Revista Encontro

PERFIL

Cristiana Gutierrez é a primeira mulher a presidir a ABCCMM

Médica mineira assume o comando da Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo do Mangalarga Marchador após 75 anos de homens na presidência da entidade

Neide Magalhães
Cristiana Gutierrez (com o garanhão Havaí) assumiu o comando da ABCCMM há quase três anos: orgulho de dirigir uma entidade dedicada aos cavalos que ela cria há 35 anos - Foto: Pádua de Carvalho/Encontro
Apaixonada por livros e leitora assídua de crônicas e poesias, a empresária mineira Cristiana Gutierrez deu a duas éguas de seu haras os nomes de duas personalidades da literatura nacional. Adélia e Hilda, duas paixões, homenageiam Adélia Prado e Hilda Hilst, respectivamente, e são as montarias mais usadas pela presidente da ABCCMM (Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador) quando está na fazenda. "Elas são as minhas preferidas", diz. Há 35 anos, a família de Cristiana é criadora da raça, um negócio que passa de geração para geração. Donos do Haras Morada Nova, em Inhaúma, localizada na região central do estado, a 90 quilômetros de Belo Horizonte, os Gutierrez levam tão a sério a tradição, que Cristiana se tornou a primeira mulher a presidir a associação nacional dos criadores de mangalarga marchador, em 75 anos de história da instituição.
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Desde 2022, é ela quem comanda a ABCCMM em um mandato de quatro anos, que termina em 2025 e não tem reeleição - uma mudança feita no estatuto na gestão atual, "para haver alternância", como ela diz. A associação nacional tem mais de 24 mil filiados que, juntos, têm um plantel de mais de 745 mil animais. À frente da ABCCMM, Cristiana contabiliza algumas conquistas importantes e dissocia o fato de ser uma mulher de sua eleição para o posto: "Na verdade, não acho que este seja um desafio ligado à questão de gênero. O ambiente ainda é predominantemente masculino, mas observamos que, embora apenas 18% do nosso quadro de associados sejam mulheres , existe um universo feminino enorme se movimentando no entorno", diz. Ela argumenta que há uma mudança visível acontecendo, com mais mulheres assumindo a sucessão de famílias nos haras. "Isso é crescente. Quando eu comecei, há 35 anos, eram poucas as mulheres com grande atuação nesse meio. Quem está mandando agora somos nós!", comemora, ao lado da empresária paulista Ana Carolina Megale (Haras Zel, localizado em Ouro Fino, MG), vice-presidente do Marchadores para a Vida. O instituto, que integra a associação, atua na área social, atendendo várias instituições pelo país com as doações recebidas.
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Competições esportivas e seletivas no Parque da Gameleira: a 41ª Exposição foi um sucesso de público e reuniu mais de 1.400 animais - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroMédica especializada em cardiologia propedêutica e formada pela UFMG, Cristiana trouxe uma experiência de 20 anos trabalhando na Santa Casa, maior hospital público de Minas Gerais, para a nova tarefa. Casada, mãe de três filhos adultos e herdeira do Grupo Andrade Gutierrez, a fazendeira também atua no ramo do agronegócio com a produção extensiva de leite no Norte de Minas. Seu verdadeiro papel na presidência da ABCCMM, diz, é trazer novas ideias e ações: "Todo gestor, quando tem um novo desafio, pensa pelo lado da inovação e na nossa gestão pensamos muito pelo lado da inovação humanizada." Isso significa, segundo Cristiana, ter um olhar que contemple do pequeno ao grande negócio, dando apoio a todos os associados. A recente 41ª Exposição do Cavalo Mangalarga Marchador, maior evento da raça realizado no Brasil (de 20 de julho a 3 de agosto, no Parque da Gameleira, em BH), mostrou que isso já acontece. "O que nos deixa muito felizes é que, nesta edição da nacional, tivemos mais de 200 criadores participando com apenas um animal e mais de 70% dos expositores, de um a quatro animais. Ou seja, este é um evento para todo mundo se sentir bem acolhido", afirma.
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O criador baiano Manoel Campos trabalha com mangalarga marchador há 11 anos: "A experiência de vida e empresarial de Cristiana tem ajudado muito a redefinir processos e dedicar a atenção a pautas tão importantes da nossa associação" - Foto: Sidney Araújo/DivulgaçãoCristiana conta, com orgulho, que sua gestão tem cuidado de cada detalhe, da organização de grandes encontros, passando pelo apoio total aos associados, até a questão do bem-estar animal durante a exposição, que reuniu 1.546 animais de 16 estados das mais diversas regiões do país, com 500 expositores. Sem leilões ou shows, apenas com rodadas de negócios, provas competitivas e eventos paralelos (palestras, encontros, visitas guiadas, etc.), a festa levou cerca de 200 mil pessoas ao parque, com uma estrutura muito bem montada na Gameleira. Lojas (havia até mesmo uma joalheria lá!), bares e restaurantes, espaço kids, salões de beleza e farmácia atraíram famílias inteiras, com tantas atividades para todas as idades. As competições premiaram a melhor marcha, a melhor morfologia, o melhor reprodutor, entre outros itens. Foram 1.621 premiações no total (categorias divididas em esporte e pista principal), com campeões, reservados campeões, primeiro prêmio e menções honrosas. Realizado durante duas semanas de muita programação, "este é o maior evento de Belo Horizonte depois do carnaval, segundo a Belotur", diz Cristiana. "A cada ano, trazemos mais novidades, como o calendário de julgamentos mais amplo em 2024."
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Ex-presidente da associação, Daniel Borja participou da exposição, levou prêmios com seus cavalos e elogiou a estrutura e os concorrentes: "Foi excelente e, melhor ainda, com uma tropa de muita qualidade" - Foto: Alexandre Rezende/Encontro/ArquivoEla explica que, desde o início do ano passado, a associação reatou a parceria com CBH (Confederação Brasileira de Hipismo) e voltou a promover eventos de hipismo com o mangalarga marchador, que está brilhando nos enduros. "Refizemos também as parcerias com a Abet (Associação Brasileira de Equitação de Trabalho) e com a PUC-Minas, onde há um curso de especialização em raças marchadoras, criado pela associação". A coordenação é de Tiago Rezende, responsável pelo colégio de jurados da ABCCMM. "Nosso foco é para a área técnica e a transmissão do conhecimento tem sido um viés importante da nossa gestão", conta. Aperfeiçoamento de jurados e formação de novos jurados são iniciativas que Cristiana também destaca: "Vamos ter também o curso Marchador para Todos e voltamos com o encontro dos inspetores técnicos, que não acontecia há 12 anos", diz.
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Para a empresária, "o mangalarga marchador não é um hobby e a equinocultura, ao contrário do que se imagina, é uma parte expressiva do agronegócio brasileiro. O setor movimenta R$ 30 bilhões por ano no Brasil e 31% são devidos ao mangalarga marchador, raça que tem a maior fatia (R$ 9,3 bilhões) desse total", diz a diretora-presidente da ABCCMM, citando o trabalho do professor Roberto Arruda, da Esal/USP, para falar desses números da economia. "Ele fez um amplo estudo sobre o tema que acompanha em qual contexto a raça está contida". Segundo Cristiana, o impacto econômico envolve "toda a cadeia produtiva (ração, vestuário, serviços, reprodução e comercialização de animais, etc.), que gera em torno de 3 milhões de empregos no Brasil, o que também é bastante relevante comparado com outros setores da economia".
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Ana Carolina Megale, vice-presidente do Marchadores para a Vida: instituto da ABCCMM atua na área social, atendendo várias instituições pelo país - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroO crescimento da raça nos últimos anos - não só o impacto econômico, como frisa Cristiana - é considerável, principalmente durante e após a pandemia da covid-19, "quando as pessoas se voltaram mais para a natureza", de acordo com a criadora. "São dois fatores: o crescimento do agronegócio no país e o fato de nosso cavalo, que é tipicamente mineiro, ser um bom produto em todos os sentidos. É dócil, adapta-se facilmente, funciona no esporte, no lazer, nas competições ou nas lidas das fazendas." Criado há cerca de 200 anos em Minas Gerais, o mangalarga marchador, como explica a empresária, "é uma raça democrática nas funções e no preço, sem necessidade de uma estrutura tão robusta nem de uma técnica apurada". Segundo ela, é possível comprar um bom potro para passeios rurais entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, enquanto os garanhões são vendidos até por R$ 1 milhão. "Depende muito do nicho de mercado", afirma.
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Daniel Borja, dono do Haras Siriema e ex-presidente da ABCCMM, participou da 41ª Exposição Nacional e levou para casa alguns troféus, como o primeiro prêmio Marcha e Categoria, com a égua Havana Siriema Borovica. Ele conta que mais dois cavalos seus também foram premiados: o Quebruto de Alcateia (Reservado Campeão de Marcha e Categoria) e o Okane da Muralha de Pedra (Reservado Campeão de Marcha). Borja elogia o evento, dizendo que "foi excelente, com uma estrutura cada ano melhor (arquibancadas, gastronomia) e, o mais relevante, uma tropa de muita qualidade". Para Manoel Campos, do Haras Picadão, que fica em Teodoro Sampaio - a 100 quilômetros de Salvador -, a exposição deste ano foi muito especial. O criador baiano e diretor da associação, que há 11 anos trabalha com mangalarga marchador, é participante ativo e pela primeira vez trouxe apenas um animal, o Hacker do Picadão. Pois não é que ele se sagrou Campeão Cavalo Júnior de Marcha Picada e Reservado Campeão de Marcha Cavalo Júnior? Manoel diz ainda que "tem sido um prazer conviver e participar da gestão da Cristiana Gutierrez à frente da ABCCMM ao longo desses últimos anos". De acordo com o empresário, a experiência de vida e empresarial de Cristiana "tem ajudado muito a redefinir processos e dedicar a atenção a pautas tão importantes da nossa associação". E completa: "Sua liderança participativa, estimulando sempre o consenso da diretoria nas principais decisões, é uma das suas características mais marcantes e com certeza o olhar feminino, mais atento a detalhes, multitarefas e sensibilidade, faz toda a diferença".
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Cristiana Gutierrez com o gestor do Parque da Gameleira, Alexandre Barbosa: parceria em que todos saem ganhando - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroJá o Haras Morada Nova compareceu com 13 animais, incluindo o belo garanhão Havaí, reunidos em um confortável espaço do Parque da Gameleira. Seis cavalos desse total concorreram na prova de esportes. Um dos destaques da história do haras é o garanhão Teorema, de 16 anos, que ganhou um mural decorando a sala de estar do quiosque e já foi campeão de reprodução. Para se ter uma ideia do que isso significa, três netos do cavalo - que não fez parte do plantel na Gameleira - pertencentes a outros donos foram premiados neste ano. Teorema é pai de Adélia, de 10 anos, égua de montaria de Cristiana, e Adélia é mãe de Hilda, que tem 4 anos e também é uma montaria especial da empresária. Outro cavalo, o Fator de Morada Nova, de 5 anos e com cerca de 350 quilos, é um animal digno de se tirar o chapéu. Tanto que ganhou o primeiro prêmio em Progênie (origem) de Pai Jovem na exposição deste ano.
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Flávio Gutierrez já participou de provas esportivas e hoje se dedica à administração do haras da família: paixão pelos cavalos passa de geração a geração - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroUma das apostas da gestão de Cristiana Gutierrez, aliás, é o esporte, com provas como as de enduro equestre, por exemplo, "agora com um investimento mais robusto e com mais visibilidade". "Criamos o Campeonato Brasileiro de Provas Esportivas no ano passado, um sucesso, e em setembro deste ano teremos a segunda competição." Segundo ela, o apoio institucional tem sido fundamental. Um deles vem do próprio espaço onde acontece a exposição. Alexandre Barbosa, gestor do Parque de Exposições da Gameleira, que pertence ao IMA, diz que são realizados, em média, cinco eventos ligados ao agronegócio por ano, de abril a outubro, o que é uma prioridade do parque: "Procuramos sempre trabalhar com as associações para conseguir manter o parque como ele está agora". Cristiana lembra que a ABCCMM tem parceria com o Sistema Faemg/Senar, inclusive em um curso de formação por competência. "O parque tem sido utilizado pelo governo de Minas, felizmente, como a vitrine do agro mineiro, que é tão múltiplo no cenário nacional. Minas é o estado que tem a maior diversidade dentro do agro. Esse apoio institucional é essencial para nós, porque viabiliza muita coisa. Foram 70 funcionários trabalhando diariamente aqui, na nossa sede. São 20 associações de estados e a nossa, de Minas Gerais, é a maior delas", diz.
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Os tratadores Guti e Douglas, no quiosque do Haras Morada Nova: todo o cuidado com o plantel da família Gutierrez - Foto: Pádua de Carvalho/EncontroSegundo Cristiana, as cavalgadas temáticas são outra atividade para quem não quer competir e têm sido um sucesso em todo o Brasil. "Já tivemos 13 edições, seis delas fora de Minas Gerais, com apoio dos núcleos regionais. Elas vieram na esteira de trazer todo mundo para conhecer o nosso mangalarga marchador. A cavalgada é muito democrática e tem sido inclusiva. Para participar, não é necessário ter o cavalo campeão, a melhor mão de obra e nem uma estrutura robusta", diz. Flávio Gutierrez, filho de Cristiana, que já competiu por muitos anos, afirma que uma das qualidades dela é exatamente a de "ser uma boa gestora com dedicação total à associação". Atualmente, ele administra o Haras Morada Nova com a mãe. Como se vê, o amor pelo mangalarga marchador continua passando de geração para geração.
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