Discreta, avessa a dar entrevistas e a falar de seu passado, Dona Dalva não poupa palavras quando o assunto é o pão de queijo e como a qualidade do produto é ponto inegociável na empresa fundada pela família. Lembra com precisão de quando, ainda no princípio do negócio, no início da década de 1990, foi junto com o filho Helder Mendonça, sócio-fundador e CEO da empresa, para a Itália - com polvilho, queijo e demais ingredientes na mala - para fazer a receita diante de um fornecedor de maquinário. O intuito era mostrar quais eram as especificidades da feitura do pão de queijo, para que pudessem encontrar máquinas adaptáveis à produção da iguaria mineira. "Não havia no mercado equipamentos que servissem para nós, para um produto sem a liga da farinha de trigo, com o tanto de queijo que é usado na receita", diz dona Dalva. "Tivemos de ir desenvolvendo o maquinário com o tempo, à medida que a produção manual não dava mais conta da demanda." Tamanho era o preciosismo e o carinho pelo produto e pela marca criados em 1990, que Dona Dalva ficava ofendidíssima, conta Helder, quando, após a venda do negócio para a multinacional americana General Mills, em 1999, alguém dizia que o pão de queijo já não era mais o mesmo, e que havia sido uma esperteza a família ter vendido a empresa, mas não a receita da quitanda. "Ela sempre respondia que não tinha nada disso", diz Helder. "Que foi a General Mills quem escolheu alterar a produção."
Duas semanas depois dessa ligação, surgiu a oportunidade de recompra e todos os sócios originais pularam dentro. O desafio era enorme, mas a paixão pela marca, maior ainda. E, claro, considerando-se que foi aceito pela multinacional o valor proposto para a reaquisição, uma oportunidade e tanto de negócio. O quanto a família embolsou com a venda não é divulgado, mas estimativas do mercado dão conta que foram cerca de 80 milhões de reais. E a recompra saiu por menos de 20% disso. Segundo Helder, a proposta foi baseada em avaliação do valor da infraestrutura, pois, se eles haviam vendido um negócio, estavam comprando de volta apenas marca e ativos. "Lá em 1999, na compra da Forno de Minas pela Pillsbury , a negociação havia sido muito longa, cerca de um ano, com inúmeras reuniões, encontros em São Paulo, para onde eu ia várias vezes ao mês. O contrato tinha 400 páginas, passamos seis horas assinando", lembra. "Na recompra, 10 anos depois, o processo todo durou duas semanas e foi feito quase exclusivamente por e-mail. Só vimos alguém da empresa no dia da entrega simbólica das chaves", completa.
Segundo dona Dalva, se havia sido extremamente difícil criar um negócio do zero, sem maquinário apropriado, com desafios em relação à matéria-prima principal (os queijos de leite cru não podiam ser usados, por critérios da Anvisa), entre outras questões normais do trajeto de novos empreendimentos, retomá-lo foi mil vezes mais complicado. Afinal, ao começar do zero, o crescimento das despesas acompanhava mais ou menos o aumento da demanda. Já no caso da recompra da fábrica, o custo fixo era o de uma empresa em pleno funcionamento, mas os lucros, não. Operaram dois anos no vermelho, para só então, por volta de 2012, retomar, devagar, uma curva de crescimento. "Começamos a fazer um produto mais caro, com mais queijo, mas sem repassar parte desse aumento de preço aos clientes, apostando que eles retornariam e, assim, recuperaríamos nossa margem", conta Vicente.
Hélida lembra que a primeira campanha publicitária que fizeram após o retorno tinha como mote "ele voltou", justamente para ressaltar que o Forno de Minas tinha retornado às origens. "Tivemos muita mídia espontânea, pessoas que nos abraçaram, ficaram felizes com a novidade. Até tese sobre o case da compra reversa foi defendida. Nós não tínhamos ideia desse reconhecimento até o nosso retorno", lembra ela, emocionada. "Viemos do interior, não éramos preparados para esse tipo de empreendimento… Tudo o que conquistamos, acho que veio da garra da minha mãe."
Mais tarde, na década de 1980, já tinha uma imobiliária própria, mas a economia brasileira não ajudava e, com a inflação nas alturas e o confisco das poupanças pelo então presidente Collor, nem seu negócio nem o de seu filho Helder (uma concessionária de automóveis), na época já formado em administração, davam a segurança necessária naquele cenário. Foi quando o filho teve a ideia de comercializar os pães de queijo que a mãe nunca tinha deixado de fazer para familiares e amigos, na forma de produtos congelados - inspirado pelo hábito de consumo nos Estados Unidos, onde havia passado um ano estudando. A filha Hélida, psicóloga, que dava aulas de inglês e atendia crianças e adolescentes em consultório, também topou a empreitada. Seu irmão ficaria responsável pelo "empreendedorismo" do negócio; a mãe, pela qualidade do produto. Ela, pela gestão e recursos humanos. Em seguida, entrou na sociedade o engenheiro de alimentos Vicente Camiloti, que ficou responsável pela área comercial.
Durante os 10 anos em que estiveram fora da Forno, os sócios criaram uma holding com diversos empreendimentos: mantiveram o laticínio Leiteria de Minas, que continuou fornecendo para a empresa-mãe, investiram na construção de shopping centers, empresas de tecnologia, estacionamentos, entre outros. Dona Dalva, por sua vez, cursou paisagismo, curtiu os netos, apoiou Hérica no doutorado na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e esteve ao lado de Haida enquanto ela também empreendia. Pode-se dizer que a vida estava boa, e os sócios são unânimes em afirmar que não imaginariam voltar ao mundo do pão de queijo, até a tal ligação durante o temaki. Se Helder e Vicente foram mais racionais, avaliando custos e benefícios, dona Dalva e Hélida incluíram mais sentimento e emoção na decisão. Serena em relação à trajetória pouco comum no mundo dos negócios, Hélida fala do primeiro pulo para dentro do barco, quando desistiu da psicologia e das aulas de inglês para fundar a Forno, da mesma maneira quando da recompra da empresa, em 2009: "Tudo na vida pode dar certo ou errado, o que varia é se você quer correr o risco. Se você acredita, tem de tentar. Porque, dando certo ou não, pelo menos você sabe que tentou".
No projeto de internacionalização, ganharam um bom aliado no ano passado. Ao fim do prazo de permanência do fundo da Bozano, procuraram novas parcerias estratégicas e, desde 2018, estão em sociedade com a multinacional canadense McCain. Também de origem familiar (está na terceira geração), líder global no setor de batatas pré-fritas congeladas, ela fatura mais de 23 bilhões de reais por ano e tem 53 fábricas pelo mundo, além de presença em mais de 150 países. A multinacional passou a deter 49% das ações da Forno de Minas. "É uma empresa familiar, de congelados, tem muito a ver conosco", diz Helder. "É uma parceria que vai ajudar na internacionalização, pode nos abrir portas." No ano passado, as exportações responderam por 7% do negócio e a expectativa é de que esse número chegue a 20% nos próximos quatro ou cinco anos. "Acreditamos muito que o pão de queijo tem potencial de ser um produto global", afirma.
Para o consultor e professor assistente da Fundação Dom Cabral, Eduardo Veras, um bom sócio-investidor é aquele que procura preservar as características que fazem da empresa o que ela é, seus diferenciais competitivos. Na ocasião da venda para a General Mills, Eduardo avalia que a multinacional deixou passar, ou não achou que fossem relevantes, a gestão muito próxima dos sócios originais e a maneira quase artesanal de feitura do pão de queijo. "Essas vantagens competitivas se perderam e o produto virou apenas mais um", diz. Já no caso da sociedade com a McCain, em que os sócios se mantiveram no controle, acredita que o cenário será bem diferente: "A decisão pode ser vista, inclusive, como um aprendizado frente ao episódio anterior, da General Mills", afirma.
No ano passado, a Forno de Minas comemorou um faturamento recorde de 388 milhões de reais, mais de quatro vezes o apurado na época da recompra. O número de funcionários saltou de 600, em 1999, para 1.200, no ano passado, e a produção, de 19.200 toneladas para 25 mil toneladas. E o objetivo é claro: continuar a crescer. Com um investimento de cerca de 60 milhões de reais para os próximos três anos, a empresa está na primeira fase de um plano de expansão. Antes mesmo desse aporte, os sócios compraram um terreno para dobrar a área em que está instalada a fábrica. Agora, vão ampliar a câmara fria para permitir maior volume de armazenagem - não só para os produtos da Forno, mas também os da McCain, que distribuirão em Minas -, além de expandir a área de estoque e criar linhas de novos produtos. Há também grandes planos de comemoração dos 30 anos da empresa, que começam neste mês de julho e vão até julho do ano que vem. Hélida está lançando um livro sobre a história da Forno de Minas, e há projetos para o lançamento de um pão de queijo especial, com a receita mais queridinha de Dona Dalva, exatamente aquela que fazia ainda na época da fazenda em João Pinheiro. Claro, com o selo de aprovação da guardiã da qualidade.
Recuperação impressionante
Os números do ano da venda da empresa para a multinacional estrangeira, do ano da recompra e do ano passado mostram a importância dos fundadores nos negócios da Forno de Minas
Os números do ano da venda da empresa para a multinacional estrangeira, do ano da recompra e do ano passado mostram a importância dos fundadores nos negócios da Forno de Minas
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*Leia também na edição impressa (nº 217) de Encontro