Quem acompanhava, no Instagram, imagens de Júlia Horta nas praias do Rio de Janeiro, no parque Hopi Hari, no interior de São Paulo, ou em pontos turísticos de Nova York, notou uma mudança drástica no perfil de sua timeline nas últimas semanas. “Não tenho como colocar em palavras a gratidão que estou sentindo. Esse título não é só meu, mas de todas as mulheres”, disse a jornalista juiz-forana, de 24 anos, em seu primeiro vídeo usando a coroa em ouro branco, cravejada de pedras preciosas, avaliada em 52 mil reais. A joia representa a coroação de Júlia como Miss Brasil, no dia 9 de março – feito que carimbou seu passaporte para disputar o Miss Universo 2019, no final do ano.
Antes, com os seus 80 mil seguidores, Júlia, que já era uma influenciadora digital, viu bombar o seu perfil na rede social. Atualmente, mais de 330 mil pessoas acompanham diariamente sua frenética rotina de compromissos. Em outras palavras, agora, os súditos mineiros podem saber como é a preparação e a agenda de sua miss, em detalhes. A última vez em que o estado teve uma mulher nesse posto foi em 2010, quando Débora Moura Lyra (que, na verdade, é capixaba) venceu a disputa pelo estado. Naquele ano, o Instagram tinha acabado de surgir e ainda engatinhava essa tendência, tão forte, hoje, de exposição da vida pessoal.
Júlia ganha seguidores e fãs (e provavelmente, também haters) a passos largos, como é inevitável após a conquista do título de mulher mais bonita do Brasil. Os posts elogiosos à beleza da mineira são de todo tipo, mas chama a atenção a quantidade de mulheres de olho no seu corte de cabelo. É o caso de uma de suas fãs, que escreveu que a modelo havia dado início à “revolução dos curtinhos”.
E não foram apenas as seguidoras de Júlia que aprovaram o look. A mineira Natália Guimarães, Miss Brasil 2007, integrante do corpo de jurados que elegeu Júlia, afirma que o estilo da juiz-forana foi decisivo na conquista do título. “Ela tem um corte de cabelo diferente de todas as demais e que passa a impressão de segurança, demonstra força, dinamismo. Uma imagem impactante”, diz. Débora Lyra, que recebeu a coroa de Miss Brasil em 2010, concorda que Júlia passou a impressão de extrema confiança, característica que vale muito numa disputa como essa. “A parte do psicológico pode ajudar ou atrapalhar. E melhor do que se comparar com as demais é se preocupar consigo mesma. A maior concorrente que você tem é você”, afirma.
Os fãs podem até falar que Júlia está dando início a uma “revolução dos curtinhos”, mas quem conhece ou segue a moça pelas redes sociais há mais tempo nota que ela está preocupada mesmo com outros tipos de batalha: contra o machismo, o feminicídio e pela igualdade entre os gêneros. Trata-se de uma miss que, a exemplo do que o próprio concurso apresentou na edição de 2019, faz questão de tocar em temas nada glamurosos.
Feminista de carteirinha, Júlia sempre lembra, em seus inúmeros posts nas redes sociais, nos vídeos de divulgação do Miss Brasil e em seu canal no YouTube, a importância do termo “sororidade”, que significa a união de mulheres em prol de objetivos comuns. “Nós temos o potencial de causar a maior revolução de sororidade desse mundo”, disse, em seu primeiro post de agradecimento. Ao destacar essa palavra, mostra ao Brasil e ao mundo que deseja distanciar-se daquele velho estereótipo de que as misses são apenas rostinhos bonitos e que querem puxar o tapete umas das outras. “Apesar de ainda ser um concurso de beleza, o objetivo não é eleger a menina que tem a cintura mais fina ou o rosto mais bonito”, explica ela, que falou a Encontro entre seus vários compromissos pós-título. Para Júlia, o Miss Brasil tem também o objetivo de empoderar mulheres e permitir que elas empoderem as demais. Ela garante que ser feminista não é incompatível com querer participar de concursos de beleza. “Espero que, durante esse reinado, mais do que me preparar para o Miss Universo, eu consiga ser uma voz ativa para influenciar as pessoas de maneira positiva”, diz. “Não ganhei esse título só para mim. Eu quero mesmo é fazer a diferença”.
Ao contrário de muitas meninas desse universo de miss, Júlia não começou a participar de eventos da área ainda novinha. Sempre gostou de ver concursos pela TV, mas não achava que eram para ela. Pensava que essa ideia de Miss Minas Gerais, Miss Brasil, Miss Universo era algo distante, impossível. Quando criança, conta que não era menininha delicada, mas sim arteira, moleca, comunicativa e que adorava dançar no meio da rua. Quando terminou o ensino médio, decidiu fazer jornalismo, que cursou na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Ela já fazia alguns trabalhos como modelo quando chamou a atenção de um coordenador do Minas Gerais – Concurso Nacional de Beleza (CNB). Aceitou seu convite para participar do evento, disputou e ganhou a faixa representando sua cidade-natal, em 2014. No ano seguinte, desfilou em novo concurso, o Miss Mundo CNB, mas ficou apenas em quinto lugar. “Naquela edição, senti que se tivesse me preparado teria me saído melhor”, lembra. Assim fez. Em 2017, no mesmo Miss Mundo CNB, ficou em terceiro, posto que lhe deu a oportunidade de disputar eventos fora do país, como o Reinado Internacional do Café, na Colômbia, em que foi vice-campeã, e o Miss Turismo Internacional, na Malásia, quando ficou em quinto lugar.
Depois do concurso em terras asiáticas, Júlia achou que sua missão nas passarelas havia se encerrado. Ledo engano. “Quando vi a Mayra Dias, que tem uma trajetória muito parecida com a minha, vencer o Miss Brasil 2018, fiquei motivada em participar”, afirma. Para isso, precisava da faixa de Miss Minas Gerais, que levou em 18 de fevereiro deste ano, menos de um mês antes da disputa nacional. A mãe de Júlia, a professora de gestão de pessoas Patrícia Horta diz que antes de a filha iniciar no universo dos concursos de beleza, achou prudente lhe fazer alguns alertas. “Disse a ela que a rotina poderia mudar de maneira drástica”, conta. “Mas eu quero que mude”, respondeu a filha, determinada. A partir daí, Patrícia diz que ela e toda a família passaram a apoiá-la 100%. “O sonho é dela, mas sonhamos juntos”, afirma.
O jornalista e roteirista Ricky Hiraoka foi um dos jurados da etapa nacional que se surpreenderam com a presença de Júlia na passarela. “Não a conhecia antes do concurso. De cara, confesso que não me chamou tanta atenção. Mas, logo no começo do desfile, minha opinião mudou”, conta. “Ela entrou com energia para ganhar. Tem um carisma muito grande”, diz Ricky, para quem a juiz-forana levou o título por atributos que ultrapassam o físico. “Não dá para ficar indiferente a ela.”
A diretora geral do Miss Brasil 2019, Karina Ades, diz que Júlia “tem exatamente o perfil que desejávamos”. De acordo com Karina, o perfil do concurso, que foi criado em 1954, mudou bastante ao longo dos anos. Em outras palavras, não é mais ditado por medidas ou padrões de beleza. O ar blasé ou a superficialidade nos discursos, características que imperavam em concursos passados, parecem ter dado lugar a candidatas com opiniões mais embasadas. “Nós nos atualizamos. Entendemos que a beleza está intimamente conectada com a maneira como nos comunicamos e nos expressamos”, afirma Karina.
Logo após a final do Miss Brasil, Júlia se mudou para São Paulo, onde iniciou a preparação para o tão esperado Miss Universo, que ainda não tem data ou local confirmados. Natália Guimarães, que foi vice no concurso em 2007, destaca que a comunicação é item essencial na etapa mundial e isso Júlia tem de sobra. Entre os diversos compromissos para aprimorar-se o máximo possível até lá, Júlia diz que espera, principalmente, melhorar o desfile. “Quero que ele seja mais impactante.”
Com a juiz-forana, os súditos mineiros e brasileiros esperam que seja quebrado o jejum de 50 anos de brasileiras no posto mais alto da beleza mundial (as duas únicas vencedoras do país foram a gaúcha Iêda Maria Vargas, em 1963, e a baiana Martha Vasconcellos, em 1968) e torcem pela primeira mineira a ganhar o título. Em relação ao seu Instagram, se o tabu for dissipado, o número de seguidores também deve alcançar a casa dos milhões.
Mineiras coroadas
Conheça as três últimas Miss Minas Gerais a conquistar o título nacional antes de Júlia Horta
Débora Lyra
Miss Brasil 2010
Onde nasceu: Vila Velha (ES) [mas concorreu por Minas Gerais, onde morou por alguns anos]
Idade: 29 anos
Débora conta que sua vida mudou totalmente após ganhar o concurso, desde a profissão até a forma como encara a vida e as pessoas. “Sou uma pessoa melhor desde então.” Era seu sonho desde os 12 anos ser Miss Brasil. “Então, trabalhei por oito anos pela faixa e pela coroa. Mas não parei depois do concurso, continuei participando, porque amo esse ‘mundo miss’. Só não posso mais competir por causa da idade”, afirma. Hoje, é modelo, palestrante e empreendedora.
Natália Guimarães
Miss Brasil 2007
Onde nasceu: Juiz de Fora
Idade: 34 anos
Ao contrário de outras ganhadoras, que viam o título de Miss Brasil já como objetivo, Natália encarou a coroa como uma porta para uma longa estrada. “Eu sabia que minha vida ia mudar, mas isso dependia de mim, do meu esforço”, afirma. No mundo dos concursos de beleza, ficou em segundo no Miss Universo. Ela também fez novelas e séries de TV. Depois, enveredou para o jornalismo e foi apresentadora e repórter. Hoje, entre outras atividades, tem um curso on-line para interessadas em tornar-se modelos e misses.
Nayla Micherif
Miss Brasil 1997
Onde nasceu: Ubá
Idade: 42 anos
Nayla não apenas ganhou o Miss Brasil, como atuou na direção e apresentação do concurso por 12 anos. “Tive a oportunidade de conhecer lugares e pessoas que, talvez, sem o título, não conhecesse, além da chance, como diretora, de realizar o sonho de outras 12 meninas”, afirma. Ela diz que o concurso vem se modernizando, mas que sua essência não pode se perder. “As torcidas pelas meninas de cada estado, o lado social e o mote da beleza com propósito precisam se manter”, diz. Desde que saiu da organização do evento, Nayla tem se dedicado à filantropia.