Revista Encontro

CLIMA

Especialistas e PBH analisam impactos da crise climática na capital

Encontro foi em busca de análises e possíveis soluções locais e coletivas para garantir um futuro melhor

Alex Bessas e Marília Mendonça
Pôr do sol vermelho em Belo Horizonte: apesar da beleza, fenômeno retrata estiagem prolongada e alto grau de poluição das queimadas - Foto: Shutterstock
Quem, com um pouco mais de atenção, observa a paisagem urbana de Belo Horizonte, pode ter notado que, neste ano, a floração dos ipês teve um ritmo diferente. Sempre um evento para fotógrafos amadores e profissionais, o fenômeno obedece a uma sazonalidade em relação às cores. Desta vez, porém, roxos, amarelos, rosas e brancos desabrocharam a um só tempo. Ainda que pareça coisa singela, essa perturbação dos ciclos naturais pode ser lida como um alerta de como a crise do clima já se impõe sobre a capital e região metropolitana.
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Não só. A linha do nosso belíssimo horizonte andou turva, enfumaçada, fazendo sumir a Serra do Curral, cartão-postal da cidade. Um cenário distópico, à la Blade Runner (Ridley Scott, EUA, 1982), que se completava com um entardecer vermelho, bonito até, mas que evidenciava que os ares não andavam lá muito bem. Houve ainda outros tantos alertas, como o fato de BH ter somado uma sequência de 35 dias de calor acima da média para o período entre setembro e outubro. E outro recorde extremo: 156 dias seguidos sem chuva, o que fez com que a cidade figurasse como a capital brasileira com maior sequência de dias secos neste ano, conforme dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
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Parece engraçado, mas, há pouco mais de 80 anos, o sambista carioca Noel Rosa desembarcou por aqui para tratar problemas respiratórios por conta do clima ameno e dos ares puros da cidade. Uma vinda, hoje, impensável: em 2023, BH foi a capital que mais esquentou no Brasil, com registros 4,2ºC acima da média, conforme dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) do governo federal.
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Florada de ipês em Belo Horizonte: neste ano, ciclo não seguiu a sazonalidade natural das cores - Foto: ShutterstockDe acordo com o arquiteto e urbanista Roberto Andrés, "já temos uma grande mudança de clima em Belo Horizonte". O especialista indica que, além dos fenômenos listados acima, BH e região metropolitana podem sofrer com outros diversos eventos associados à questão climática em um futuro próximo, como o desabastecimento. Paradoxalmente, também, o desequilíbrio faz com que as chuvas fiquem menos distribuídas. Com o período chuvoso concentrado em poucos meses, há o aumento da probabilidade da ocorrência de temporais devastadores, também já conhecidos na capital.
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Frente à nova realidade do clima, Andrés explica que medidas de mitigação (que dizem respeito às ações de redução de emissões de carbono) e de adaptação (que permitem que as cidades alterem seus territórios a fim de lidar melhor com o novo regime climático) devem ser aplicadas não apenas a nível mundial ou nacional, mas, também municipal. Para ele, aliás, temos um longo dever de casa a cumprir nessas duas frentes.
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Mas o urbanista reconhece que, em um primeiro momento, o cumprimento dessa tarefa fica prejudicado frente à sensação de que a crise climática é um problema grande demais. E causa a impressão de que o lugar ideal para travar essa discussão seriam fóruns globais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), e, não, locais. Logo, a mobilização comunitária avança pouco e as autoridades municipais acabam pouco cobradas.
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Arquiteto e urbanista Roberto Andrés: "A forma de superar os problemas em relação ao clima ninguém sabe, mas suspeito que uma boa maneira seja mostrar o que é possível fazer a nível local" - Foto: Reprodução/YouTubeNo entanto, este também é um problema meu, seu, nosso. Andrés defende que essa pauta precisa estar mais perto das comunidades. "Realmente, é difícil construir a sensação de que é possível combater o problema. E a forma de superar isso ninguém sabe, mas suspeito que uma boa maneira seja mostrar o que é possível fazer a nível local", diz.
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"Acredito que as políticas que melhoram condições de vida nesses territórios, como o que foi feito em Medellín, na Colômbia, com o plantio de árvores que reduziu a temperatura média na cidade, são o melhor a ser feito para se construir um senso coletivo de que é possível lidar com o problema", elabora, argumentando que são as cidades que estão nas duas pontas da crise climática: nelas são emitidos mais de 70% dos gases que geram o aquecimento do planeta; e são nelas que a grande parcela da população humana sofre as consequências dessa emergência.
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O ato de vislumbrar caminhos é especialmente importante uma vez que, como aponta a escritora e historiadora norte-americana Rebecca Solnit, "precisamos de novas histórias sobre o clima". É o que ela defende em um artigo publicado na revista Quatro cinco um, onde escreve: "Para fazermos o que a crise climática exige de nós, precisamos de histórias sobre um futuro habitável, retratando o poder do povo, nos motivando a fazer o necessário para o mundo de que precisamos", destacou. "O que conseguirmos (ou não) fazer nos próximos anos determinará o tipo de planeta em que viveremos e o que será a vida na Terra nos próximos milhares de anos. Essa sensação de que é tarde demais – esse fatalismo – é parte do motivo pelo qual muitas pessoas deixam de participar", ressaltou ainda, em entrevista à Folha de S.Paulo.
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Abrigo climático no centro de BH: primeiro do país a entrar em operação, local é equipado com sistemas de resfriamento e abastecimento de água potável - Foto: PBH/DivulgaçãoUma das ações que podem ser capitaneadas por BH e cidades da RMBH, defende Roberto Andrés, passa justamente pela ampliação das áreas verdes. Outra, vai no sentido de preservar as nascentes e cursos d’água. A drenagem das águas das chuvas é outro ponto de atenção. "Nós temos, hoje, pontos de vale que, no momento da chuva forte, enchem de água. Então, precisamos de uma drenagem mais distribuída no território, o que pode ser feito por meio de diversos sistemas, inclusive sistemas verdes, que se pautam pelo aumento da área verde do município", explica.
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Obviamente, prefeitos e vereadores têm um papel importante para a execução das políticas de mitigação e adaptação elencadas por Andrés. "Eles podem atuar para regular e fiscalizar a atividade da mineração, realizar políticas ambientais consistentes e robustas para o plantio de árvores, para a proteção de nascentes e preservação hídrica em geral", avalia o estudioso, antes de lembrar que BH teve uma proposta de plano de ação climática derrubada pela Câmara de Vereadores, em 2023. Decisão classificada por ele como "irresponsável".
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"Vivemos uma contradição", aponta. "Hoje, quando vemos as pesquisas, a maioria da população já reconhece a existência da crise climática e sabe que ela é gerada por ação humana. No entanto, essa mesma maioria não aposta em políticas que solucionem o problema. Na verdade, essa maioria faz escolhas, inclusive em relação ao voto, motivada por outros fatores", avalia.
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É possível 'adiar o fim do mundo': O arquiteto e urbanista Roberto Andrés lista uma série de boas práticas adotadas ao redor do mundo


Medellín, cidade da Colômbia - Foto: ShutterstockMedellín, na Colômbia: Cidade criou corredores verdes, com o plantio de mais de 2,5 milhões de espécies menores e 880 mil árvores. "Lá, essa iniciativa levou à redução da temperatura em 2 °C, em média", afirma o especialista.
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Paris, na França, e Barcelona, na Espanha:  Estão sendo criados, por toda malha urbana, abrigos climáticos, os chamados "cooling places", locais protegidos, confortáveis, áreas verdes com trechos cobertos, bebedouros. "Além disso, essas cidades apostam em políticas públicas que desencorajam o uso de automóveis em algumas regiões, com redução de vias para carro e aumento progressivo dos espaços para pedestres".
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Jinhua, na China: Um dos exemplos mais conhecidos de "cidades-esponjas", iniciativa que vem sendo adotada em diversas regiões do mundo. "Trata-se justamente de cidades que absorvem a água da chuva de uma forma distribuída. Um modelo que vem sendo muito debatido e começa a ser pensado para alguns lugares do Brasil", diz Andrés.
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Prefeitura de BH afirma que está atenta e preocupada com impactos


Questionada sobre como avalia os avanços do problema do clima na capital, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte reconheceu que já é possível "perceber na pele esses efeitos" na cidade e que a entidade está "atenta e preocupada com os impactos das mudanças climáticas e com a intensificação dos eventos extremos". Além das ondas de calor, estiagem prolongada e o grande número de queimadas, a resposta do órgão também destaca as estações chuvosas, quando tem sido "notável como as precipitações vêm se tornando cada vez mais intensas e concentradas".
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Diante do cenário, a Prefeitura de Belo Horizonte informa que tem realizado uma série de estudos, criou comitês e ampliou a atuação do Grupo Gestor de Riscos e Desastres, instituído em 2022, que passou a ser nomeado Grupo Gestor de Riscos, Desastres e Eventos Climáticos Extremos. Há também um investimento em educação ambiental "em linguagem acessível e compatível com diferentes públicos".
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A criação de refúgios climáticos, espaços equipados com sistemas de resfriamento e abastecimento de água potável, projetados para oferecer abrigo e assistência durante ondas de calor extremo ou tempestades, é uma das ações destacadas pela Secretaria de Meio Ambiente. No momento, há um deles em operação, na rua dos Carijós, 679, no Centro. Outros dois, de acordo com o órgão, serão implantados ainda neste ano.
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Na contracorrente das críticas sobre o corte abusivo de árvores na cidade, a Prefeitura divulgou que, de 2021 até agosto de 2024, foram plantadas 79 mil mudas. E que também aposta nos corredores verdes – como o da rua Aimée Semple McPherson, no bairro Liberdade. Estes são trechos criados para promover a conectividade entre parques e outros fragmentos de áreas ambientais através de uma faixa ou corredor caracterizado por uma vegetação mais abundante.

Desde 2022, têm sido implantadas também miniflorestas, espécies de ilhas de biodiversidade em áreas pouco vegetadas ou degradadas, como mais uma forma de fortalecer o ecossistema. BH conta, atualmente, com 16 sistemas nesse formato e tem prevista, até dezembro deste ano, outras 11.
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