Em 2020, a advogada e professora universitária Daniela Recchioni Barroso adotou o cãozinho Beethoven, SRD, e teve de superar o preconceito no seu prédio para mantê-lo ao seu lado: "Ele foi o meu apoio emocional quando o mundo estava em lockdown" - Foto: Jean Leonor Pereira/DivulgaçãoCom o estreitamento dos laços entre seres humanos e animais de estimação, naturalmente surgiram problemas inerentes à sociedade contemporânea. A verticalização das moradias e a construção de casas em condomínios trouxeram uma dúvida recorrente: a proibição da presença dos pets nesses locais é legal? Para chegar a um consenso é preciso, antes de tudo, compreender quais são os direitos e deveres dos tutores e quais são os direitos dos animais, previstos no Decreto Nº 24.645 de 1934, que estabelece medidas de proteção aos animais, assim como na Lei Nº 9.605, de 1998, que "dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente". Em seu art. 32, a lei ainda define que "praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos" é crime, com pena de detenção e multa.
Em 2020, a Lei Federal 14.064 incluiu um capítulo a mais para cães e gatos na Lei de Crimes Ambientais, não só condenando como também aumentando a pena para maus-tratos contra os animais com reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda. Contudo, apesar da evolução do Direito Animal, ainda assim vários atos são praticados com o objetivo de prejudicar ou, até mesmo, dar fim à vida dos pets. Em ambientes compartilhados como prédios e condomínios, o preconceito e, até mesmo, a perseguição a tutores são recorrentes, sejam por incômodos reais ou apenas por intolerância de alguns moradores.
Após cinco anos morando em um prédio com Fiona, cadela da raça American Staffordshire, o empresário Caique Morais Alves passou a ter problemas com um novo vizinho: "Ele alegava que ela era agressiva e que poderia atacar alguma pessoa, o que não era verdade e nunca ocorreu" - Foto: Arquivo pessoalNesse contexto, faz-se necessário saber quais são os direitos e deveres de cada um. As ocorrências vão desde leis abusivas em condomínios contra a presença dos animais, a impedimento do uso de elevadores e da circulação dos pets nas áreas comuns, mesmo quando acompanhados de seus tutores. Por outro lado, cabe aos donos ter consciência do que se trata a guarda responsável e adotar medidas para garantir a segurança e bem-estar do animal, assim como dos condôminos no local onde moram.
Para a advogada e professora universitária Daniela Recchioni Barroso, é inegável que os animais merecem uma maior proteção jurídica, visto o significado deles na vida das pessoas. O reconhecimento das famílias multiespécies, baseado na relação humano-animal, diz Daniela, assim como a identificação dos pets como seres sencientes e sua relevância como apoio emocional, validam sua afirmação. Apaixonada por animais, em 2020, no período da pandemia e do isolamento social, ela optou por adotar o cãozinho Beethoven, atualmente com 3 anos e 10 meses, e sem raça definida. "Ele foi o meu apoio emocional quando o mundo estava em lockdown", diz. A advogada relata que também já sofreu com problemas na vizinhança. Primeiro observou que havia, por parte de algumas pessoas, certo preconceito pelo fato do pet ser SRD e de porte médio. "Depois, comecei a receber queixas diretas de um morador sobre os latidos do Beethoven e cheguei a ser informada por outros vizinhos que o mesmo batia na porta, gritava, provocando-o para deixá-lo estressado." Além de contratar um serviço de adestramento especializado, usar colar antilatido no pet e colocar câmera em seu apartamento, a advogada reforçou as idas dele à creche. O que não impediu que as queixas continuassem. "Sempre busquei formas de solucionar pacificamente minhas questões, principalmente por se tratar da minha casa, mas diante da situação, tivemos que recorrer à Justiça."
A advogada animalista Gabriela Maia ressalta que os tutores relatam muita incompreensão dos vizinhos que não gostam de animais: "Esses moradores exigem absolutamente tudo mas, de modo geral, não estão dispostos a abrir mão de nada. Como se apenas a parte tutora de um pet devesse se adequar" - Foto: Paulo Márcio/EncontroO caso de Daniela não é isolado. O empresário Caique Morais Alves acabou sofrendo com o mesmo problema por causa de Fiona, de 6 anos, cadelinha da raça American Staffordshire. Vindo do interior e sentindo a ausência da família, em 2018 ele começou a pesquisar qual pet seria ideal para a sua rotina. "Foi quando descobri essa raça que, apesar da aparência que lembra um pit bull, é muito dócil e amorosa." Na época, Caique se mudou de um apartamento pequeno para um maior para ter mais espaço para Fiona. Durante cinco anos não recebeu reclamações, até a chegada de um novo morador que passou a assediá-lo.
"Ele alegava, inclusive, que ela era agressiva e que poderia atacar alguma pessoa, o que não era verdade e nunca ocorreu." O empresário recorreu a um advogado para saber quais eram os seus direitos. "Fui orientado a fazer uma carta para todos os moradores relatando a situação e descrevendo todos os cuidados que sempre adotei com relação à guarda responsável." A situação se acalmou, mas Caique acabou optando por morar em uma casa. "Há males que vêm pra bem."
Fundadora da Associação Direito Animal Brasil, a advogada animalista Gabriela Maia ressalta que os tutores relatam muita incompreensão dos vizinhos que não gostam de animais, ainda que adotem todos os cuidados necessários para não gerar maiores incômodos. "Esses moradores exigem absolutamente tudo mas, de modo geral, não estão dispostos a abrir mão de nada. Como se apenas a parte tutora de um pet devesse se adequar." Na visão dos reclamantes, dizem os tutores, todos os barulhos que ocorrem em um prédio são aceitáveis, menos o latido de um animal. "O bom-senso é o melhor caminho", diz a advogada.
Regras gerais da presença dos pets em condomínios:
- Não pode haver limitações nas normas de condomínio em relação à quantidade ou mesmo na espécie de animais;
- Não é permitido restringir o direito dos animais transitarem em áreas comuns ou exigir que sejam transportados no colo pelo tutor;
- Em locais onde haja elevador, os tutores e seus pets não podem ser obrigados a transitar pelas escadas;
- Cometer contravenções penais ou crimes em razão do incômodo gerado pelos latidos de um cachorro também é passível de punição;
- A exposição indevida de moradores de maneira vexatória pode ensejar danos morais.
Das responsabilidades dos tutores:
- Os tutores têm direito de ter pets em suas unidades privativas, desde que não gerem danos à saúde, sossego e segurança dos demais moradores;
- O uso de guia e peitoral é recomendável, visto que os tutores são responsáveis por seus animais;
- A Lei Federal número 2.140/2011 dispõe sobre a obrigatoriedade do uso da focinheira e estabelece regras de segurança para a condução responsável de cães de grande porte e de raças consideradas perigosas;
- Em caso de latido contínuo e incessante, de modo a perturbar o sossego dos condôminos, cabe ao tutor buscar soluções para sanar o problema, como adestramento positivo, passeios diários, presença de pessoas em casa ou, até mesmo, creches onde os cães possam queimar energia e socializar;
- É responsabilidade do tutor manter a higiene e limpar os resíduos do seu pet nas áreas compartilhadas, assim como em sua unidade habitacional.
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