
Ela revela que a família não tinha nenhum conhecimento de gestão, mas o negócio precisava dar certo, já que as contas do lar se acumulavam. Aos 21 anos, o espírito empreendedor de Camila Farani começou a falar mais alto. "Propus à minha mãe que, se eu conseguisse aumentar em 30% as vendas em um mês na cafeteria, receberia uma pequena participação na empresa. Alcancei 28%, com a introdução do iced coffee. Não atingi a meta, mas uma coisa eu te digo, ter atitude mudou a minha vida", recorda. "Acabei conquistando a sociedade pelo fato de a minha mãe ter percebido meu esforço e iniciativa."
Hoje, a investidora-anjo já aportou mais de 40 milhões de reais - com co-investidores e pools de investimentos, além da sua própria holding - em cerca de 45 empresas, gerando um ecossistema que movimenta mais de 3,7 bilhões de reais por ano e emprega mais de 15 mil pessoas. Camila integra o conselho de administração da fintech PicPay, entre outras empresas, e foi eleita uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Línea - empresa do famoso conglomerado de mídia americano -, e "Women in Tech Latam Awards 2022", na categoria "Best Ally - Aliada das Mulheres na Tecnologia". Além disso, há seis temporadas é um dos "tubarões" do reality show Shark Tank Brasil, apresentado no canal de TV por assinatura Sony.
Mesmo com o sucesso, Camila conta que se considera mais reservada. "Amo estar em casa, com minha namorada, Tula, minha família e amigos. Tenho cinco cachorros que são minhas paixões e têm muito espaço na minha vida", diz. "Também gosto de viajar, conhecer novos lugares e aproveitar a gastronomia de cada local que visito." Em uma dessas viagens, Camila Farani esteve em BH, em novembro, para palestrar em um evento da CDL-BH. Nesta entrevista, ela revela se considera os mineiros um povo empreendedor e fala sobre carreira, família, a importância das mulheres ocuparem seu espaço no mercado de investimentos, os riscos de investir e seu trabalho no Shark Tank.
- Quem é: Camila Farani, 41 anos
- Origem: Rio de Janeiro (RJ)
- Formação: Advogada com pós-graduação em Marketing e especializações em growth, tecnologia e startups em Stanford, MIT e Babson College. Fundadora do Grupo Farani, que congrega EdTech, InvestTech, Brand Image e o Ela Vence, comunidade que conecta e inspira lideranças femininas, empreendedoras e investidoras. Integra o conselho de administração do Pic Pay, entre outras empresas. É Colunista da Forbes, Estadão e MIT Technology Review
ENCONTRO - O mineiro é um povo empreendedor?
CAMILA FARANI - Com certeza. Minas Gerais é o terceiro estado em número de startups do Brasil, de acordo com a Associação Brasileira de Startups. O estado possui um ecossistema de inovação e empreendedorismo favorável por causa das universidades, que contam com cursos muito bem referenciados em engenharia da computação, por exemplo. Além disso, o mineiro é um povo historicamente muito trabalhador, com uma atitude empreendedora forte. Empreender é a capacidade de se adaptar, de errar e corrigir os erros de forma ágil, de criar soluções novas para "velhos" problemas. Além disso, diversas startups mineiras se consagraram no cenário nacional, como Sympla, Hotmart, Rock Content, entre outras.
Quando você se descobriu empreendedora?
Eu me descobri empreendedora por necessidade. Para garantir o nosso sustento, minha mãe apostou praticamente tudo que tínhamos para criar a Tabaco Café. Apesar de não termos nenhum conhecimento de gestão, só tínhamos uma opção: o negócio precisava dar certo. Estava tudo indo bem, quando veio a vontade de ampliar a minha participação e de gerar mais impacto para a nossa sociedade. Um dia, dei uma ideia para incrementar o cardápio e pedi, em troca do incremento nos lucros, a sociedade. Foi assim que comecei e passei a ver sentido para a minha carreira e para a minha vida.
Por que ser uma investidora-anjo?
Tudo aconteceu de forma muito natural. Fui participar de um evento na Gávea (Angels) e sentei em um auditório com aproximadamente 35 homens, ali, naquele momento, despertou uma vontade que até então era desconhecida. Eu me apaixonei por investimento-anjo e comecei a avaliar empresas e estudar muito para entender como todo aquele universo funcionava. Uma mulher na época me disse que tinha uma empresa de cosméticos e muita dificuldade de dialogar sobre negócios porque não existiam investidoras. Foi aí que comecei a me dedicar de verdade (ao investimento-anjo) e consequentemente aos seus desdobramentos no mercado. Depois fiz um curso em Stanford, com Steve Blank, um dos maiores nomes do cenário empreendedor, para entender a dinâmica das startups, mas sobre investimento eu aprendi na prática, estudando muito e observando como fundos de venture capital faziam para se adaptar ao modelo de investimento-anjo. Além disso, tenho um prazer enorme em contribuir com projetos promissores e vê-los dar certo. Temos ideias e projetos brilhantes no Brasil e que muitas vezes precisam apenas de um aporte para decolar. É isso que faço!
Esse tipo de investimento é, normalmente, de grande risco, como fazer para ganhar mais do que perder?"O mineiro é um povo historicamente muito trabalhador, com uma atitude empreendedora forte. Empreender é a capacidade de se adaptar, de errar e corrigir os erros de forma ágil, de criar soluções novas para 'velhos' problemas"
Camila Farani, empresária
Quando você está diante de pessoas que estão vendendo seus sonhos para você, você precisa avaliar uma série de fatores para tomar uma decisão. Ter consciência sobre o setor em que aquela startup está inserida também é fundamental para fazer essa avaliação. Para me ajudar, porque tem o fator emoção envolvido nesta etapa também, utilizo uma metodologia que chamo de 5T´s. Os 5T’s refletem na percepção dos fundadores e/ou do CEO da empresa. Tudo isso circula em volta do empreendedor que está tocando o barco e, também, do time que escolheu para remar ao seu lado. Essa tese é meu guia para fazer bons investimentos. Ela é baseada em analisar cinco aspectos: o time que compõe a sua empresa (Team); como seu produto ou serviço vai solucionar um problema de mercado (Tech); o tamanho do seu mercado (TAM); o engajamento do seu projeto com o seu respectivo mercado (Traction); e qual é o seu diferencial competitivo (Trench).
Você é uma das fundadoras da MIA. Qual o objetivo do grupo?
Cofundei o grupo Mulheres Investidoras Anjo (MIA) em 2013, com Maria Rita Spina Bueno, diretora executiva da Anjos do Brasil, e Ana Fontes, presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME). Nós, mulheres, somos muito inspiradas por ‘role models’, por referências. Pensando nisso, busquei formas de melhorar minha própria capacidade de investimento em tech, além de trazer outras mulheres para atuar neste espaço. Até bem recentemente, tínhamos pouquíssimas mulheres investidoras. Quando comecei a fazer investimentos, havia duas ou três redes de anjos e de fundadoras. Hoje, vemos muitas redes de empreendedoras surgindo, e essas mulheres investidoras têm uma probabilidade maior de investir em outras mulheres. É um movimento em que mulheres advindas de outras áreas do mercado financeiro estão tomando nota das crescentes oportunidades no setor de tecnologia e buscando diversificar suas carteiras - e o investimento anjo está entre esses canais alternativos.
Nos últimos anos houve um crescimento no número de mulheres empreendedoras. O que levou a isso?
Apesar de a representatividade feminina no empreendedorismo vir evoluindo significativamente - segundo o Sebrae, somos 24 milhões no país -, as mulheres ainda enfrentam muitas dores ao optar por serem donas do próprio negócio. Recentemente, o estudo inédito "Mulheres e o Ecossistema Empreendedor", realizado pela Liga Ventures, em parceria com a comunidade Ela Vence (criada por mim) e a PWN São Paulo, mapeou o perfil e os desafios das donas de empresas no Brasil. A partir do cruzamento das respostas dessa heterogênea amostragem, o grupo composto por 1.180 donas de empresas, distribuídas pelas 27 unidades federativas do país, observou-se múltiplas disparidades de oportunidades para empreender. As barreiras são geradas a partir de uma complexa equação que leva em conta variantes como origem socioeconômica, questões étnico-raciais, orientação sexual, deficiência, maternidade, local de atuação, nível de escolaridade, idade, entre outros fatores.
Esse ainda é um nicho dominado por homens. Há muito machismo no meio?
É notório que com tudo que já provamos até aqui ainda tem aquela coisa da mulher precisar trabalhar dez vezes mais para provar sua capacidade e competência. Como todas as mulheres (e homens também), em algum momento da minha vida já fiz isso, precisei de certa forma provar que era suficientemente boa. Hoje percebo que isso é um erro, é um rótulo desnecessário. Não tem que trabalhar mais para compensar nada, você tem é que trabalhar nos seus pontos fortes por você, não pelos outros.
As mulheres levam alguma vantagem em relação aos homens ao enveredarem pelo empreendedorismo?
Temos nossas fortalezas, como algumas características muito importantes de um líder hoje em dia, a exemplo da empatia, resiliência, capacidade de liderança inclusiva, energia e determinação para fazermos as coisas acontecerem e capacidade de colaboração. Precisamos, juntos, preparar os talentos e as empresas da próxima geração. Não é dividir, mas somar esforços. Um dos desafios ainda hoje para as mulheres é a falta de referências, de redes de apoio e de capacitação. Então, para evitar que mais mulheres passem pelo que passei, criei a comunidade Ela Vence. Nosso objetivo é criar as condições necessárias para termos mais mulheres empreendedoras e investidoras. Com conteúdo e ações voltadas ao desenvolvimento de lideranças femininas, buscamos apoiar as empreendedoras e nos unir a outras iniciativas para, juntas, ganharmos força a partir das conexões criadas, e impactarmos mais mulheres.
Qual foi seu melhor investimento no Shark Tank?"Quando comecei a fazer investimentos, havia duas ou três redes de anjos e de fundadoras. Hoje, vemos muitas redes de empreendedoras surgindo, e essas mulheres investidoras têm uma probabilidade maior de investir em outras mulheres"
Camila Farani, empresária
Não consigo citar apenas um. Mas destaco a Styme, startup que investi junto com o Caio Castro e que foi comprada em menos de 6 meses pela foodtech OiMenu. Eu e o Caio entramos com 10% no negócio, responsável pela digitalização de bares e restaurantes. Destaco também o negócio de Giovanna Bernardo Molinaro, idealizadora da Gato e Café. A cafeteria promove a adoção consciente dos bichinhos. Para isso, além de oferecer bebidas e alimentos para os humanos, o espaço também conta com uma ala onde é possível conhecer e adotar gatos de rua. A proposta dela conecta café com adoção de gatos. É um projeto que tem impacto social e entendo que este conceito de Pet café vai conquistar mais mercado no Brasil, pois já é uma tendência em países como o Japão, Estados Unidos. Tem ainda a Netword Agro, dos empreendedores Ana Carolina e Marcos Ferronato. O projeto se propõe a monitorar digitalmente solos para reduzir custos e melhorar os resultados no campo. Também é um projeto de impacto social, pois diminui os danos ao ambiente e é sustentável. Gosto da ideia. E a Afra Design, da Ana Claudia Silva. O projeto une papelaria, moda, design único e cultura africana. A startup cria design exclusivo para bolsas e papelaria utilizando como referência estampas da cultura africana. Vendem por e-commerce. Eles cresceram rápido. Mas vou deixar os detalhes desses projetos para vocês conferirem em cada episódio.
E tem algum que você se arrepende?
Negócios podem não dar certo a todo momento. Essa é uma realidade do mundo do investimento, não apenas dos investimentos feitos no programa. Quem é investidor de risco precisa estar acostumado com isso. Hoje em dia temos empreendedores mais maduros e investidores atentos para as oportunidades e riscos, especialmente neste cenário conjuntural global mais complexo. Sempre olho muito para os empreendedores, pois, mesmo se, em algum caso, o projeto não pareça ter muita chance para crescer, se eu percebo que as pessoas são talentosas, eu olho diferente para isso, porque, na verdade, o que sustenta um negócio é o empreendedor.
Você perdeu o pai muito cedo. Qual a importância de sua mãe e sua avó na sua formação?
Eu tenho uma base muito forte. Minha mãe, por ser empreendedora, mulher e entender as dores e as delícias dessa jornada, sempre esteve e está ao meu lado. Eu a consulto quando tenho dúvidas, medos, e costumo escutar o que ela diz. Minha avó também. É a tal da ancestralidade, não é? Da mesma forma, tenho muitos amigos que são empresários e mentores que também trocam muito comigo. Todas essas experiências são riquíssimas e nos ajudam, mesmo que seja a entender o que não fazer, em nossa caminhada. É importante a gente saber ouvir.