Revista Encontro

NEGÓCIOS

Como a ABC da Construção se transformou na maior rede do setor no Brasil

Com 160 unidades e faturamento anual de R$ 1 bilhão, empresa comandada por Tiago Moura Mendonça acaba de vender 10% de suas ações por mais de R$ 100 milhões

Alessandro Duarte
O CEO da ABC da Construção Tiago Moura Mendonça, de 40 anos, tem metas ousadas e quer chegar a 2024 com 1.000 lojas e faturamento de 5 bilhões de reais, mas promete não parar por aí: "Está no nosso horizonte a abertura de capital, para que possamos crescer ainda mais" - Foto: Paulo Márcio/Encontro
"Seu filho vai usar aparelho de paralisia infantil até a adolescência." Com essa frase, dita há mais de três décadas por um médico de Juiz de Fora para sua mãe, Tiago Moura Mendonça começou a postagem em comemoração a seu 40º aniversário, no dia 30 de julho. Apesar de ter apenas 5 anos na época, ele ainda lembra do rosto de dona Lígia Moura de Mendonça, que tentava aos prantos lhe explicar o que a sentença significava. Tiago fora diagnosticado com a doença de Legg-Calvé-Perthes, causada pela diminuição do fluxo sanguíneo na região do quadril e que tem como alguns de seus sintomas dificuldade para caminhar e dor aguda. Quando não tinha paciência de esperar alguém que pudesse carregá-lo, Tiago precisava rastejar. Mas a sentença ouvida na Zona da Mata Mineira não foi definitiva. A família veio para Belo Horizonte em busca de uma segunda - e menos traumática - opinião. Um médico indicou tratamento na água, para diminuir o impacto dos exercícios. "A piscina era gelada, mas deu certo", diz.
Após três anos, ele recebeu alta. Na adolescência, em vez do aparelho que o ajudaria a caminhar, ele empunhou raquetes em campeonatos de tênis. "Resolvi contar essa história para mostrar como a vida sempre me presenteou com coisas melhores do que eu esperava e como Deus foi bom para mim nesses 40 anos." A determinação que Tiago mostrou ao pular nas piscinas frias da capital mineira, dia após dia, ainda o acompanha. Agora, no mundo dos negócios.

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À frente da ABC da Construção, o CEO Tiago vem se mostrando um executivo com planos ambiciosos e que não se acomoda com o sucesso alcançado. Desde que assumiu a presidência da empresa fundada por seu avô, Lúcio Ferreira de Moura, 64 anos atrás, ele transformou uma pequena rede de lojas de materiais para construção do interior mineiro na maior rede do segmento no Brasil, com mais de 160 unidades e faturamento anual de 1 bilhão de reais. Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com MBA em finanças pela PUC do Rio de Janeiro e em gestão internacional pela Écoles Universitaires de Management, na França, ele passou por um dilema em meados dos anos 2000: empreender ou seguir carreira executiva? Resolveu então empreender dentro do negócio da família, vendo o crescimento e os indicadores favoráveis ao mercado de construção no país. Mas fez uma exigência para entrar na operação: queria carta-branca para implantar suas ideias. "Meu avô disse que eu teria uma carta-bege", conta. "Poderia ter autonomia, contanto que não fizesse besteira nem pedisse dinheiro." Sua chegada na diretoria se deu em 2006. Dois anos depois, assumiu como diretor-presidente. "Aí a carta-bege foi ficando mais clara."

O avô pioneiro Lúcio Ferreira de Moura, que morreu em 2018, aos 90 anos: "Mesmo com idade avançada, ele era uma pessoa bastante ativa, com quem eu conversava muito e que sempre me apoiou", lembra Tiago - Foto: DivulgaçãoNão é fácil mudar uma cultura estabelecida há décadas. Nos anos 1950, o jovem Lúcio, natural de Visconde do Rio Branco, no interior de Minas, mudou-se para o Rio de Janeiro e começou a trabalhar como vendedor de uma loja de materiais para construção. Destacou-se a ponto de os donos sugerirem uma sociedade.
Ele iria para Juiz de Fora com a missão de abrir uma filial em terras mineiras. O tempo passou e Lúcio comprou a parte dos sócios cariocas. Sozinho, viu o negócio crescer no modelo tradicional, com estoque nas lojas e produtos para todas as etapas de uma obra. Chegou a ter 10 unidades na região. Era esse o retrato da empresa quando Tiago assumiu a presidência. Ele implantou então sua máxima de ter o maior negócio possível com o mínimo de dinheiro necessário. Em 2011 já tinha 20 lojas no estado e não parou de crescer mais. O começo auspicioso chamou a atenção de um dos maiores empresários de Minas e do Brasil, Rubens Menin. Em 2013, o dono da MRV, do Banco Inter, da Log Commercial Properties, da CNN Brasil e da Rádio Itatiaia, investiu na ABC. "Ele me ensinou que uma empresa, para valer muito, tem de crescer rápido, ser lucrativa e gerar caixa", lembra Tiago.
"Foi isso que fizemos." Rubens Menin saiu do negócio em 2018.

Atualmente, a ABC da Construção conta com 160 lojas, que já transpuseram as divisas do estado e chegaram a São Paulo e Rio de Janeiro, com foco em produtos de acabamento. Está presente em cidades com milhares de habitantes e capitais. O ritmo de inaugurações é frenético, com uma média de 10 novas lojas por mês. O centro de distribuição de Juiz de Fora foi ampliado e conta com 40 mil metros quadrados de área construída. Além dele, há nove centros de distribuição avançados. Das 160 lojas, apenas 20 são próprias. Todas as outras funcionam em sistema de franquia, com a ABC absorvendo os custos de estoque, capital de giro e investimento em tecnologia. "Vi a oportunidade de resgatar a história do meu avô, desenhando um modelo de negócios em que virássemos parceiros de empreendedores locais." Um modelo sem paralelo por aqui. "Somos uma startup de 64 anos", diz Tiago. A empresa também leva ao ponto de venda práticas do e-commerce, trazendo lojas regionais para dentro do sistema ABC. "Queremos transformar nosso concorrente em parceiro. É ele que conhece o cliente, sabe quando conceder crédito…" Tiago costuma afirmar que a tecnologia precisa ser uma armadura, que só funciona se for operada por gente de carne e osso, comprometida com bons resultados. Algo assim como um Robocop. Aliás, ele já foi criticado por usar essa analogia. "Dizem que é uma referência muito antiga, que eu deveria usar o exemplo do Ironman."

A primeira loja aberta por seu Lúcio, em Juiz de Fora, no modelo tradicional com estoque e produtos para todas as etapas de uma obra (acima.), uma fachada da década de 1990, já com o nome ABC da Construção, e uma unidade atual: foco em acabamento e práticas do e-commerce nos pontos de venda - Foto: DivulgaçãoEsse ambiente disruptivo, para usar uma palavra em voga no mundo dos negócios, atraiu novos sócios. "O Tiago é o CEO mais completo que eu conheço, aquele cara que entende de cada porca e parafuso da companhia", diz Andre Emrich, um dos donos e membro do comitê executivo da FIR Capital, empresa que administra mais de 1 bilhão de reais e é uma das investidoras da ABC. "Ele tem uma multicompetência incrível. Às vezes o cara é bom de finanças, de vendas ou de tecnologia, mas o Tiago consegue reunir todas essas qualidades." Andre destaca também o nível de comprometimento do CEO. Segundo ele, em todas as rodadas de investimento, Tiago fez questão de colocar dinheiro na empresa. "É o que mostra o quanto ele acredita no negócio." De acordo com Andre, a ABC se encaixa perfeitamente nos critérios estabelecidos pela FIR para direcionar seus investimentos: 1) qualidade do sócio; 2) mercado amplo; e 3) modelo de negócios disruptivo.

Outro fundo de capital presente na ABC é a operação brasileira da Redpoint Eventures, capitaneada por Romero Rodrigues, que administra 1,2 bilhão de reais investidos em 60 empresas, principalmente nacionais. "Eu já conhecia o Tiago da Endeavor", diz Romero, referindo-se à ONG que reúne empresários de sucesso do país e que tem como objetivo encorajar o empreendedorismo, fornecendo mentorias, cursos ou estimulando conexões entre empresários. "Sempre me impressionou sua ambição de pegar um legado e construir um modelo totalmente diferente." Romero foi fundador do Buscapé, site de comparação de preços vendido em 2009 para um grupo sul-africano por 374 milhões de dólares. Para ele, a forma de Tiago resolver a questão do estoque das lojas é o grande diferencial da ABC. "Assim a marca chega em cidades que não comportam uma megaestrutura." A centralização do estoque resolve dois problemas: o ambiente puramente digital não está preparado para vender esse tipo de produto e as filiais não conseguem manter material para pronta entrega. "Ninguém sai de uma loja com 200 metros quadrados de piso ou 10 sacos de cimento", diz Romero. "O processo logístico da ABC para resolver essas questões é animador." A empresa se compromete a entregar o material em estoque em até 48 horas, mas muitas vezes a entrega é feita em 24, sempre com horário marcado.

Lojas funcionam como showroom: ambiente estritamente virtual não é atrativo para esse tipo de comércio - Foto: DivulgaçãoA entrada de um novo sócio colocou a ABC da Construção mais uma vez nas manchetes de publicações especializadas. A Dexco, antiga Duratex, que reúne, além da empresa de painéis de madeira que dava nome à companhia, marcas como Deca, Hydra, Durafloor, Portinari e Ceusa, adquiriu em julho 10% da ABC por 103 milhões de reais - o que coloca o valor de mercado da antiga rede de lojas de materiais de construção do interior mineiro na casa de 1 bilhão de reais. A recém-batizada Dexco é uma potência na área de construção e reforma com sete décadas de existência e faturamento anual de 8 bilhões de reais. "Conheci o Tiago há cerca de dois anos e fiquei muito bem impressionado tanto com o caso ABC quanto com sua visão do mercado", lembra o CEO da Dexco, Antônio Joaquim de Oliveira. "Em um bate-papo, há três meses, ele me disse que faria uma nova rodada de investimentos. Respondi de pronto: ‘Se houver oportunidade, queremos participar’." Antônio Joaquim ressalta que quer aprender com o que chama de modelo ABC. "Não estamos investindo para vender nossos produtos nas lojas, pois já fazemos isso. Queremos nos aproximar desse ecossistema."

Outro vento que vem soprando favoravelmente nas velas da ABC é o crescimento do mercado de construção. Antônio Joaquim - assim como todos os entrevistados para esta reportagem - se mostra otimista e não acredita que o panorama irá mudar no médio prazo. "Esse é um mercado muito dependente de crédito e os juros devem se manter em patamares baixos, considerando nosso histórico como país", diz. Os números corroboram com tamanho otimismo. Segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), o crescimento na venda de imóveis em BH e Nova Lima foi de mais de 22% em 2020, em relação ao ano anterior. O CEO da Dexco diz que os juros baixos também fizeram com que muitos investidores direcionassem seus recursos para a construção, o que causou um boom de lançamentos a partir de 2019. Muitos desses empreendimentos estarão em fase de acabamento no ano que vem e em 2023. Um prato cheio para quem comercializa esse tipo de produto. Outro fator foi a pandemia da Covid-19, que fez com que a relação com a casa, com o lar, mudasse. Muitas pessoas começaram a trabalhar em home office, uma situação que deve perdurar por um longo período, talvez para sempre. Passaram, então, a ver a necessidade - ou oportunidade - de reformar seus imóveis, para adaptá-los aos novos tempos.

Atlético, Flamengo e São Paulo são os três clubes patrocinados pela ABC, todos campeões estaduais em 2021: maneira de chegar na casa do consumidor de forma amistosa e impactante - Foto: Pedro Souza/Atlético/Divulgação; Marcelo Cortes/Flamengo/Divulgação e Miguel Schincariol/DivulgaçãoO crescimento da ABC da Construção se refletiu também em suas estratégias de divulgação da marca. Desde maio, a empresa patrocina três clubes de futebol: Atlético, São Paulo e Flamengo. Por coincidência, os três levantaram a taça de seus campeonatos estaduais em 2021. "É uma maneira de chegarmos na casa do brasileiro de forma amistosa e impactante", diz o diretor de marketing, Sérgio Coimbra Gomes. "Os clubes ajudam a consolidar nossa imagem de credibilidade. Ao chegarmos em um novo mercado, as pessoas sabem que não se trata de um aventureiro." Sérgio destaca outra iniciativa que em breve deve chamar atenção dos consumidores. A ABC tem um projeto de transportar materiais com tuk-tuks elétricos. Os pequenos carros, que não poluem nem atrapalham tanto o trânsito quanto os caminhões maiores, seriam ideais para a chamada "última milha" das entregas. Alguns já podem ser vistos em cidades do interior mineiro. "Mas nossa ideia é utilizarmos a novidade mesmo em grandes centros como Belo Horizonte", promete Sérgio. A continuar no ritmo acelerado de inaugurações da ABC, muitos tuk-tuks serão vistos por aí. O plano desenhado por Tiago, chamado de "Um por todos e todos por mil" é chegar a 200 lojas até o fim do ano, 400 em 2022, 800 em 2023 e ultrapassar as 1.000 unidades em 2024.

Casado com a juíza federal Ana Luiza Fischer Mendonça e pai de dois filhos pequenos, Bernardo, de 5 anos, e Felipe, de 1, Tiago deixou Juiz de Fora e se mudou para a capital mineira em 2019, para acompanhar a mulher. Ainda mantém o hábito de jogar tênis com regularidade. "Mas não com a mesma qualidade da adolescência, principalmente por causa do inevitável ganho de peso que a idade me trouxe." Mesmo uma trajetória vencedora como a sua, respeitada por seus pares, é feita por alguns momentos de dificuldades. Ao olhar para trás, Tiago aponta o ano de 2018 como um marco desses períodos de instabilidade. Ele lembra do sofrimento que foi conviver com a greve de caminhoneiros que paralisou diversos setores da economia. No campo pessoal, Tiago perdeu o avô pioneiro, Lúcio, aos 90 anos. "Mesmo com idade avançada, ele era uma pessoa bastante ativa, com quem eu conversava muito e que sempre me apoiou", diz. "Em sua simplicidade, ele entendia tudo o que estávamos planejando para a empresa." Com as 1.000 lojas previstas para 2024, a ABC da Construção irá atingir faturamento anual de 5 bilhões de reais e já projeta um novo salto a partir daí. "Está no nosso horizonte a abertura de capital, para que possamos crescer ainda mais." Desafio fichinha para quem, aos 5 anos, pulava nas piscinas frias para superar (com sucesso) uma doença de diagnóstico sombrio.
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