Estado de Minas SETEMBRO AMARELO

Como a crise da Covid-19 pode ter relação com aumento de suicídios

Psiquiatra, professor da faculdade de Medicina da UFMG, fala sobre como a crise sanitária, econômica e política pode aumentar os casos de pessoas que tiram a própria vida


postado em 25/09/2020 00:43 / atualizado em 25/09/2020 00:44

O psiquiatra Humberto Corrêa:
O psiquiatra Humberto Corrêa: "Nos Estados Unidos, um levantamento identificou aumento de 55% na venda de bebida alcoólica, e esse crescimento está se repetindo em outros países, provavelmente também no Brasil" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Setembro é o mês de conscientização sobre a importância da prevenção do suicídio, o chamado Setembro Amarelo. A campanha é essencial, pois, segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 1 milhão de pessoas tiram a própria vida por ano (uma a cada 40 segundos), e, no Brasil, os casos passam de 12 mil. O assunto ainda é tabu na sociedade e, assim, há quem ainda não converse sobre saúde mental e não fique atento, nos familiares e amigos, aos possíveis sinais de que alguém esteja precisando de ajuda profissional. Neste momento pelo qual a sociedade está passando, de muita incerteza, isolamento e distância da socialização, atenção à saúde mental é imprescindível. De acordo com o psiquiatra Humberto Corrêa, professor da faculdade de Medicina da UFMG, presidente da Associação Brasileira para o Estudo e Prevenção do Suicídio e presidente da Associação Latino-Americana de Suicidologia, essa crise sanitária, econômica e política é extremamente desafiadora e especialistas apontam que muito possivelmente as taxas de suicídio vão aumentar. Um ponto a se ficar atento é a ansiedade, sentimento que muitas pessoas devem estar sentindo de forma mais exacerbada no momento, mas que, caso saia do controle e interfira, por exemplo, em relação ao sono e alimentação, procurar ajuda é essencial.

Tem-se percebido aumento de casos de suicídio e de tentativas de suicídio durante a pandemia?

Os últimos dados oficiais no Brasil, divulgados este ano, são de 2018. Ainda vai demorar um tempo para sabermos os números de 2020. Contudo, especialistas apontam que muito possivelmente as taxas de suicídio vão aumentar.

A que se deve esse aumento, exatamente?

"Alguns estudos mostram que jovens são mais susceptíveis a esses sintomas de ansiedade e depressão do que idosos neste momento", comenta o professor da Faculdade de Medicina da UFMG (foto: Arquivo pessoal)
Estamos passando por um momento muito atípico de crise sanitária, econômica, política. Temos um excesso de informações, muitas delas equivocadas, o que gera insegurança. Além disso, há a quarentena, ou isolamento social, para o qual o ser humano não foi feito - a restrição de ir e vir causa sofrimento psíquico grande e pode levar ao aumento das taxas de depressão e transtornos de ansiedade. Tem-se também observado um aumento enorme no consumo de álcool. Nos Estados Unidos, um levantamento identificou aumento de 55% na venda de bebida alcoólica, e esse crescimento está se repetindo em outros países, provavelmente também no Brasil. Álcool é droga lícita, então, rapidamente se percebe o quanto aumentou. Contudo, certamente, o consumo de drogas ilícitas também aumentou. Tanto pessoas que já consumiam e aumentaram o consumo quanto quem não consumia e agora começou, sendo que podem ficar dependentes. Em relação à crise econômica, pesquisas associam períodos de crise a aumento na taxa de suicídio. Notadamente, nos EUA, na crise de 2008, houve aumento de 5% taxas de desemprego e de 8% nas taxas de suicídio (foram 4 mil casos a mais). E também pode influenciar a menor busca por ajuda profissional e de estrutura de saúde para tal - em BH, por exemplo, fecharam o hospital Galba Veloso para pacientes da saúde mental.

A atenção da família também está mais dispersa, devido à pressão em todos os membros?

Não há como afirmar, mas é possível que sim. Todos estão mais preocupados e ansiosos. Com isso, talvez uma ansiedade aumentada em outra pessoa pode passar sem ser notada e, eventualmente, não levar os familiares a procurar ajuda profissional.

Os sintomas, entre adultos, de depressão, podem ser diferentes dos "clássicos" devido ao contexto tão atípico pelo qual estamos passando?

Acredito que os sintomas sejam os mesmos classicamente descritos, como perda de interesse, falta de energia, distúrbios de sono, pensamentos de morte. Uma questão avaliável a mais é o aumento dos níveis de ansiedade. A ansiedade é uma sensação fisiológica que todos temos em certo nível. Ela é preocupante quando interfere em nosso funcionamento: na qualidade do sono, na falta de foco para concluir tarefas, ou ao gerar sofrimento na pessoa, que não consiga suportá-la.

Em relação a jovens, acredita que aumentarão casos de depressão, de suicídio?

Alguns estudos mostram que jovens são mais susceptíveis a esses sintomas de ansiedade e depressão do que idosos neste momento. É curioso, porque os idosos são grupo de risco. Os estudos mostram essa associação, mas não explicitam a causa. Talvez o idoso seja mais resiliente, por já ter passado por situações de vida mais difíceis. Outro fator é o nível sócio-econômico. Quanto menor o nível sócio-econômico, mais susceptível é a pessoa, o que é fácil de explicar. Essa faixa da população está mais vulnerável e, consequentemente, mais ansiosa e deprimida neste momento. Já as pessoas que atravessam essa quarentena com crianças parecem estar mais protegidas, apesar de todo o estresse de ficar em casa com filhos em aula remotas, etc.

Os adolescentes estão em um momento de muito consumo de telas, pois a escola é na tela, conversa com amigos na tela, diversão na tela. Como saber o que é necessário neste período ou o que é excesso?

Isso é mesmo uma questão, pois sabemos que o número de horas de telas está associado a mais adoecimento mental. Mais de cinco horas por dia seria preocupante. Por outro lado, estamos em momento atípico, em que é preciso o uso das telas até para a escola. Mas mesmo neste momento, é preciso tentar ter outras atividades longe da tela. Fazer fora dela tudo para o que ela não for necessária.

Em crianças e adolescentes, o que são sintomas de que algo não vai bem?

Pior desempenho na escola, reclusão, redução na alimentação e alterações no sono. No caso de adolescentes também maior irritação que o normal. O que vai chamar atenção em um primeiro momento é menos a verbalização e mais alteração de comportamento. Se familiares perceberem que o filho ou filha está com dificuldades, passando este período de maneira não muito adequada, devem procurar ajuda profissional.

Gostaria de deixar alguma mensagem final?

Neste período de pandemia é natural que pessoas fiquem mais inseguras, mais ansiosas. Se precisarem, devem procurar ajuda profissional, e precisamos ter a estrutura de saúde pública para isso.

Prevenção ao suicídio: onde procurar ajuda

  • Em casos de emergência: SAMU 192, UPA, Pronto-socorro, Hospitais

  • Serviços de saúde: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades Básicas de Saúde

  • Centro de Valorização da Vida: Telefone 181 (ligação gratuita) ou www.cvv.org.br para chat, e-mail. O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias

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