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Monge Anselm Grün fala sobre práticas para se viver bem

Sucesso editorial no Brasil, ele diz que é importante aceitar nossas limitações e praticar bons hábitos como um caminho para a felicidade


postado em 21/02/2020 17:11

Monge Anselm Grün:
Monge Anselm Grün: "É importante recuperar a cultura de saber ouvir. Assim eu vou perceber que os outros têm razões, têm motivos para pensar de uma determinada forma" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Autor de mais de 100 livros traduzidos no Brasil - entre eles o best seller O Céu Começa em Você - o monge alemão Anselm Grün esteve em Belo Horizonte onde falou sobre felicidade, redes sociais, meditação e boas práticas para viver bem. Depois de palestras na PUC Minas e no espaço Convivium Emaus, para uma plateia de professores, religiosos e estudantes, Grün conversou com Encontro. Monge beneditino há 55 anos, o doutor em teologia está sempre com seu hábito preto, longas barbas brancas e um sorriso que transmite calma. Em um mundo tão corrido, um passo para a felicidade, segundo Grün, está em abraçar nossas limitações. A vida, afinal, é um conjunto de acertos e aprendizados, não é feita apenas de sucessos.  Atitudes aparentemente simples, como começar o dia com um ritual, também podem trazer ótimos resultados. Não viver somente de expectativas, mas aprender a ser grato pelo passado são algumas das reflexões que o monge costuma dividir com os seus seguidores.

1) ENCONTRO - O combate ao suicídio é um tema que ganha cada vez mais relevância (o mês de setembro é, inclusive, dedicado a isso). Como o senhor avalia o crescimento dos casos, principalmente  entre os jovens?

Existem muitos motivos, um deles são as redes sociais que colocam altas expectativas nas pessoas, mostrando uma vida de sucesso, uma vida muito boa. Quando os mais jovens percebem que não é fácil ter essa vida bem sucedida, que as coisas são difíceis, quando caem em si que são apenas medianos, não conseguem superar o fato de não verem realizado tudo aquilo que é posto como expectativa. Um outro motivo que leva ao desespero é a crença de que não se pode perder. Quando alguém perde algo, logo se acha fracassado e acaba entregando a vida. É importante vermos que essa não é toda a realidade, a vida não é só composta de sucessos.

2) E qual é o caminho para alcançar essa aceitação?

É importante compreender que nós somos seres limitados e eu devo me acolher a partir dessa realidade: eu sou uma pessoa que tem limitações. É importante sabermos que pertence à vida  saber despedir-se de ilusões, temos de ser transparentes quanto a isso.  As oito bem aventuranças que Jesus  nos fala são bons exemplo. Dentre elas estão coisas que não são um sucesso. É importante sabermos que após passarmos por uma crise seremos uma pessoa com ainda mais valor.

3) E como as famílias podem conduzir as crises?

Eu diria aos pais que em momentos de crise eles não devem ter medo do pensamento dos seus filhos. Eles precisam encontrar uma relação marcada pela esperança. Os filhos, quando são jovens, percebem claramente quando estão em crise e os pais entram em pânico, o que piora a situação. Ao perceber o pânico, os filhos pensam: se os meus pais não conseguem lidar com essa situação difícil, como eu vou lidar? Então é muito importante que os pais mantenham a calma, para não transmitirem aos jovens a ideia de que quando estão doentes ou com algum problema, eles causam preocupações. É preciso transmitir o sentimento de que as mágoas podem ser transformadas em pérolas.

4) O que fazer para buscar uma vida feliz?

Essa é uma questão de atitude interior.  Precisamos olhar para nós mesmos e sermos gratos por aquilo que somos, pelo caminho que já construímos, não só pensar nas expectativas, mas naquilo que já foi feito, ter uma atitude de gratidão por tudo que já foi vivido. Uma segunda atitude importante são os rituais. Fazer um ritual  diário nos ajuda a viver melhor, mostra que estamos aqui, presentes, nos ajuda a criar um ritmo próprio, a colocar a nossa vida em ordem.

5) De qual maneira essa harmonia dos rituais pode nos ajudar?

Muitos adultos se sentem vítimas da vida. Eles mesmos se colocam para baixo. Através dos rituais eu consigo sair do papel de vitima e organizar minha vida. Sair desse papel que eu estava assumindo para começar o dia de uma forma diferente, com uma postura nova.  Uma boa forma é adquirir o hábito de começar o dia com uma oração. É como dizer a nós mesmos: eu vou viver esse dia como um dia que me pertence. Durante a manhã, se eu faço um gesto de benção, eu entro em um dia abençoado por mim mesmo, já vou com outra atitude, com mais esperança para dentro desse momento que eu estou começando a viver.

6) Qual papel a meditação desempenha na busca por uma vida com mais harmonia?

A meditação em si é algo que sempre nos ajuda a viver melhor. No caso da meditação cristã, ela nos leva a perceber que somos alguém amado por Deus. A meditação também nos traz para nós mesmos. Se eu não estou em mim mesmo eu sou guiado sempre pelos outros, quem dita o ritmo são os outros. Eu diria que a meditação é um bom caminho, mas não se pode imaginar que seria para todos, há pessoas que não têm esse hábito. Existem muitos caminhos para sentir a presença de Deus, se sentir abençoado: tem pessoas que rezam o terço, fazem adoração. O importante é ter um caminho para experimentar essa proximidade com Deus.

7) Atualmente existem práticas meditativas para aumentar o foco e a produtividade. Esses modelos também são válidos?

Existem muitos tipos de meditação. Na tradição cristã há um longo pensamento sobre a prática, ao inspirar, dizemos senhor tende piedade de nós, ao expirar, senhor tende piedade de nós.  Essa é uma meditação com um conteúdo cristão. Mas se eu pratico simplesmente para ter mais resultados eu estou instrumentalizando a prática, usando a meditação para um propósito errado.

8) Vivemos um momento de tensão no Brasil, com ideias polarizadas e diálogo difícil. É possível a paz mesmo entre pensamentos opostos?

São duas coisas. Essa divisão, essas tensões são coisas que estão mais no pensamento, na emoção. Então, nós temos de perceber que somos mais unidos do que isso. Uma segunda coisa é conseguir ouvir a opinião do outro. Em uma situação de divisão, geralmente parto do principio que eu tenho razão e preciso combater o outro. É importante recuperar a cultura de saber ouvir. Assim eu vou perceber que os outros têm razões, têm motivos para pensar de uma determinada forma. Quando aprendemos a ouvir voltamos a ter a opção de dialogar. Daí podemos conseguir um espaço comum, mesmo sendo diferentes. Porque somos diferentes.

9) Qual a virtude falta a nossa sociedade?

Uma pequena pausa... O que falta na sociedade é a esperança. Os cristãos têm uma grande tarefa de transmitir a esperança.

10) E qual é o sentido da vida?

O sentido não é algo que exista. Nós devemos dar o sentido para nossa vida. No meu caso, busco ser transparente para o meu Cristo e libertado do meu ego.  Quero transmitir esperança por meio do meu trabalho. 

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