Nesta entrevista, Marco, que é professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG e foi diretor-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. (BDMG) entre 2015 e 2019, fala sobre a produção científica no estado e da importância da inovação para a economia mineira. Ele comemora os bons números do ano passado: faturamento de mais de 800 milhões de reais das empresas instaladas no parque, 300 milhões em impostos gerados e a criação de mais de 350 postos de trabalho novos. "Costumo dizer que transformamos patente em nota fiscal." Mas se entusiasma mesmo ao contar a respeito de alguns casos de sucesso, como o da empresa que produz nanoscópios e é a única do mundo instalada no Hemisfério Sul ou da companhia de lente intraocular do Reino Unido que escolheu Minas Gerais para montar seu primeiro laboratório fora dos domínios do rei Charles. "O país escolhido foi o Brasil e aqui disputamos com a USP, porque a empresa queria estar perto de uma universidade. Aí conseguimos trazer ela para cá."
. - Quem é: Marco Crocco
- Origem: Ubá (MG)
- Formação: Bacharel em economia pela UFMG, mestre em economia industrial e da tecnologia pela UFRJ e PhD em economia pela Universidade de Londres. Possui também pós-doutoramento pelas Universidades de Cambridge, na Inglaterra, e Paris-Dauphine ou Paris IX, na França.
. - Carreira: Professor titular do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG e pesquisador nível 1 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na UFMG, foi chefe do Departamento de Ciências Econômicas, coordenador da Pós-Graduação em Economia e vice-diretor da Faculdade de Ciências Econômicas. Entre 2010 e 2014, foi diretor-presidente da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) da universidade. Em 2012, assumiu a presidência do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies). Entre 2015 e 2019, foi diretor-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. (BDMG) Desde 2019, é presidente do BH TEC.
Encontro - O que é o BH TEC?
Marco Crocco – É um parque tecnológico. Ele basicamente faz a conexão entre o setor produtivo, o setor público e a universidade. É o que chamamos de tríplice hélice. A ideia é criar um ambiente onde o processo de inovação gerado dentro da universidade possa ter um diálogo e um ambiente propício para ser transferido para o setor produtivo. E onde as políticas públicas relacionadas ao setor produtivo possam ser desenvolvidas. É um espaço basicamente de interação, que se dá por meio do desenvolvimento das empresas que estão localizadas aqui. No Parque Tecnológico de Belo Horizonte estão localizadas empresas de alta tecnologia, principalmente laboratórios de desenvolvimento de alta tecnologia e alguns laboratórios específicos da UFMG. Costumo dizer que transformamos patente em nota fiscal.
. O que as empresas procuram ao se instalar no BH TEC?
Cerca de 95% das empresas localizadas aqui têm ou já tiveram projetos em conjunto com a UFMG. Então, podemos afirmar que elas vêm para cá para ficar próximas à universidade. Criamos um ambiente que facilita a transferência de conhecimento. O BH TEC é um ambiente de inovação. Ele foi constituído como uma associação privada, sem fins lucrativos. A UFMG, o estado de Minas Gerais, a prefeitura de Belo Horizonte, o Sebrae e a Fiemg são sócios-fundadores. O terreno foi cedido pela UFMG; o primeiro prédio, quem construiu foi o estado; e a infraestrutura urbana, a prefeitura que deu. Temos hoje 33 empresas residentes e dois laboratórios. O terceiro está chegando agora. Entre as empresas, há desde startups até multinacionais. Além do espaço, nós oferecemos uma série de programas para as que estão aqui localizadas, como apoio à comunicação e marketing, além de contato com os clientes e ajuda para que eles façam um monitoramento constante da inovação que estão desenvolvendo. Criamos um ambiente em que a inovação é discutida o tempo todo, seja em eventos, acompanhamentos ou rodadas de negócios.
. E quem paga a conta? Como o BH TEC se mantém?
Nós temos de nos virar com o que recebemos de aluguel e a venda de prestação de serviços. A UFMG não pode colocar dinheiro aqui, o estado não coloca dinheiro aqui… Estamos fazendo, por exemplo, um programa junto com a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para incentivar startups que têm soluções para a área de sustentabilidade. Também auxiliamos empresas que querem estruturar suas áreas de pesquisa e desenvolvimento.
. O que uma empresa precisa ter ou fazer para estar no parque?
Inovação. As empresas para entrarem aqui passam por um comitê científico-tecnológico, que faz parte da estrutura de governança do BHTEC. Nós temos também um conselho de administração e um conselho fiscal, nos quais todos os sócios-fundadores estão representados. Formalmente, dentro do parque só pode estar o laboratório das empresas. A linha de produção não pode ficar.
. Quais são os laboratórios da UFMG que estão aí no BH TEC?
São centros tecnológicos. Há o centro tecnológico em vacinas, que inclusive está desenvolvendo a primeira vacina contra a Covid inteiramente nacional. Até o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), que a Astrazeneca importava da Inglaterra e o Butantã importava da China, é brasileiro. Estão sendo desenvolvidas também um teste para vacina da dengue, uma vacina da Monkeypox e uma série de outras. Há também um centro de nanotecnologia, que desenvolve tecnologia de nanoscópio para uma série de materiais como grafeno e lítio. E o laboratório que está chegando agora é um centro de tecnologia de terapias alternativas, que são aquele tipo de tratamento onde você mexe com características genéticas. Nesses laboratórios, por exemplo, quase 80% da receita deles vêm de fora, vêm da relação com o setor produtivo.
. Qual a taxa de ocupação do BH TEC atualmente?
Hoje, temos 33 empresas e dois laboratórios. Vamos chegar a cerca de 40 empresas, com algumas que não são residentes, mas que participam de um programa ou outro. Estamos com 100% de nossa estrutura ocupada e eu costumo falar que é 120%, na verdade, porque até a minha sala eu já dei e estou ocupando uma sala temporária. Temos quase 4 mil metros quadrados de empresas localizadas aqui. Já conseguimos verba para a expansão e construiremos um novo prédio, que terá 2 mil metros quadrados, com cerca de mais de 1,7 mil metros quadrados para locação. Esse novo prédio, com financiamento do governo federal, será um centro de inteligência em sustentabilidade. A ideia é que ali tenhamos laboratórios e empresas que mexam exclusivamente com sustentabilidade ambiental. Em um ano e meio, dois, no máximo, esse edifício deve estar pronto. Além disso, há um projeto em curso da reforma da garagem, que significa mais 500 metros quadrados para laboratórios; e uma área que chamamos de "Living Labs", com contêineres que podem abrigar laboratórios, escritórios ou espaços de apresentação. O investimento total é de quase 25 milhões de reais.
. Qual é a importância para Minas Gerais e para Belo Horizonte de ter um espaço como esse?
O BH TEC não só é um espaço para atrair empresas, mas para atrair companhias com um alto valor agregado. Só no ano passado, as empresas localizadas aqui tiveram faturamento de mais de 800 milhões de reais. De impostos, foram gerados no ano passado 300 milhões de reais, além de criados mais de 350 postos de trabalho novos. E esses postos de trabalho são, em sua maioria, altamente qualificados. Cinquenta por cento têm graduação. Mais 40%, mestrado, especialização ou doutorado. E apenas 10% de profissionais com menos do que ensino superior completo. O impacto é a entrega de produtos para o estado como um todo. As últimas três empresas atraídas são multinacionais. Uma delas, por exemplo, a gente disputou com São Paulo. É uma empresa de lente intraocular que decidiu montar o primeiro centro de pesquisa e desenvolvimento fora do Reino Unido na América Latina. O país escolhido foi o Brasil e aqui disputamos com a USP, porque a empresa queria estar perto de uma universidade. Aí conseguimos trazê-la para cá.
. Você falou de 350 postos de trabalho gerados no ano passado, mas quantas pessoas frequentam o BH TEC?
A população do BH TEC gira em torno de 900 pessoas trabalhando em todas as empresas daqui. Além disso, realizamos no ano passado mais de 67 eventos, desde congressos a visitas de ministros. Esses eventos trouxeram mais de 2,5 mil pessoas para o nosso prédio.
. Qual seria o principal desafio de um parque como esse aqui em Minas?
O nosso maior desafio é facilitar o contato entre empresas e a universidade. Essa é a nossa função básica. Somos uma instituição-ponte. O segundo desafio é trabalhar essa cultura de inovação. A universidade precisa entender que fazer essa transferência de conhecimento para as empresas é algo natural. Já o setor produtivo tem de entender que não é porque a universidade é pública que ela tem de prestar um serviço barato. Tem de entender que o processo de inovação é importante para a competição. Quando entramos aqui, em 2019, o BH TEC vivia uma crise muito grande. Não só uma crise financeira, mas de legitimidade. Muitas empresas estavam saindo do parque. Nossa ocupação girava em torno de 60%. Mas estamos conseguindo ressignificar o parque tecnológico. Existe ainda um certo desconhecimento do setor produtivo e da própria universidade. Uma característica muito legal do BH TEC é fazer inovação além da digitalização. Tentamos trazer e levar o que chamamos de deep tech, tecnologia profunda. Temos, claro, muitas empresas da área de TI, que são badaladas e tal. Mas temos também empresas que fazem nanoscópio. Um microscópio aumenta 1 mil vezes. Um nanoscópio, 1 milhão de vezes. Somente cinco empresas no mundo produzem nanoscópios. Quatro estão no Hemisfério Norte e uma aqui. Um equipamento desses custa 3 milhões de reais. Temos pesquisas nas áreas mais variadas, com tecnologia de ponta. Minas Gerais tem 20% das universidades federais do Brasil. Se você pegar não só universidades federais, mas seus campos avançados, UEMG,, universidades privadas… São de 250 a 300 locais onde se dá pesquisa e formação de mão de obra qualificada. Ao mesmo tempo, temos uma estrutura produtiva que é do século passado, metal, mecânica... Não é a chamada economia do conhecimento, com indústrias intensivas em pesquisa e desenvolvimento, que hoje são o paradigma de crescimento no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, se tem uma produção científica altamente qualificada. A UFMG, por exemplo, deve ter ficado, nos últimos 10 anos, em primeiro lugar no número de patentes no Brasil umas sete vezes. E quando não ficou em primeiro, ficou em segundo ou terceiro, disputando com todo tipo de indústria. A Universidade Federal de Viçosa tem uma produção e um conhecimento na área agrária que é uma coisa absurda. A conexão entre esses setores é onde o parque trabalha.
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