a Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, pertencente à Vale, se rompeu e liberou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos na região - o equivalente a 4,8 mil piscinas olímpicas cheias. O mar de lama correu de forma avassaladora e atingiu em segundos o centro administrativo da empresa e o refeitório, onde, por causa do horário, estavam cerca de 300 empregados, segundo estimativas da Vale. Também foram totalmente engolidas pelo lamaçal diversas casas, plantações, além da pousada Nova Estância, onde estavam os donos, funcionários e hóspedes. A última atualização de vítimas antes do fechamento desta edição contava, segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, 165 mortos resgatados, dos quais 156 identificados, e 160 pessoas ainda desaparecidas. Haviam sido localizadas com vida 393 pessoas.

E é provável, em razão das características desse desastre, que muitos dos corpos nunca sejam localizados. O próprio porta-voz do Corpo de Bombeiros, tenente Pedro Aihara, que se emocionou em frente às câmeras no terceiro dia de buscas ao dizer que todos os seus colegas estavam trabalhando como se fossem as próprias mães e os próprios pais naquela lama, admitiu esse cenário no último dia 5.
Seja por se colocarem no lugar das famílias, seja por um senso de missão, seja mesmo por pura doação ao próximo, as centenas de pessoas envolvidas de alguma forma nos resgates trabalharam incansavelmente, dia e noite, desde o dia 25 de janeiro, no esforço de encontrar sobreviventes. Seguem empenhadas da mesma maneira para que amigos e familiares das vítimas que morreram tenham algum alento e possam se despedir de forma digna. Não é exagero dizer que todos os que estiveram e estão envolvidos nessas buscas, desde os bombeiros de solo até os pilotos, passando pelos voluntários que deixaram suas cidades e suas casas para lavar os uniformes dos militares, cozinhar, transportar pessoas e equipamentos em jipes 4x4 ou cuidar dos animais vitimados, são heróis.

As imagens de militares cobertos de lama, afundados no barro até o pescoço, usando placas de madeira para tentar avançar na área atingida, dão uma ideia dos entraves físicos para o trabalho. Sem a possibilidade de uso de máquinas como retroescavadeiras até mais ou menos uma semana após a tragédia - e por vários dias depois disso, devido ao revés causado pelas chuvas -, ficou apenas a cargo de pessoas (e, mais tarde, cães) adentrar no lamaçal, com apoio visual dos helicópteros. Bombeiros conseguiam se deslocar cerca de 10 metros na lama a cada hora e meia nos primeiros dias de trabalho.
Os uniformes, imundos, não ficariam limpos a tempo dos novos turnos não fosse pelo apoio de voluntários da Convenção Batista Mineira. Cerca de 30 pessoas se revezam em três turnos na lavanderia que eles mesmos montaram (com seis lavadoras, quatro tanquinhos, três secadoras) e que funciona 24 horas por dia. O supervisor de vendas Dredson Aldenys, que é de Ipatinga, chegou no quarto dia após o rompimento e trabalha como voluntário tanto na recepção e entrega dos uniformes quanto na lavagem em si, inclusive durante a madrugada. "Eu vim para trabalhar. Não sou especulador da tragédia, não tenho compartilhado nada disso nas redes sociais. Só quis ajudar de qualquer forma que fosse possível. Não sou enfermeiro, não sou médico. Mas assim eu posso contribuir", afirma.
Também se prontificou a cozinheira Camila de Alcântara, dona de um restaurante na região. Assim que ficou sabendo do rompimento, na sexta-feira, recolheu o estoque que já tinha produzido e montou marmitas para entregar a voluntários e socorristas. Foram 250 só naquele dia. "Desde então nosso restaurante está fechado e trabalhando só para atender essa tragédia. Não vamos parar até que não seja mais necessário", diz.
A ajuda veio de diversos lugares de Minas e do Brasil - também do mundo, com uma delegação de Israel com 136 pessoas tendo atuado por quatro dias no local -, e as pessoas têm ajudado cada uma a sua maneira. Bombeiros civis, inclusive, atuaram na lama nos primeiros dias e foram importantes para resgatar pessoas presas em escombros, em regiões envoltas pela lama. Jorge Luiz de Faria veio de Congonhas e conseguiu ajudar a resgatar um homem de 91 anos com o filho, que estavam ilhados em casa. Não teve a mesma sorte com seu irmão, Carlos Eduardo de Faria. Motorista de caminhão, ele morava em Ibirité e trabalhava em uma prestadora de serviços da Vale. "Era seu último dia de trabalho", diz. A caminhonete do irmão de Jorge foi encontrada perto do refeitório. Sinal, explica o bombeiro civil, de que ele estava almoçando quando o rompimento aconteceu. "Sigo trabalhando, mas acho que minha ficha ainda não caiu."
As vítimas e famílias atingidas pela tragédia foram homenageadas em uma cerimônia no dia 1º de fevereiro. No meio da lama, com placas de madeira permitindo a permanência de alguns bombeiros, policiais e militares de outros estados, foi afixada uma cruz e foram feitas orações e cânticos. Na véspera, o Corpo de Bombeiros pediu que as pessoas que quisessem prestar homenagem levassem rosas até o Batalhão de Operações Aéreas. Chegaram caixas e até vans com flores, e um mutirão foi montado para que elas fossem despetaladas, uma a uma. Capitão Gleber Penido, há 14 anos na aviação dos bombeiros e um dos militares empenhados nas buscas, pilotou um dos 10 helicópteros que participaram da homenagem, soltando as pétalas no local do desastre. "O pesar é de todos nós. É uma honra poder prestar meu respeito", afirma. Pessoas como capitão Penido, Jorge de Faria, Dredson Aldenys, major Karla Lessa, entre as centenas que se envolveram nos resgates, tornaram-se símbolos de um sentimento que tem alentado minimamente os brasileiros após essa tragédia tão desoladora: a coragem e a solidariedade que o nosso povo é capaz de demonstrar em momentos de tamanha dor para todo o país.
Karla Lessa - Major do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais

O desempenho da piloto foi elogiado por especialistas e a população a adotou como um dos símbolos dessa rede de doação e coragem que tomou conta de Brumadinho após a tragédia. A primeira mulher comandante de helicóptero de bombeiros militares do Brasil tem recebido cartas, mensagens, ligações. Uma senhora de 82 anos ligou para agradecê-la, parabenizá-la e convidá-la para passar férias em Resende (RJ), onde mora. "Estresse pós-traumático é algo sério, e os agradecimentos certamente contribuem para nossa saúde mental, para conseguirmos absorver esse impacto emocional, psicológico, sem deixar que influencie nossa resposta na missão", diz.
Jorge Luiz de Faria - Bombeiro civil

Pedro Aihara - Tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais

Dredson Aldenys - Voluntário

Selmo de Andrade - Subtenente do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais

Gladys de Sousa - Voluntária

para um novo dia de trabalho.
Gleber Penido - Capitão Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais

Gustavo Rodrigues Santos de Souza - Bombeiro civil

Sempre quis ser bombeiro, desde criança, e aparentava estar seguro e bastante focado em meio ao caos. "Quando cheguei, devo admitir que fiquei impressionado, porque não é a mesma coisa de ver pela TV. Mas essa é a profissão que eu escolhi, tinha ciência de que eu me depararia com situações como essa", diz. Assim que ficou sabendo do rompimento da barragem, prontificou-se para deixar sua cidade e ir ajudar. "Não é difícil eu gastar um pouco do meu tempo para dar um apoio aqui em Minas. Vou ficar aqui o quanto precisar."
Ilma Cândida dos Reis - Voluntária

Wilson Júnior - Voluntário

Colaborou Rafael Campos