Enquanto o mundo começa a dar sinais de que está caminhando para vencer a pandemia da Covid-19, uma velha ameaça ressurge: o sarampo. Considerada erradicada no Brasil até cerca de cinco anos atrás, a doença infectocontagiosa causada por um vírus do gênero Morbillivirus tornou a acender o alerta das autoridades de saúde depois de voltar a circular no país. Nos últimos três anos, mais de 20 mil casos foram confirmados e especialistas já consideram o risco de um surtou e/ou uma epidemia. O principal motivo para o retorno dessa enfermidade, segundo os médicos, é a baixa procura pela imunização, motivada, principalmente, pelos movimentos antivacina, que ganharam força nos últimos anos, impulsionados por fake news. Para o coordenador da pediatria da Rede Mater Dei de Saúde, Luís Fernando Andrade de Carvalho, pode haver ainda um outro fator que justifique o cenário atual: a banalização da prevenção. "A população de hoje não conviveu com os casos graves de doenças como o sarampo e a poliomielite, que estavam erradicadas ou ao menos sob controle", afirma. "Isso dá uma falsa sensação de não haver mais necessidade da vacina."
A infectologista e professora do curso de Medicina do UniBH Raquel Bandeira chama a atenção para a gravidade do problema, já que o sarampo é considerado uma das doenças infecciosas mais contagiosas que existem, com uma elevada "taxa de ataque", como é chamada na medicina. "A transmissão pode ocorrer antes do aparecimento dos sintomas e se estender até o quarto dia depois de surgirem placas avermelhadas na pele, fazendo com que o bloqueio dela seja extremamente complexo", diz. "Além disso, o vírus permanece viável no ar ou em superfícies infectadas por até duas horas. Cada paciente pode infectar de 12 a 18 pessoas suscetíveis." Embora a solução seja simples e ofertada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a resistência de muitas famílias em completar a caderneta de vacinação das crianças vem resultando em um declínio perigoso das taxas de imunização. Enquanto em 2019 a cobertura vacinal contra o sarampo, a rubéola e a caxumba (tríplice viral) era de 93,1%, no ano passado ela despencou para 71,49%. "A vacina antissarampo é uma das que possuem a maior eficácia disponível. Ela é eficaz em aproximadamente 98% dos casos para prevenir a infecção e em praticamente 100% dos casos para evitar as formas graves da doença", afirma Raquel.
O infectologista da Unimed-BH Adelino de Melo Freire Jr. explica que os grupos com o maior risco de complicações do sarampo são os dos pacientes imunocomprometidos, das gestantes, das pessoas com deficiência nutricional (com destaque para as desnutridas e, sobretudo, as que apresentam baixos níveis de vitamina A) e os dos extremos de idades: crianças muito jovens e idosos. No primeiro caso, o sistema imunológico ainda não está completamente formado, enquanto no segundo existe uma redução funcional da defesa do organismo, chamada de imunosenescência. O médico também enfatiza a gravidade da doença e a importância da vacinação no controle dos casos. "É uma característica desse vírus: ele tem uma capacidade muito alta de fazer a invasão e a infecção de um novo hospedeiro, bem acima da de outras doenças infecciosas que a gente conhece e com as quais convive", diz. "Quando ainda não tínhamos a vacina, essa era uma enfermidade comum e disseminada. Havia muitas internações, sequelas e mortes mundo afora."
O sarampo é uma patologia exantemática febril aguda, ou seja, evolui rapidamente e é caracterizado pelo aparecimento de manchas na pele (exantemas) que possuem uma progressão craniocaudal (surgem inicialmente no rosto e, depois, se disseminam para o restante do corpo). Esse sintoma geralmente é acompanhado de febre alta. De acordo com Raquel Bandeira, outros sinais de infecção e aos quais é preciso estar atento são tosse, mal-estar, coriza, conjuntivite, perda de apetite e manchas brancas dentro da boca (chamadas de exantema de Koplik). O período de incubação do vírus – tempo entre o contágio e a manifestação dos sintomas – é de aproximadamente 12 dias. "Os casos mais graves podem evoluir para otite (infecção no ouvido), pneumonia (infecção nos pulmões) e até encefalite (infecção no sistema nervoso central), podendo trazer graves sequelas e consequências neurológicas", destaca a infectologista.
A médica explica que tanto as chances de cura quanto de agravamento do quadro estão diretamente atreladas à faixa etária do doente. Nas crianças menores de 1 ano, por exemplo, a mortalidade pode chegar a 40%. De uma maneira geral, cerca de 30% dos casos confirmados apresentam uma ou mais complicações. O risco é ainda maior nos países em desenvolvimento, nos quais a taxa de letalidade da doença varia de 4% a 10%. "As possíveis sequelas são surdez, cegueira, retardo do crescimento e redução da capacidade mental. Além do óbito, é claro", diz Raquel. O pediatra Luís Fernando emenda: não existe tratamento específico para o sarampo. "A forma mais eficaz de se evitar a doença é a vacinação", diz, taxativo. "Quando cai a cobertura vacinal, aumenta o risco de retorno dos casos e de termos um surto."