Quando se pensa em produção de café mineiro, logo vem à mente o sul do estado. Como se aquele pedaço de território fosse uma coisa só. Mas Minas são muitas, como bem definiu Guimarães Rosa. E cada pedacinho de terra tem características próprias. "Como é uma região muito extensa, nosso trabalho é empoderar o Sudoeste, porque temos nossas particularidades. Não queremos ser filha do Sul de Minas e, sim, irmã", diz Teresa Lemos, gestora de turismo do Circuito Turístico Montanhas Cafeeiras de Minas. O circuito, criado há uma década, representa 14 dos 52 municípios do sudoeste, entre eles Areado, Guaxupé, Jacuí, Juruaia, Monte Santo de Minas, Muzambinho, Nova Resende e São Sebastião do Paraíso. Como o próprio nome indica, por ali o rei do pedação é o café, mais precisamente da variedade arábica. A área de produção é de aproximadamente 171 mil hectares, o que representa, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), aproximadamente 7% de toda a safra brasileira. É café a perder de vista.
Além do café, a economia do Sudoeste é baseada em atividades agropecuárias, especialmente pela atividade leiteira e criatório e tem um importante polo têxtil, representado por Juruaia, considerada a Capital da Lingerie. Na cidade, de pouco mais de 10 mil habitantes, existem cerca de 300 empresas ligadas à confecção, que fabricam mais de 20 milhões de peças, muitas exportadas para Europa e Ásia. O café, no entanto, é ainda a principal atividade da região. É em Guaxupé, por exemplo, que está localizada a maior cooperativa de café do mundo, a Cooxupé. Fundada em 1937, ela surgiu como uma cooperativa agrícola de crédito e, nos anos 1950, começou a exportar. Hoje, a maior parte dos grãos seguem para fora do Brasil, tendo os Estados Unidos como o maior consumidor. "No ano passado, das 8 milhões de sacas, exportamos 4,9 milhões", diz Edir Antônio de Siqueira, analista de comunicação e marketing da Cooxupé. São 17 mil produtores associados, sendo a maioria de Minas Gerais. Para se ter uma ideia da dimensão, o Brasil é o maior produtor de café do mundo e 50% sai do território mineiro. Inclusive, alguns dos melhores grãos do planeta. No Cup of Excellence – Brazil 2021, principal concurso de qualidade do mundo para o produto, o primeiro lugar ficou com o café especial produzido no Cerrado Mineiro. O lote produzido na Fazenda Cachoeira, em Carmo do Paranaíba, recebeu 90,5 pontos do júri internacional em uma escala de 0 a 100 da SCA, Specialty Coffee Association. O segundo lugar, também saiu de Minas e veio da Fazenda do I.P., em Carmo de Minas, e levou a pontuação de 90,14.
Uma das características principais da produção no Sudoeste é exatamente estar nas mãos de pequenos e médios produtores. Dos 17 mil cafeicultores, mais de 90% são familiares. Uma dessas fazendas é a Nova Aliança (@fazendanovaalianca), em Monte Santo de Minas. A propriedade produz café desde 1880 e está na 6ª geração. Hoje, o comando está nas mãos do agrônomo Flávio Pereira de Mello e da advogada Juliana Paulino da Costa Mello. As filhas do casal, no entanto, já estão no negócio, com Marina trabalhando com exportação e Vitória responsável pelo marketing e vendas no mercado interno. "Uma das coisas que mais surpreende os compradores internacionais é que independentemente de ser um ano com muita ou pouca chuva, conseguimos manter o mesmo padrão e qualidade", diz Marina. Outro fator que chama atenção na Nova Aliança é a alta produtividade. A colheita é de 43 sacas por hectare, enquanto a média nacional varia entre 23 e 27. "O que fazemos é agir na hora certa", explica Juliana. Localizada há mais de 1 mil metros de altitude, por ali a colheita é tardia, começa em junho e vai até setembro. Exatamente por essa característica, as cerejas amadurecem mais lentamente e desenvolvem mais açúcares, o que torna o café naturalmente mais adocicado. Dos 250 hectares, 160 são usados para o plantio, que é livre de defensivos agrícolas. A fazenda possui a certificação mundial Rainforest Alliance, que garante uma gestão sustentável. Só a casa sede, construída em 1914, já vale a visita. O casarão mantém as pinturas originais nas paredes, que são verdadeiras obras de arte.
Pelo mesmo caminho, trilham os negócios da Fazenda Ouro Verde (@carruacafe), localizada na divisa entre Minas e São Paulo. Parte dos 120 hectares do cafezal fica em Muzambinho (MG) e outra em Caconde (SP). De lá saem 4 mil sacas por ano, das variedades Catuaí vermelho e amarelo, Bourbon e Mundo Novo. À frente da propriedade, que tem no mercado a marca de café Carruá, está o casal Elaine e Alfredo Gonçalves. A 1.100 metros de altitude, toda a colheita é feita de forma manual, o que garante um cuidado diferenciado aos grãos. A fazenda também está localizada dentro de um espaço demarcado batizado como Região Vulcânica. Com vegetação predominantemente de Mata Atlântica e temperatura entre 17º e 20º graus, o terroir se faz perfeito para o cultivo de café. Os visitantes podem fazer um passeio completo pela fazenda e viver a experiência do pé à xícara. O ponto alto é passar pela sala de provas, onde a Q-grader (especialista em avaliar os atributos de um café especial) Paula Tristão Santini ensina o processo de avaliação e classificação de cada lote. "A altitude influencia muito, porque quanto mais frio, mais tempo o café fica no pé. Ele demora mais a amadurecer, mas ganha em qualidade", explica Paula. A fazenda ainda conta com forno de farinha de milho artesanal, que rende lindas fotos e uma experiência única. Para fechar, dá para levar vários produtos vendidos na lojinha local.
Essas duas fazendas não são as únicas a abrir suas portas para visitação. Outra que recebe turistas é a Capoeira, em Areado. A vista é de tirar o fôlego. Da varanda, o olhar se perde diante do cafezal que se desdobra no horizonte. A proprietária Maria Helena Contreras é embaixadora do Projeto Florada, da marca Três Corações, que tem como objetivo valorizar o trabalho das mulheres cafeicultoras do Brasil. "É muito triste quando uma mulher recebe uma propriedade e precisa vendê-la porque não sabe como lidar com a terra. Estamos aqui para mostrar que somos capazes de produzir alguns dos melhores cafés do mundo", diz ela, que todos os anos realiza o Encontro da Mulher do Café na propriedade. A última edição atraiu mais de 300 participantes. "Há 15 anos, quando chegamos aqui não tinha um único pé de café, começamos o negócio do zero", diz. Maria Helena, que é farmacêutica, lembra ainda que muitos duvidaram que a fazenda seria capaz de produzir cafés especiais, já que está localizada a 700 metros de altitude. "Eu podia até não ter altitude, mas tive atitude." Atualmente, a área de plantio é de 85 hectares e exporta para Alemanha, Inglaterra, Japão e Argentina. Para quem se interessar em conhecer como funciona a colheita e o beneficiamento dos grãos, a Capoeira oferece visitas que podem ser agendadas pelo Instagram (@fazenda_capoeira_cofee). Há ainda uma pequena cafeteria, que funciona dentro de uma carretinha de trator, com produtos produzidos por mulheres de toda região. O passeio ainda inclui uma farta mesa mineira, com vários tipos de quitandas, como pamonha, bolo de laranja, pão de queijo e rocambole de doce de leite. Tudo regado a café, claro.
Pinga e cerveja de café
O café é tão presente na vida dos moradores do Sudoeste de Minas, que por ali ele não se contenta em ficar apenas nas xícaras. O técnico agrícola e tecnólogo em café Henrique Palma Neto é o inventor da pinga de café (@agropalmbrasil). E não pense que é uma bebida aromatizada com essência de café; ela é feita com grãos de café especiais fermentados. A ideia surgiu há dois anos. "Somos pioneiros, essa receita é exclusiva e não existe em mais lugar nenhum do Brasil", diz. No ano passado, a primeira produção ficou em 300 litros. Já a cervejaria artesanal Zugbier (@zugbier) lançou a cerveja de café, a ZugCoffee, em estilo larger escura. O produtor, Antônio Augusto Netto de Faria, é um engenheiro eletricista que em 2014 começou a produzir sua própria cerveja. "Uso os grãos daqui de Guaxupé", diz. O resultado é uma bebida com forte gosto de café e uma cor avermelhada.
Café na roça
Quitandas de encher os olhos. De canudinho de doce de leite a torresmo de barriga, tem de tudo um pouco no Café na Roça – Sombra e Água Fresca (@cafenaroca_sombraeaguafresca), localizado na BR 491, na altura de Guaxupé. À frente do negócio estão as irmãs Mariana (à esq.) e Ana Emília Palos. O local, com direito a uma charmosa mercearia de interior, fica localizado no sítio dos pais das proprietárias, onde elas cresceram. Dá para sentir o cheirinho de casa de vó, com os bolos e pães de queijo sempre saindo quentinhos do forno. Mas nada faz mais sucesso por ali que a coxinha de massa de mandioca. São mais de 20 sabores, que se revezam diariamente. As mais queridas pelos clientes são a de camarão; costela; palmito e queijo. As diferentonas, como a de pernil com provolone; e fraldinha com mostarda, merecem ser experimentadas. O horário de funcionamento é das 8h às 19h.
Algumas curiosidades sobre o café no Brasil e em Minas
O Brasil é o maior produtor de café do mundo. A cada três xícaras consumidas no planeta, uma é brasileira Minas Gerais é responsável por cerca de 50% de toda produção nacional No Sudoeste Mineiro, a produção é de aproximadamente 171 mil hectares, o que representa, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), aproximadamente 7% de toda safra brasileira Na mesma região, são 17 mil cafeicultores, sendo 15 mil familiares. A produção prevista para 22/23 é de 3.450.000 sacas A Cooxupé, localizada em Guaxupé, é a maior cooperativa de café do mundo. No ano passado, das 8 milhões de sacas, 4,9 milhões foram para exportação Se a Cooxupé fosse um país, ela seria o 7º maior produtor de café do mundo