A temporada da Covid-19 no Brasil está completando praticamente um ano. Muito já se sabe sobre o percurso e as ações do vírus Sars-CoV-2 no organismo humano. Isso não quer dizer, no entanto, que a doença tenha se tornado menos desafiadora. Cientistas e médicos estão debruçados sobre as sequelas que a infecção pode causar, duradouras ou passageiras. Uma grande incógnita é entender porque as consequências variam tanto entre os pacientes. Hoje, não há um protocolo rígido e universal sobre como os recuperados devem agir, mas há médicos que recomendam o tradicional check-up depois da fase aguda da doença.
De forma geral, idosos e demais pacientes que estiveram internados, com ou sem a necessidade de ventilação mecânica, recebem orientação de acompanhamento no próprio hospital. E o tempo pode variar conforme cada caso. Alguns centros médicos montaram ambulatórios para atender apenas pacientes que tiveram a infecção, são os chamados "Pós-Covid". A Rede Materdei implantou recentemente o Check-up Pós-Covid. A coordenadora médica do programa, Carla Tavares, explica que na avaliação inicial o paciente passará por uma consulta detalhada para definir em qual perfil de risco se encaixa em cada um dos sistemas que podem ser afetados pela Covid-19 (pulmonar, cardiovascular, urinário, neurológico, além da saúde mental). "A partir dessa estratificação de risco, o paciente será encaminhado aos especialistas necessários, realizará os exames que forem recomendados com atendimento personalizado, acompanhamento próximo, indicação do melhor tratamento e orientações para otimização da recuperação pós-covid", afirma a médica.
Karla Finotti, pneumologista da Rede Materdei, afirma que "idosos com comorbidades são acompanhados de três a quatro semanas após o início dos sintomas". Segundo a especialista, pacientes que desenvolveram a forma mais grave da doença podem ter fibrose pulmonar, que é quando surgem espécies de cicatrizes que acabam prejudicando o seu funcionamento. No entanto, as consequências da doença estão longe de se encerrar no trato respiratório que é por onde, geralmente, a infecção se instala. Isso tem uma explicação: o novo coronavírus é caracterizado por causar uma resposta inflamatória sistêmica e exacerbada no organismo, o que pode prejudicar outros órgãos além do pulmão, como coração, rins, fígado e até o cérebro. "Geralmente, quem desenvolve sequelas no pulmão e coração, por exemplo, são pacientes que precisaram de socorro médico", diz Karla, respondendo à pergunta se assintomáticos também podem ter sequelas graves.
Marcelo Miranda Mertens, clínico geral e pneumologista, enumera as principais sequelas que tem registrado em seu consultório: fadiga, dor de cabeça frequente, alteração na função cognitiva (perda de concentração, de memória e desorientação), perda de paladar e olfato. "Para sermos muito criteriosos, sempre peço para os pacientes, após 15 dias da fase aguda da doença, repetirem o teste dos marcadores inflamatórios que vão indicar se há ainda processo inflamatório em andamento", afirma.
Ainda é difícil dizer quem deve desenvolver sequelas ou se elas serão definitivas. "Trata-se de uma doença nova e ainda não tivemos tempo de observação necessário", diz Leonardo Meira de Faria, médico intensivista e pneumologista do hospital Felício Rocho. Conforme o médico há ainda outro agravante: a infecção pode ser um gatilho para a piora de doenças já diagnosticadas nos pacientes. "Ela pode descompensar doenças crônicas já existentes." Para Leonardo, pacientes que tiveram a forma leve da doença devem ficar atentos a possíveis alterações depois da fase aguda da infecção, como fadiga e até alopécia (repentina perda de cabelo). Se notar algo errado, precisa buscar ajuda médica. "Cerca de 80% dos pacientes que tiveram sintomas leves só desenvolvem um estado gripal, que carece apenas de repouso e hidratação", afirma.
Pacientes em tratamento ou com histórico de câncer também devem se resguardar. "Independentemente de estar em tratamento ou não, são pacientes que já têm esse risco. O risco pode ser ainda maior a depender do tratamento que está sendo induzido e até mesmo a depender da fase do tratamento contra o câncer em que ele se encontra", afirma Filipe Prohaska, infectologista do Grupo Oncoclínicas, sobre pacientes onco-hematológicos imunossuprimidos. "Infelizmente, com as novas cepas há uma necessidade de ter um cuidado redobrado para entendermos o que elas significarão para esse perfil de paciente", completa.
Alterações neurológicas também vêm sendo registradas e investigadas. Conforme estudo por meio do jogo digital MentalPlus, criado pela neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, 80% dos participantes da pesquisa mostraram alterações cognitivas após a fase aguda da doença como dificuldade de concentração ou atenção, perda de memória ou dificuldade para lembrar-se das coisas, problemas com a compreensão, dificuldades com o raciocínio e julgamento e problemas na execução de tarefas simples. O estudo foi feito no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Marco Morel, médico especializado em neurologia, está acompanhando de perto casos que ilustram a pesquisa. "Sabemos que essas manifestações atingem o sistema nervoso central e periférico. E podemos dividir essas manifestações entre agudas e crônicas", diz o médico que atende no hospital Life Center e na Rede Materdei. Cefaleia (dor de cabeça), epilepsia, confusão mental, crise de ansiedade, perda de concentração estão entre alguns dos problemas notados. Além, é claro, da perda de paladar e do olfato, parcial ou definitiva, sintomas bem comuns. Mas, conforme o médico, há tratamento para todas essas sequelas.
Especialistas compartilham da ideia de que não há motivos para pânico. Quem já foi infectado e se recuperou deve ficar atento a possíveis alterações em seu organismo e buscar ajudar caso note que os sintomas vêm piorando. Enquanto a vacina não alcançar toda a população, continua valendo a mesma recomendação: mantenha o distanciamento social, use máscara e álcool em gel.