Negócio é negócio. Gêneros à parte. Sendo assim, na contracorrente de quem quer se livrar de CEOs mulheres, que Deus abra as portas do mercado a elas. De acordo com a revista "Forbes", estudos como os do relatório The Ready-Now Leaders da ONG Conference Board apontam que ter mulheres na liderança aumenta, em muito, a chance de uma empresa estar entre as melhores em desempenho. E, em 2023, a "Fortune 500" apontou, pela primeira vez na história, que elas lideravam cerca de 10% das maiores companhias dos EUA por receita. Além disso, gestoras trazem inovação, destacam-se na gestão de crises e estimulam o bem-estar organizacional.
No Brasil, apenas 5% das posições de CEO são ocupadas por mulheres. Uma delas é a belo-horizontina Ana Sanches, 48 anos, que assumiu a direção executiva de uma das maiores mineradoras do mundo, a Anglo American Brasil, no final do ano passado. A mineira, que acumula 27 anos de experiência em finanças, auditoria, planejamento estratégico e desenvolvimento de novos negócios, tem MBA em finanças pelo Ibmec e educação executiva pelas instituições Harvard Business School, Columbia University e London School of Economics, também preside, desde março de 2024, o Conselho do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM).
Para Sanches, a inclusão feminina é um ponto central: "Eu realmente acredito que o lugar da mulher é onde ela quiser. Elas precisam olhar para o nosso setor e saber que terão oportunidades para construir uma carreira", afirmou ela, ao receber a reportagem da revista Encontro. Apesar de ainda haver poucas delas em cargos de liderança na mineração, a executiva, que em 2018 já havia sido reconhecida pela organização "Women in Mining" como uma das mulheres mais influentes da área, acredita que o ramo precisa acolher quem deseja contribuir, trazendo novos pontos de vista para o negócio.
O convite para o posto, conta, surgiu quando o holandês Wilfred Bruijn, mais conhecido como Bill, deixou o cargo que ocupava desde 2019. Então diretora financeira da Anglo American na sede global da empresa em Londres, na Inglaterra, ela assumiu o novo cargo no Brasil em dezembro de 2023 compartilhando do mesmo ideal de Bill de "reimaginar a mineração", equilibrando os interesses econômicos com práticas sustentáveis e inclusivas, fortalecendo a agenda ESG da multinacional.
Com seu estilo e liderança, esta ariana determinada vem, desde muito nova, quebrando muitos tabus e construindo um legado de inclusão e transformação. Caçula de quatro irmãos, Ana Sanches cita seus pais como exemplos de dedicação e ética no trabalho. A mãe, hoje com 81 anos, trabalhou desde cedo, atuando como dentista a vida toda. O pai, representante comercial, também foi forte referência. "Ele sempre foi muito rigoroso com o controle financeiro. Foi o meu melhor professor".
A trajetória escolar de Ana começou em um tradicional colégio da capital mineira, o Loyola, onde sua curiosidade e sede por conhecimento logo se destacaram. Essa busca por aprendizado a levou à graduação em Economia, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um campo ainda predominantemente masculino, e Ciências Contábeis, pela Universidade Fumec. A escolha por cursos em que as mulheres, pelo menos na época, eram minoria, já evidenciava o seu pioneirismo.
Ansiosa por desbravar o mundo e a despeito de todas as dificuldades, Ana fez intercâmbio nos Estados Unidos, no estado da Carolina do Norte. Passou um tempo também na África do Sul. "Sou de um tempo em que ligação internacional era muito cara e para falar com a família era só no domingo, e rapidamente", brinca ela.
O seu primeiro trabalho foi aos 21 anos, em BH, na extinta Arthur Andersen, empresa de auditoria americana cuja sede ficava em Chicago. Neste período, a economista percorreu o Brasil auditando e fazendo consultorias. Mais uma vez em um espaço predominantemente masculinizado. "O fato de todos dizerem que aquilo não era ambiente para mim só me dava mais energia para continuar e fazer a diferença", relata.
Em pouco tempo, foi promovida a gerente. A alegria foi em dose dupla: "eu estava grávida do meu primeiro filho, me lembro que faltavam apenas dois dias para ele nascer". Seguiu no ramo até ser convidada para trabalhar na indústria de cimento Holcim Brasil. Logo, logo recebeu mais responsabilidades. "Chegou um momento em que o CEO da empresa disse que, como eu gostava muito de gente, deveria trabalhar com uma equipe grande. Acabei assumindo uma área enorme para coordenar", recorda.
Não demorou muito para a executiva receber mais um convite. Desta vez, para trabalhar na sede da Holcim na Suíça. O sonho de ter uma carreira internacional era latente - especialmente após ter estudado em Boston (EUA) no período em que esteve na Arthur Andersen. No entanto, casada e com dois filhos pequenos (Eduardo, hoje com 19 anos, e Beatriz, 14 anos), não enxergou outra opção. As responsabilidades com a família falaram mais alto e ela optou por não aceitar. Mas não se deixou abater, enxergou na adversidade uma oportunidade e investiu ainda mais em sua carreira no Brasil.
Deu certo. "A Anglo American, então, me chamou para participar do projeto Minas-Rio". O empreendimento era um enorme desafio: seria o maior mineroduto do mundo em extensão, com 529 quilômetros, e uma das maiores obras de engenharia da América Latina.
Em princípio, a ideia de trabalhar em uma mineradora não foi de toda fácil, especialmente pela conotação negativa que o setor carrega. Contudo, sua visão mudou quando conheceu a Anglo American. "Me senti tão acolhida que mudei o meu conceito", conta. Naquela época, a multinacional já tinha uma pegada diferente, lembra Ana, alinhada com a responsabilidade social, sustentabilidade, questão ambiental e inovação. "Desde então, percebi que a mineração poderia ser feita de uma forma mais responsável e aceitei o desafio", relata.
A executiva conta que participou de todo o processo de implantação do projeto Minas-Rio, rejeitado, em princípio, por defensores do meio ambiente e pelas comunidades do entorno, e enfrentou desafios significativos, como a cassação de licenças e a estagnação da empresa por nove meses consecutivos, até que o primeiro embarque de minério acontecesse, em outubro de 2014.
O período, recorda, foi um aprendizado sobre a importância de ouvir e dialogar com os ambientalistas e investir em novas tecnologias para que a população também se beneficiasse, tornando-se parceira da empresa e, não, o contrário. "Sempre acreditei no diálogo aberto para mostrar que o nosso intuito maior é minimizar o impacto ambiental que causamos e melhorar a vida das pessoas". Para criar um futuro, é preciso aprender com os erros, diz a presidente.
Também em 2014, a Anglo American inaugurou sua sede corporativa nacional em Belo Horizonte. A capital mineira foi escolhida por sua importância como centro de excelência na mineração, segundo declarou, na época, o executivo australiano Mark Cutifani, então presidente global do grupo. A nova sede centralizou as operações de minério de ferro, níquel, nióbio e fosfatos da empresa no país.
Neste meio tempo, Ana assumiu o cargo de diretora financeira da empresa na Inglaterra. E, após dois anos e meio em Londres, volta ao país como CEO da Anglo American. Encara o retorno ao Brasil com a filha caçula - o mais velho permaneceu no exterior para concluir os estudos - com otimismo e um forte desejo de contribuir para melhorar a imagem do setor.
Sua chegada à presidência foi recebida com bons olhos por ecologistas, que vislumbram um futuro com mais investimentos na preservação da biodiversidade. A menina que cresceu entre as montanhas e inicialmente acreditava que a mineração não era uma coisa boa, hoje carrega a responsabilidade de equilibrar interesses comerciais, bem-estar das pessoas e proteção ambiental. "É um caminho sem volta. Nenhuma empresa sobreviverá sem esses valores", afirma.
Sanches faz questão de ressaltar que não é possível acabar com a mineração, sua importância é vital para o mundo. Embora muitas vezes não seja tão evidente, metais e minerais desempenham um papel crucial na vida moderna, são essenciais no nosso cotidiano e, também, para um futuro sustentável. Componentes-chave para tecnologias de energia limpa, estes materiais estão presentes em turbinas eólicas, energia nuclear, painéis solares e veículos elétricos. São indispensáveis também na fabricação de smartphones e automóveis e desempenham papel importante na construção de casas, pontes, ferrovias e aeroportos.
A empresa tem se dedicado a apoiar o desenvolvimento de produtores locais nas regiões em que atua para que tenham independência financeira quando a atividade minerária acabar. Alguns frutos desse trabalho já estão sendo colhidos. No último mês de setembro, durante a Expo & Congresso Brasileiro de Mineração (Exposibram), realizada no Expominas, a Anglo American conquistou quatro premiações ligadas às categorias de inovação do Prêmio Boas Práticas na Mineração do Brasil.
Outro orgulho de Ana Sanches é o viveiro de mudas que a empresa mantém em Barro Alto, em Goiás, com capacidade de produzir até 100 mil mudas por ano de espécies nativas do Cerrado, bioma mais degradado do Brasil depois do amazônico.
No Brasil desde 1973, a Anglo American segue atuando no país em quatro setores industriais: minério de ferro, com o Projeto Minas-Rio, que abrange Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, além do mineroduto que passa por 33 municípios; níquel, com atuação nos municípios de Barro Alto e Niquelândia, em Goiás; fosfato, com as operações nas cidades de Ouvidor (GO), Catalão (GO) e Cubatão (SP); e nióbio, presente em Catalão e Ouvidor. Atualmente, a multinacional emprega 4.100 pessoas diretamente e conta com 15.415 trabalhadores terceirizados em suas operações.
Desde a implementação do projeto Minas-Rio, a mineradora investiu cerca de R$ 340 milhões em infraestrutura viária para beneficiar as comunidades em que atua. Em Minas Gerais, uma de suas principais iniciativas é a parceria firmada em 2014 com o governo do estado, que resultou na pavimentação da rodovia MG-010, entre Conceição do Mato Dentro e Serro, obra com um custo estimado em R$ 93 milhões. Do total aplicado na pavimentação da MG-010, aproximadamente R$ 78 milhões foram aportados pela Anglo American e R$ 15 milhões pelo Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG).
Além disso, desde 2012, a empresa destinou R$ 105 milhões para a manutenção de rodovias estaduais, incluindo uma parceria firmada em 2019 que somou R$ 44 milhões investidos em um trecho ainda não pavimentado. Hoje, a Anglo American emprega R$ 47,5 milhões em novas obras rodoviárias no município de Serro (MG).
Através da Mineração Inteligente do Futuro (Future Smart Mining), a empresa tem investido em uma abordagem inovadora para reimaginar a mineração com foco em sustentabilidade. A iniciativa integra inteligência de dados e tecnologias avançadas para aprimorar a maneira como fornece, minera, processa, move e comercializa os seus produtos.
O conceito de mineração do futuro é desenvolvido em torno de três pilares globais: Liderança Corporativa Confiável, Comunidades Prósperas e Ambiente Saudável. Desde 2022, a multinacional tem garantido que 100% do consumo de energia elétrica em suas operações no Brasil seja de fontes renováveis, como eólica, hidráulica e solar.
Além disso, a empresa também está focada na descarbonização, estabelecendo metas globais ambiciosas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Até 2030, a Anglo American pretende reduzir em 30% as emissões dos escopos 1 (emissões diretas) e 2 (emissões indiretas). Já em relação ao escopo 3 (emissões indiretas nas cadeias de valor), a ambição é reduzir 50% das emissões até 2040.
A meta é conseguir filtrar 100% dos rejeitos do complexo Minas-Rio, reaproveitando os resíduos já despejados e abolindo o uso de barragens. A empresa mantém uma única barragem no Brasil, localizada entre Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, e ressalta que realiza um monitoramento rigoroso da barragem e dos diques de contenção.
Diante da dificuldade do setor na captação de recursos, o Ibram, juntamente com outras entidades privadas, instituições públicas e representantes de órgãos, formou a Invest Mining para promover condições que favoreçam o financiamento da mineração no país. Para a executiva, a alta carga tributária imposta ao setor é um dos fatores dificultadores. "Fomos pegos de surpresa ao ver o minério de ferro incluso na tabela do imposto seletivo, no mesmo grupo de itens como o tabaco, pois já contribuímos através dos royalties da mineração".
Ana Sanches avalia que o setor precisa de um ambiente regulatório que gere segurança à operação para a elaboração de planos futuros, com maior previsibilidade e segurança jurídica. A previsão de investimento da Anglo American no Brasil é de R$ 13 bilhões, entre 2024 e 2028.
"As empresas devem continuar atraindo mais mulheres para a mineração por uma questão estratégica para o futuro dos negócios"
"Ter uma mulher CEO e na presidência do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade que representa o setor, é um sinal evidente da importância da diversidade e inclusão na mineração, assim como do longo caminho que ainda precisamos percorrer para alcançar a equidade de gênero. Acredito que a presença de líderes femininas em posições estratégicas propicia novas abordagens e soluções. Afinal, o setor de mineração enfrenta desafios complexos, e ter uma liderança diversificada é essencial para encontrarmos soluções cada vez mais criativas e eficazes. As empresas devem continuar investindo em programas e ações afirmativas para atrair mais mulheres para mineração não apenas por uma questão social e de equidade, mas por uma questão estratégica para o futuro dos negócios. Neste sentido, observar a atuação de Ana Sanches, com certeza, é inspiração para outras mulheres. Afinal, ela reúne talento e competência. Sua ascensão é demonstração inequívoca de que é possível conciliar a pauta da inclusão, com meritocracia. Espero que Ana seja a primeira de muitas a ocupar cargos desta relevância."
"Ana Sanches tem mostrado que ser uma executiva de sucesso não depende do gênero"
"A nomeação de Ana Sanches como presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) sinaliza um avanço significativo na transformação do setor mineral no Brasil. Com foco em sustentabilidade, inovação e diversidade, essa escolha representa uma oportunidade para acelerar mudanças que já vem ocorrendo nos últimos anos. Embora as mulheres sempre tenham desempenhado papéis importantes na mineração, muitas vezes enfrentam longas jornadas para alcançar posições de liderança. Contudo, a consciência sobre a relevância de diversas equipes, que agregam valor aos resultados financeiros e operacionais das empresas, tem crescido.
Nesse contexto, o Women in Mining Brasil tem divulgado, desde 2020, um relatório de indicadores em parceria com a EY, mostrando a progressão do setor em inclusão feminina, quem são, onde estão na estrutura corporativa e os investimentos no desenvolvimento de lideranças femininas. A Ana Sanches tem sido um exemplo de que é possível estarmos nos altos cargos de gestão pela sua trajetória, competência e, principalmente, pela contribuição que agrega ao setor mineral como um todo. Ela tem mostrado que ser uma executiva de sucesso não depende do gênero, e que com apoio para o desenvolvimento de mais mulheres no setor mineral, ela não será a única a se destacar".
"Como mulher, me sinto feliz sempre que vejo outra sendo reconhecida"
"É muito gratificante observar este movimento (do aumento da chegada das mulheres em cargos de liderança), embora eu tenha consciência do quanto o mercado ainda precisa evoluir. A gente sabe que algumas questões, como a própria licença-maternidade, ainda orientam a decisão de algumas empresas de considerar ou não as mulheres para determinadas posições. Eu fui promovida para este cargo de Diretora Financeira logo após o meu retorno da licença, inclusive, mas esta não é a realidade do mercado de trabalho quando aplicamos sobre ele um olhar mais macro. Fico feliz por ser a primeira na empresa, e espero não ser a única. Ver mulheres chegando a cargos tão estratégicos mostra uma evolução necessária e extremamente importante. O que eu espero é que cada vez mais elas conquistem cargos de liderança, assim como pessoas pretas, LGBTQIA + e tantos outros grupos que ainda encontram barreiras para se desenvolver.
E Ana Sanches se tornou a primeira mulher a assumir o Conselho do Ibram, que durante quase 50 anos só teve representantes homens. Este é um setor predominantemente masculino. Estamos falando de um marco, que abre espaço para um novo olhar sobre os desafios pujantes do mercado. A diversidade é sempre positiva, e não à toa tem tido maior atenção por parte das empresas. Ela permite novas perspectivas sobre um mesmo aspecto, dando espaço para a criatividade, a inovação e o desenvolvimento. E pessoalmente, como mulher, me sinto feliz sempre que vejo outra tirar esta palavra sendo reconhecida por sua competência".
"Seu protagonismo não me surpreende, pois ela sempre foi uma referência"
"A nomeação de uma mulher como presidente do Ibram representa um marco significativo para a categoria. Isso demonstra que a entidade, assim como o mundo, está em evolução nesse sentido e elege aquele cujo perfil é merecedor para ocupar o cargo. O crescimento do protagonismo das mulheres é essencial para trazer diferentes perspectivas e abordagens para a tomada de decisões, promovendo um ambiente mais inclusivo e inovador. A diversidade, não só na mineração, contribui para um ambiente de trabalho mais equilibrado e resiliente, capaz de enfrentar os desafios de maneira mais eficaz.
Ana Sanches, com sua vasta experiência e reconhecimento no setor, pode influenciar políticas e práticas que promovam a mineração sustentável e a responsabilidade social, além de promover a presença e importância da mineração no Brasil. O futuro da liderança feminina na mineração parece promissor, com tendências que apontam para uma maior inclusão e valorização das mulheres no setor. Aqui na Jaguar Mining, por exemplo, estamos trabalhando através de programas de recrutamento interno e externo para ter maior participação feminina em todo o nosso negócio, desde a operação até os cargos de liderança. Tenho o privilégio de conhecer a Ana há muitos anos, em diversos projetos nos quais atuamos juntas. Seu protagonismo não me surpreende, pois ela sempre foi uma referência no mundo corporativo".