Revista Encontro

BELEZA

Profissionais e clientes apostam em rejuvenescimento mais natural

Na contracorrente das harmonizações faciais exageradas, existem técnicas que partem das características faciais do próprio paciente

Patrícia Cassesse
Juliana Fernandes: "As pessoas perceberam que modificar tanto a face é um exagero, estava causando uma des-harmonização" - Foto: Pádua de Carvalho/Encontro
Sem sombra de dúvidas, o filme mais falado do ano (embora não propriamente uma unanimidade em termos de narrativa), A Substância, de Coralie Fargeat, mostra, de maneira propositadamente alegórica, os extremos a que uma pessoa poderia chegar na luta contra o envelhecimento. No papel da protagonista, uma apresentadora que é demitida por estar "velha" demais para os padrões dos executivos do canal, a norte-americana Demi Moore já foi, na vida real, alvo de várias críticas por conta da sua aparência. Em 2021, ao abrir o desfile da Fendi Couture, então com 58 anos, a atriz virou notícia em função de supostas intervenções no rosto, que teriam provocado um efeito de afundamento nas bochechas.
.

Nas aparições em público seguintes, Demi Moore já se mostrava com as feições habituais. E, no filme citado, se faz digna de aplausos ao, estando nua em frente às câmeras, expor um corpo deslumbrante sim, mas que não esconde as marcas da passagem do tempo, sobretudo na textura da pele. A atriz, vale dizer, nunca falou publicamente sobre os eventuais procedimentos aos quais teria se submetido. No entanto, não têm sido poucas as celebridades que, nos dias atuais, insatisfeitas com resultados obtidos por meio de intervenções no rosto, compartilham, com os fãs, a retirada dos artifícios utilizados. Não por outro motivo, a expressão "desarmonização facial" acabou se tornando pauta na mídia.
.

Para Juliana Fernandes, mestre em odontologia e doutoranda pela UFMG, a grande questão é que o boom da harmonização facial registrado nos últimos anos fez com que muitas pessoas passassem a buscar resultados imediatos. "E, nesse processo, acabava-se usando muito material, o que gerava um efeito exagerado". Ela cita, por exemplo, lábios mais volumosos, malares muito ressaltados e o ângulo da mandíbula muito definido. No entanto, Juliana lembra que, na maioria das vezes, os recursos eram utilizados a pedido do próprio paciente.
.

Priscila Costa: "As pessoas estão buscando procedimentos mais naturais, que proporcionam beleza e rejuvenescimento sem transmitir um aspecto artificial" - Foto: Cristina Lima/Divulgação"Se compararmos, o mesmo aconteceu com o boom do silicone. Muitas mulheres queriam colocar silicone em proporção exagerada, e, já há algum tempo, vimos assistindo ao movimento de mulheres removendo as próteses, trazendo os seios para um tamanho mais real, mais natural", compara. Ou seja, na opinião de Juliana Fernandes, fenômeno similar se opera hoje no campo da harmonização facial. "As pessoas perceberam que modificar tanto a face é um exagero, estava causando uma des-harmonização", explana.
.

Daí a guinada para a tendência atual. "Então, o que as pessoas querem, hoje, com a harmonização facial é estar belas, mas de uma forma mais natural, sutil. Por isso uma certa procura pela remoção de produtos utilizados nesses procedimentos de um tempo atrás, de forma exagerada". A especialista em harmonização orofacial e periodontista Priscila Costa ratifica a tendência: "Atualmente, as pessoas estão buscando procedimentos mais naturais, que proporcionam beleza e rejuvenescimento sem transmitir um aspecto artificial ou que mude a própria identidade", diz ela.
.

Juliana Fernandes se vale de uma expressão conhecida para o fenômeno: "As pessoas ‘caíram na real’. Ou seja, entenderam que não é necessário todo aquele exagero de antes para se sentirem belas. Que o imediatismo nem sempre é o melhor resultado. O que vemos, hoje, é uma procura com relação ao gerenciamento do envelhecimento, que, quando feito, o resultado é mais natural". Priscila Costa concorda:  "Para obter resultados mais duradouros, a harmonização orofacial precisa ser feita em etapas e cuidada como um jardim. Ou seja, adubar, regar", compara.
.

Demi Moore no filme A Substância, que pode ser visto no canal de streaming Mubi: uma das produções mais assistidas do ano, o terror satiriza a ditadura da beleza - Foto: MUBI/DivulgaçãoPortanto, ambas enfatizam que a harmonização facial é um recurso validado, que veio para somar. Juliana diz que o conselho que daria a qualquer pessoa que esteja pensando em se submeter à harmonização é alinhar a expectativa à realidade do que é efetivamente possível fazer. "Veja, não adianta eu pegar como exemplo o rosto de uma pessoa famosa e querer me transformar nela. Isso é irreal. Mas, o profissional pode, sim, obter um resultado bonito, harmonioso, natural, a partir das características faciais dessa pessoa. Ou seja, não é se espelhar no outro. E, principalmente, pensar em um cuidado contínuo, visando o longo prazo. Evitar aquilo que é só imediato."
.

"O envelhecimento é um processo natural a todo ser"


Mestre em psicanálise pela UFMG e psicólogo clínico, Danty Marchezane salienta, referindo-se ao boom da harmonização facial registrado de uns anos para cá no Brasil e em vários países, que, não raro, em uma sociedade marcada pelo consumo, é comum registrar essa que ele vê como uma aquisição apressada de mercadorias influenciada por marcadores sociais bem definidos. "Como padrões estéticos, de estilo de vida, de produtos que as pessoas utilizam como um marcador de identidade". E isso, claro, tem consequência. Assim, Marchezane entende que o primeiro passo é ser crítico a ofertas mercadológicas que impactam a vida - ou seja, não só no âmbito estético.
.

Do mesmo modo, para Danty, um dos pontos que justificam a procura desmedida por procedimentos estéticos é o fato de esses comumente prometerem respostas rápidas para uma questão que, enfatiza, talvez seja mais profunda. No entanto, Marchezane, que é também conselheiro do Conselho Regional de Psicologia - MG, reconhece que é difícil dar conselhos sem cair em falas "no campo de uma pura motivação". "Então, eu diria que o cuidado é, sim, muito importante, mas é preciso frisar que os anos passam para todas e todos. E que é fundamental questionarmos o porquê dessa insatisfação, uma vez que o envelhecimento é um processo natural a todo ser".
.