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Como escolas e colégios de BH planejam volta às aulas presenciais

Apesar de ainda não haver prazo ou protocolo oficial para retorno do ensino em sala, instituições particulares já se mobilizam e pesquisam experiências de fora


postado em 22/07/2020 23:03 / atualizado em 22/07/2020 23:03

Ensino para estudantes presentes e on-line: países que já retornaram às aulas investem em modelos híbridos(foto: Shutterstock)
Ensino para estudantes presentes e on-line: países que já retornaram às aulas investem em modelos híbridos (foto: Shutterstock)
Para quem está no Brasil, o retorno das atividades escolares, por enquanto, ainda tem no imaginário crianças com bonés de réguas na cabeça, filas demarcadas nas entradas dos colégios com totens ejetando álcool em gel e professores de coletes com avisos pedindo distância mínima de 1,5 metro. Essas são algumas das alternativas criadas por escolas de outros países no retorno às aulas na pandemia - e cujas imagens, vídeos e fotos têm chegado por aqui. Até o fechamento da edição, as escolas brasileiras ainda não estavam de volta com aulas presenciais, ou seja, não sabemos como serão as experiências locais com os estudantes e professores dentro de sala de aula, espaço inabitado há mais de 100 dias.

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O debate sobre o retorno no ensino presencial nem era questão nos primeiros meses, devido ao potencial de contágio nos ambientes escolares. O poder público, em diversos estados, começou a sinalizar prazos e falar de protocolos de retorno há pouco tempo. Na segunda quinzena de junho, o governo do estado de São Paulo, por exemplo, anunciou uma data referência e o plano para o retorno por lá (inicialmente marcado para setembro, para todas as séries). Em Minas, não foi determinada a data de volta, mas as instituições particulares têm se mexido para adiantar, o quanto possível, o preparo para o retorno. Afinal, a adaptação do espaço físico, da grade de aulas e da dinâmica das pessoas no ambiente, bem como a orientação de toda a comunidade escolar, não é nada simples.

As instituições devem se preocupar com o aspecto psicológico do retorno para uma escola que não será a mesma deixada em março passado pelos alunos, segundo Irmão Raimundo, diretor-presidente da Rede Jesuíta de Educação, da qual faz parte o Loyola:
As instituições devem se preocupar com o aspecto psicológico do retorno para uma escola que não será a mesma deixada em março passado pelos alunos, segundo Irmão Raimundo, diretor-presidente da Rede Jesuíta de Educação, da qual faz parte o Loyola: "O cuidado com as pessoas é a nossa principal preocupação no retorno, e teremos estratégias de acolhimento com programas focados no bem-estar e no fortalecimento da autoestima e da segurança" (foto: Fabiano Aguiar Fotografia/Divulgação)
Além do diálogo com as demais escolas por meio de grupos de discussão e via sindicatos, as instituições têm se baseado em experiências do exterior para analisar o que melhor pode ser adequado para a realidade de cada uma. Cada país tem feito a reabertura de uma maneira, com regras específicas e, em muitos casos, até contrárias. Em algumas instituições, os alunos mais novos voltaram antes; em outros, ainda não voltaram. Em certos países, crianças têm precisado evitar contato físico; em outros, isso não tem sido exigido.

Além de protocolos-padrão, a serem seguidos por todas as instituições do estado ou da cidade, há questões muito específicas de cada escola, considerando seu porte, estrutura, proposta, faixas etárias atendidas. "Uma coisa é estar autorizada a abrir. Outra é a escola estar preparada", diz a diretora-geral da escola internacional Fundação Torino, Márcia Naves, que recebeu do ministério da educação italiano o protocolo desenvolvido por lá, para estudar a volta presencial da instituição. "Em todos os protocolos a que tivemos acesso, fala-se de autonomia da escola, que conhece seu público, e isso deve ser respeitado", afirma.

Um dos principais pontos de atenção das instituições é o fato de que muito provavelmente nem todos os alunos irão voltar ao mesmo tempo. Isso tem como objetivo evitar contato próximo entre estudantes e professores. Ademais, nem todos os pais irão mandar os filhos na primeira leva, já que alguns podem ser de grupos de risco ou morar com pessoas que façam parte desses grupos. Sendo assim, muitas escolas estão se adaptando para trabalhar em modelo híbrido, em que as aulas são dadas a quem estiver na escola e também a quem estiver em casa.

Faculdades particulares têm seguido com atividades de forma remota, como o vestibular da Faculdade Arnaldo, que está sendo feito à distância, segundo o diretor executivo João Guilherme Porto:
Faculdades particulares têm seguido com atividades de forma remota, como o vestibular da Faculdade Arnaldo, que está sendo feito à distância, segundo o diretor executivo João Guilherme Porto: "Temos dito que não é necessário adiar o sonho do ensino superior" (foto: Divulgação)
A logística não é simples para garantir acesso apropriado nas duas modalidades ao mesmo tempo - e, em termos de conteúdo programático, talvez seja preciso repensar as formas e o volume de matéria a ser passado até o fim do ano. "Estamos pensando em como nos organizarmos para termos parte presencial e parte remota, com projetos e atividades monitoradas pelo professor à distância. Vamos eleger, então, conteúdos em que a presença do professor seja fundamental", explica Edna Roriz, diretora da escola de mesmo nome. "Estou trabalhando em criar um projeto pedagógico totalmente novo para seguirmos este ano e no próximo, enxugando o que for possível em conteúdo, colocando certos temas como transversais, até que as coisas se normalizem", explica. O Loyola, segundo Irmão Raimundo Barros, diretor-presidente da Rede Jesuíta de Educação, tem readequado o planejamento curricular do ano, buscando focar na essencialidade de cada disciplina e em novos processos avaliativos. "Afinal, mais importante do que apresentar todo o conteúdo é aferir que houve a aprendizagem", diz.

Outro ponto se refere ao retorno por faixa etária. Há especialistas que defendem a volta primeiro dos mais velhos, tanto por sua maior capacidade de compreensão de protocolos quanto pela questão da finalização do ensino de segundo grau e ingresso na faculdade. Para outros, as crianças pequenas são as que devem retornar primeiro, pois sua presença na escola não diz respeito tanto a conteúdos curriculares, mas sim ao próprio desenvolvimento (que continua acontecendo durante a pandemia) - além da dificuldade dos pais que têm tido, gradativamente, que retornar ao trabalho presencial. Existe, ainda, o cenário de retorno concomitante dos dois extremos, e só depois das séries "intermediárias". Ou até a volta de todas as séries ao mesmo tempo.

Algumas orientações têm sido comuns à grande maioria de protocolos, por isso, há escolas que já começaram a fazer adaptações estruturais, como mudanças do espaço físico das salas e refeitórios, bem como iniciaram a compra de itens que serão usados no dia a dia - de dispensers de álcool em gel até cabines de acrílico. No Colégio Sagrado Coração de Maria, por exemplo, já foram adquiridos tapetes sanitizantes, termômetros e tótens que dispensam álcool em gel com o toque pelo pé. "Vamos escalonar horários de entrada e saída, administrar horários de recreio, criando rotinas e treinando os funcionários, e estamos trabalhando com a equipe pedagógica no estudo sobre o distanciamento em sala", afirma o diretor, Fernando França Monteiro de Barros.

O Colégio Sagrado Coração de Maria já se adiantou e adquiriu tapetes sanitizantes, máscaras, termômetros e tótens que dispensam álcool gel com o toque pelo pé:
O Colégio Sagrado Coração de Maria já se adiantou e adquiriu tapetes sanitizantes, máscaras, termômetros e tótens que dispensam álcool gel com o toque pelo pé: "Vamos escalonar horários de entrada e saída, administrar horários de recreio, criando rotinas e treinando os funcionários, e estamos trabalhando com a equipe pedagógica no estudo sobre o distanciamento em sala", afirma o diretor, Fernando França Monteiro de Barros   (foto: Colégio Sagrado Coração de Maria/Divulgação)
O preparo da comunidade escolar, que envolve gestores, educadores, demais profissionais, alunos e familiares, é essencial nessa etapa de pré-retorno, já que a volta às aulas terá muitas mudanças em relação ao que se conhecia antes, e exigirá atenção e novos hábitos por parte de todos. Uso, troca e manuseio correto de máscaras, higienização constante das mãos e, sobretudo, policiar-se para não chegar muito perto de outras pessoas - tudo isso leva tempo para ser assimilado. Dialogar com as famílias constantemente, inclusive no sentido de orientar os pais quanto ao que eles deverão ir passando devagar para os filhos, também faz parte do que as escolas têm feito durante o período remoto. Na Fundação Torino, as orientações começaram cedo, com campanhas e vídeos preparados e postados nas redes sociais, como aqueles sobre o uso e higienização corretos da máscara. "A criança é o grande educador das famílias", diz Márcia. No Colégio Sagrado, as lives da educação infantil, por exemplo, abordam a questão do distanciamento e outras orientações em relação ao novo coronavírus de maneira leve e apoiada pela equipe pedagógica. "Aos poucos vamos trabalhando isso com as famílias", diz Fernando.

Edna ressalta que não só a etapa antecedente ao retorno deve ter atenção especial ao suporte de pais e alunos, em termos psicológicos. "A escola tem de pensar em um currículo agora que privilegie também o trabalho psicológico. São muitos lutos, que podem ou não ser por mortes", afirma. Também no Loyola o protocolo de retorno envolve formas de acolher as demandas dos alunos. "O cuidado com as pessoas é a nossa principal preocupação no retorno. Teremos estratégias de acolhimento com programas focados no bem-estar e no fortalecimento da autoestima e da segurança, aliando diferentes serviços da instituição", explica Irmão Raimundo.

Para os mais velhos, a apreensão envolve a futura etapa de ensino, o terceiro grau. Os colégios ainda não sabem, de fato, o quanto é absorvido pelos alunos do conteúdo passado de forma remota. Essa aferição ainda será feita, quando do retorno das aulas presenciais. E, no caso da terceira série do ensino médio, adquirir esse conteúdo tem um prazo, que é a data dos vestibulares. Além disso, o Enem foi adiado (até o fechamento desta edição, sem data definida para acontecer), e as universidades públicas, como a UFMG, estão com aulas suspensas. O futuro está bastante indefinido.

Contudo, faculdades particulares têm feito o mesmo caminho das instituições particulares de ensino básico e dado continuidade às aulas de forma remota. O mesmo tem ocorrido com vários dos vestibulares - agora feitos online. "Nos cursos EaD, os vestibulares já eram à distância", explica o diretor executivo da Faculdade Arnaldo, João Guilherme Porto. "O que fizemos foi ampliar para os cursos presenciais, que estão sendo feitos de maneira remota no momento", completa. A Faculdade Arnaldo tinha cerca de 10% de cursos EaD, mas todos - das modalidades EaD e presencial - serão oferecidos no próximo semestre. Naqueles que envolvem aulas práticas, a proposta tem sido adequar os currículos, adiantando conteúdo teórico e dando preferência, no retorno, às atividades práticas. "Existem, sim, algumas pessoas querendo adiar a entrada na faculdade. Mas temos dito que não é necessário adiar o sonho do ensino superior", afirma.

Situação das escolas infantis de Belo Horizonte

(foto: Shutterstock)
(foto: Shutterstock)
As escolas infantis da cidade têm se unido em grupos para tentar sobreviver ao cenário e dialogar em conjunto com o poder público. Muitas estão em situação financeira difícil - algumas à beira de fechar as portas - e têm se considerado pouco contempladas no debate sobre o retorno, já que muitos dos protocolos elaborados não levam em conta especificidades dos pequeninos (como a necessidade de contato para o aprendizado, a proximidade entre educadores e alunos, etc).

No grupo Pró-Educação, são mais de 40 instituições de BH que se uniram para se ajudar no processo e exigir um retorno que respeite a educação infantil. "Muitas vezes essa etapa do ensino vai no rastro do fundamental", explica a educadora Letícia Fernandes, diretora do CLIC! Centro Lúdico, e integrante do movimento. "Já ouvimos de alguns gestores comentários sobre barreiras para o retorno relacionadas a grandes recreios, ao transporte escolar, mas esses são conceitos que não fazem sentido para educação infantil e escolas pequenas", explica.

Segundo ela, uma grande preocupação é com a saúde mental da criança pequena, que ainda não consegue elaborar e dizer o que está sentindo em relação a tudo isso por que estamos passando e demonstra com sintomas, como distúrbios de sono e alimentares, além de comportamento mais irritado, agitado, agressivo. "Estamos com relatos de crianças, principalmente de 4 a 7 anos, entrando em sofrimento psíquico muito grande, então as próprias famílias estão arrumando jeito de as crianças se encontrarem. E aí não tem protocolo", afirma. Ademais, devido ao fato de que os pequenos precisam de experiências sensoriais e concretas para o aprendizado, as aulas remotas não têm o mesmo impacto que conseguem ter em outras etapas do ensino. "O desenvolvimento da criança pequena vai continuar a acontecer, não vai esperar a pandemia acabar", diz.

O intuito dos diálogos de especialistas nessa etapa da educação com o poder público é pensar em protocolos que não façam do retorno um momento difícil, sofrido para os menorzinhos. Tem-se pensado em turmas pequenas, que não tenham contato com outras turmas, e que voltem primeiro as crianças cujas famílias desejam e precisam de um retorno mais imediato. A higienização dos espaços e objetos entre a entrada de uma turma e de outra já é uma orientação com a qual estão trabalhando, bem como evitar que os pequenos levem muita coisa de casa - por exemplo, uma mochila na segunda-feira, que fique até sexta. Outras possibilidades são a troca do sapato da criança ao entrar na escola e redução do número de adultos que têm contato com cada aluno.

Já a ida em dias alternados à escola, para os pequeninos, não é tão simples quanto para os mais velhos. "Isso é um exemplo da educação infantil indo no vácuo do fundamental", diz Letícia. "A criança de 10 anos consegue ir três vezes na semana. A pequena precisa de continuidade, rotina, de conviver com as mesmas pessoas. Dias alternados, não temos cogitado para os pequenos do CLIC", explica.

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