Quando o mundo parou por causa da pandemia, no primeiro semestre de 2020, o CEO da indústria de carne bovina, ovina e pescados Carapreta, Vitoriano Dornas, se viu diante de um impasse. Boa parte das vendas do braço do grupo mineiro A.R.G era para estabelecimentos que tiveram de permanecer fechados por causa do enfrentamento ao novo coronavírus, como bares e restaurantes. O jeito foi antecipar uma jogada que até estava prevista, mas ainda demoraria um pouco para ser colocada em prática: levar seus cortes das raças Angus e Wagyu para o mercado externo. A julgar pelo salto no balanço da empresa, a tática foi acertada. Em 2019, o faturamento da Carapreta havia sido de 40 milhões de reais. Em 2020 - em pleno auge da pandemia, portanto - foi de 250 milhões. Em 2021, 400 milhões. Para este ano, já com a economia com novo fôlego, a previsão é ainda mais animadora. A projeção é que a produção de carne bovina cresça 35% (de 8,5 mil toneladas para 11,5 mil toneladas) e o faturamento atinja meio bilhão de reais entre janeiro e dezembro.
Atualmente, os produtos Carapreta são distribuídos para 13 países, além de 23 estados brasileiros, sendo encontrados em mais de 5 mil pontos de venda. Vitoriano Dornas conheceu as fazendas do grupo A.R.G em 2015, quando foi contratado como consultor pelos irmãos e sócios Adolfo Geo Filho, Rodolfo Giannetti Geo e José de Lima Geo Neto. A ideia era estudar como as fazendas do trio, localizadas no Norte de Minas, poderiam deixar de drenar recursos - e serem um ótimo destino para momentos de lazer - para se converterem em fonte de receita. Após um raio-x minucioso, que considerou todo o sistema de produção das fazendas, avaliou-se os potenciais produtivos, as carências do mercado em relação às proteínas e as possibilidades de comercialização, das gôndolas dos supermercados aos países importadores, passando por bares e restaurantes. A equipe de Vitoriano identificou ainda qual qualidade, regularidade e padronização eram utilizadas pelos concorrentes. "A partir daí, desenhamos um modelo de negócio verticalizado de produção", diz. "Temos em nossas fazendas um controle total da cadeia produtiva." Dois anos depois, Vitoriano foi convidado a fazer parte do time, assumindo como diretor de agronegócio. Foi promovido a CEO em 2020.
Fundado em 1978, o Grupo A.R.G atua nos segmentos de construção pesada e infraestrutura, óleo e gás, e comércio internacional. O agronegócio, que até alguns anos atrás era praticamente desprezível, hoje é responsável por 40% do faturamento total. Nos 30 mil hectares das fazendas Jequitaí, Santa Mônica e Santa Teresinha estão 70 mil cabeças de gado, além de ovinos e pescados. O frigorífico fica em Contagem. "Para chegar onde estamos foi preciso profissionalizar o sistema e investir pesado em tecnologia", diz Vitoriano Dornas, que é formado em medicina veterinária e pós-graduado em gestão de empresas pela Fundação Dom Cabral e pela Fundação Getúlio Vargas. Casado com a também médica veterinária Mariana Brant Drumond Magalhães, que atua na área da qualidade do leite, Vitoriano tomou gosto pela produção de proteína animal ao cursar especialização na área na Texas A & M University, nos Estados Unidos. "Lá, tive a oportunidade de me aprofundar nessa cadeia de fazendas, produção primária, indústria e varejo", diz.
O primeiro cliente da Carapreta foi o Super Nosso, em 2019. À época, o supermercado vendia 1 milhão de reais em carnes nobres por ano. "Quando entramos, já no primeiro ano, vendemos 24 milhões de reais e no segundo, 40 milhões", conta Vitoriano. Foi a partir daí que a companhia resolveu estruturar a marca e chamou o escritório Greco Design para criar a identidade visual. O nome é uma referência à lenda do "Boi da Carapreta". A tal verticalização da produção é levada a sério. O esterco resultante das fezes dos animais - rico em nitrogênio, fósforo, potássio e metano - vai direto para o biodigestor para que o gás metano, um dos principais vilões do efeito estufa, seja tratado, retirando 34 mil toneladas de equivalente de carbono por ano do meio ambiente. O procedimento também possibilita a geração de energia para o funcionamento do sistema de irrigação (pivô). O dejeto sólido restante é utilizado nas lavouras. "Uma das grandes produtoras de adubo no mundo é a Rússia, responsável por 25% do que consumimos no Brasil. A guerra com a Ucrânia explica os altos preços atuais", afirma Vitoriano. "Reduzimos em 17% a utilização de adubos químicos, diminuindo os custos."
A sustentabilidade, diz o CEO, está diretamente ligada às técnicas de práticas corretas e a saber fazer conta para gerar economia. "Fizemos um estudo que nos mostrou que a sombra aumenta 120 gramas por dia de ganho de peso no animal. Em 70 mil cabeças, 365 dias no ano, isso representa quase 10 milhões de reais. Olha o impacto gerado no negócio." No ano passado, a empresa foi a primeira do Brasil a receber o selo Certified Humane® que garante para o consumidor que um alimento vem de produtores que atendem exigências objetivas para certificação de bem-estar animal. A Carapreta é, também, a única marca nacional de carnes nobres com selo internacional de sustentabilidade pela alemã TÜV Rheinland. Além de fazer bem para o planeta, afirma o empresário, a sustentabilidade traz rentabilidade e garante a perenidade da atividade. "A proposta de valor da Carapreta está ancorada em diferenciais não só dos produtos, mas também da comunicação e da transparência, ao mostrar para o consumidor todos os detalhes da cadeia de produção, desde o bem-estar animal, à produção sustentável e à distribuição", diz Bruno Portela, professor associado das áreas de Marketing e Estratégia da Fundação Dom Cabral. "Nesse tipo de mercado, a garantia não é póstuma, é prévia, já que se trata de alimento. E em vez de apenas falar de qualidade, a marca vem demonstrando, ao publicizar todo o processo."
Negócios de todos os tipos sofreram uma evolução gigantesca nos últimos anos, nos quesitos governança e gestão, para Vitoriano, o agronegócio não ficou de fora. "Quem não se adequar, certamente não conseguirá se manter no mercado", afirma ele. Isso porque o consumidor cada vez mais faz questão de saber qual a origem do alimento que chega à sua mesa, e em quais condições os animais são criados. "Nosso modelo de negócio visa sempre entregar o mesmo produto com qualidade e consistência, atendendo a todos os quesitos de sustentabilidade. Acreditamos que o melhor marketing é o próprio produto que faz." As raças criadas nas fazendas da Carapreta, a escocesa Angus e a Wagyu, de origem japonesa, tem alto índice de marmoreio, ou seja, gordura intramuscular localizada entre as fibras da carne.
Além de maciez, o volume de gordura traz um sabor único aos pratos. É o que atestam os cozinheiros que trabalham com a marca. O chef Arlen Fortes, que acaba de abrir o restaurante Helena, no Belvedere, destaca o fato de o marmoreio estar sempre padronizado. "Um dos maiores benefícios para um restaurante é o desperdício zero. E como as carnes já vem com limpeza impecável, não corremos esse risco." Por lá, um dos queridinhos da casa é o Denver Steak guarnecido com linguine ao molho funghi secchi. Sem falar nos tentadores bife chorizo com mini batatas roquefort e t-bone de cordeiro com legumes braseados e molho do chef. "Em breve teremos mais cortes da Carapreta no cardápio, como o tomahawk." Para garantir a qualidade de seus produtos, a marca, que gera 1,3 mil empregos diretos, fez parceria com uma empresa de genética. Por meio de análises genômicas foram identificados genes responsáveis pelas características que garantem a excelência da carne. Esse compromisso levou os dois melhores restaurantes especializados em carne no Brasil, segundo ranking da revista Forbes, a se render aos cortes da marca: os paulistanos Figueira Rubaiyat e Varanda. Outro restaurante que aprova o marmoreio da Carapreta é o Olivia Mediterrâneo, localizado na Vila da Serra, em Nova Lima. "É um produto que realmente se diferencia pela maciez, suculência e padronização, totalmente adequado ao nível de exigência do nosso público", diz o chef Jorge Ferreira. No menu do Olívia, faz sucesso a paleta de cordeiro da marca assada a baixa temperatura e finalizada com puré de grão de bico, coalhada seca e molho jerez. A tão propalada qualidade da carne começa pelo trato com os animais. A alimentação (silagem) é produzida nas fazendas do grupo A.R.G. Com a dieta adequada, a empresa conseguiu com que as fêmeas reproduzissem em seus ciclos corretos, atendendo ao mercado de janeiro a dezembro. "Trabalhamos forte na implantação de tecnologia de produção, com trato automatizado para cada lote de animal de maneira individual e com a quantidade de nutrientes por categoria, implantando na prática o conceito de programação fetal e marbling window (janela de marmoreio)", explica Vitoriano.
Uma estratégia da marca para se tornar mais conhecida são as Boutiques Carapreta, que além de comercializar produtos diretamente para o consumidor mantém tótens interativos nos quais os clientes conseguem acessar a história por trás de toda a produção. Atualmente, são três unidades: duas em BH, no Belvedere e na Avenida Raja Gabaglia; e uma em São Paulo, na Vila Nova Conceição. "Temos planos de expansão. Devemos abrir mais dez lojas nos próximos anos nas principais capitais do país." Franquias estão no radar. Os hambúrgueres da marca já são líderes de mercado no varejo, ultrapassando grandes indústrias na categoria premium. Em Minas, a marca já conta com 80% de market share nessa categoria. Os planos são investir 2,2 bilhões de reais nos próximos 10 anos para continuar crescendo. "Acabamos de instalar 1 mil hectares de pivôs e estamos expandindo a planta solar para nos tornarmos autossuficientes em energia ainda em 2023", diz Vitoriano, que pretende produzir todos os grãos usados nas fazendas e construir no Norte de Minas uma usina de etanol de milho. Pelo que se vê, o apetite para que a marca se torne mesmo uma lenda no agronegócio brasileiro continua tão voraz quanto há dois anos.
Crescimento que impressiona: confira o faturamento da Carapreta ano a ano
- 2019: R$ 40 milhões
- 2020: R$ 250 milhões
- 2021: R$ 400 milhões
- 2022: R$ 500 milhões (previsão)
Alguns números para entender a Carapreta
- Produção: 11,5 mil toneladas de carnes (2022) - 50 tipos de cortes bovinos, 15 cortes de ovinos, além da tilápia
- Investimentos: R$ 2,2 bilhões nos próximos 10 anos
- Animais: 70 mil cabeças de gado em 30 mil hectares de terra
- Distribuição: 5 mil pontos de venda em 13 países e 23 estados brasileiros
- Mão de obra: 1,3 mil empregos diretos